As condições da sala do Palácio da Justiça de Leiria, que limitaram o acesso de jornalistas e impediram o público de assistir, foram suscitadas, quer por profissionais da comunicação social, como por advogados.
Na sexta-feira, uma nota à imprensa do juiz presidente do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria informava que estariam reservados para os jornalistas quatro lugares na sala do julgamento, sendo que o acesso “feito por ordem de chegada ao tribunal”. Um jornalista chegou às 05:20, para poder garantir presença na sala de audiências.
Já no domingo, depois de uma exposição do Sindicato de Jornalistas quanto às regras de acesso ao julgamento feita ao vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura e outras que foram dirigidas ao juiz presidente da comarca, António Ramos, numa outra nota, disse compreender “a preocupação manifestada” pelos jornalistas, “reconhecendo a importância da informação livre num Estado de Direito, a qual não deve ser coartada, nem limitada”.
Contudo, o presidente do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria salientou ser alheio “à tramitação de qualquer concreto processo judicial”, explicando que essa é uma “competência e responsabilidade” do juiz titular do processo.
Duas salas, no mesmo edifício, foram disponibilizadas para que os jornalistas pudessem acompanhar, através de áudio, o julgamento.
O advogado Castanheira Neves, que representa o presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu, considerou “altamente lamentável que uma sessão que é, por natureza e por imperativo legal, pública, não possa dispor de condições adequadas para que todos os intervenientes processuais, arguidos e assistentes, possam estar”, disse aos jornalistas.
“Além, como é evidente, de a comunicação social, a quem compete por dever de ofício transpor para todos o conhecimento do eco do que aqui se passar”, afirmou.
Outra das questões suscitadas prende-se com um recurso do Ministério Público (MP) para o Tribunal da Relação de Coimbra a propósito da classificação dos autos como megaprocesso, defendendo nova distribuição.
O advogado Ricardo Sá Fernandes alertou que, se for dada razão ao MP, “a produção de prova que se há de produzir até essa data será toda anulada”
Manifestando preocupação com esta situação, o causídico defendeu que “teria sido preferível aguardar” e “ter dado o efeito suspensivo” ao recurso.
“Temos de reconhecer que se o recurso tiver provimento - e é a posição do MP, nem sequer é de nenhuma das partes civis – será altamente desgastante e desprestigiante que este julgamento tenha de começar de novo”, avisou.
Já nas exposições introdutórias, a procuradora da República Ana Mexia afirmou que este é um processo “único e o primeiro do género, pelo significado jurídico, social e mediático”.
“Dúvidas não temos que este processo é - infelizmente pelo desfecho que culminou na morte de pessoas – único e o primeiro do género, pelo significado jurídico, social e mediático que assume”, disse a procuradora.
Ainda nesta fase, vários advogados garantiram que não pretendem vingança com este julgamento.
“Não estamos aqui por vingança, mas pela salvaguarda da justiça material, para que catástrofes desta natureza não se voltem a repetir e para que os responsáveis sejam condenados”, adiantou Patrícia Oliveira
Filomena Girão, defensora do arguido Augusto Arnaut, comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, destacou que a acusação ao bombeiro é torná-lo um “bode expiatório”.
“Temos uma grande lição a aprender. Basta ver o estado das nossas florestas para perceber que, quatro anos volvidos, temos muito para aprender e para resolver. Não podemos sacrificar este homem. Naquele trágico dia, os meios de combate foram poucos, num combate que, sabemos hoje, era impossível”, acrescentou Filomena Girão.
Já o advogado Rui Patrício afirmou que “os julgamentos não servem para fazer o luto”, frisando que “a sede aqui é para apurar factos e aquela responsabilidade concreta”.
Das declarações mais marcantes do primeiro dia de julgamento foi a do advogado Magalhães e Silva, que defende o presidente da Câmara de Pedrógão Grande.
“Este julgamento foi pervertido desde o primeiro momento pela intervenção abusiva do Presidente da República e do primeiro-ministro, quando nos primeiros dias fazem a afirmação bombástica que lesou a presunção de inocência: ‘todos os responsáveis serão severamente punidos’”, sustentou Magalhães e Silva.
O advogado salientou que na altura não se colocou “a hipótese de haver uma força maior”, considerando que o que houve, “anos a fio, foi o circo de procura de responsáveis sempre à revelia dos continuados pareces técnicos”.
Nesta primeira sessão, quatro de 11 arguidos comunicaram pretender no imediato prestar declarações, tendo José Revés, da Ascendi, concluído as suas.
O julgamento prossegue na terça-feira, às 09:30, na Exposalão, Batalha.
Em causa estão responsabilidades criminais nos incêndios de Pedrógão Grande, em junho de 2017, nos quais o MP contabilizou 63 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal.
Aos arguidos são imputados crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves.
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