“Da prova produzida na audiência resultou que o arguido não cumpriu os seus deveres legais, na qualidade de autoridade municipal de proteção [civil], por inerência das funções que exercia de presidente da Câmara Municipal”, refere o documento.
O recurso elaborado pela advogada Patrícia P. Oliveira considera que “tais omissões são adequadas a incrementar, de modo não irrelevante, o risco de ocorrência das mortes e das ofensas à integridade física”, aumentando a probabilidade “da produção do resultado típico em comparação com a conduta que estaria de acordo com o risco permitido”, o qual “poderia ter sido evitado se o arguido tivesse adotado uma conduta conforme às suas obrigações legais”.
De acordo com o despacho de acusação, Gonçalo Conceição, de 39 anos, era um dos cinco bombeiros da corporação de Castanheira de Pera que estava numa viatura que circulava na Estrada Nacional (EN) 236-1 (que liga Castanheira de Pera a Figueiró dos Vinhos) no dia 17 de junho de 2017, data em que eclodiram os fogos.
Nesta via, um carro com três ocupantes embateu na viatura da corporação dado o “fumo denso que se havia formado” devido ao incêndio, sustentou o Ministério Público (MP).
Os cinco bombeiros saíram da viatura, “ficando de imediato expostos a um calor intenso, começando os óculos de proteção e as máscaras que traziam colocados a derreter”, lê-se no documento.
Apesar de ainda terem tentado salvar os três ocupantes do carro, os bombeiros “não o conseguiram” e seguiram a pé “em direção ao cruzamento de Vilas de Pedro, na EN 236-1, “onde chegaram no momento em que a frente do incêndio por ali passou, gerando uma onda de calor muito intensa, ficando todos a ela expostos durante cerca de meia hora, até serem socorridos”.
“Todos sofreram queimaduras”, adiantou o MP, salientando que devido àquelas Gonçalo Conceição acabou por morrer dois dias depois, na Unidade de Queimados do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.
Em 13 de setembro, o Tribunal Judicial de Leiria absolveu todos os 11 arguidos num julgamento em que estavam em causa crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves, ocorridos nos incêndios de Pedrógão Grande. No processo, o MP contabilizou 63 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal.
Ao antigo autarca de Castanheira de Pera estavam imputados 10 crimes de homicídio e um de ofensa à integridade física, todos por negligência.
Em sede de alegações finais, o MP, cujo recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra não contesta a absolvição de Fernando Lopes, tinha pedido a condenação deste por quatro homicídios por negligência em pena única, ficando em aberto a suspensão.
O recurso dos pais do bombeiro Gonçalo Conceição é “limitado à parte respeitante à decisão que julgou legalmente inadmissível a acusação particular deduzida” por aqueles, que absolveu Fernando Lopes e que os condenou em cinco unidades de conta (cada unidade é 102 euros) de taxa de justiça.
Segundo o documento, a deliberação da 1.ª instância “não tem fundamento legal, dado que a acusação deduzida não importa alteração substancial dos factos da pronúncia”.
O recurso alega que, dos factos dados como provados, o ex-presidente da Câmara de Castanheira de Pera, até às 20:00 de dia 17 de junho de 2017, “não reuniu a Comissão Municipal de Proteção Civil de Castanheira de Pera, e, na área deste município, não ordenou o encerramento ao trânsito” de duas vias.
Para os recorrentes (pais), o tribunal deu como provados factos alegados na acusação autónoma que “não constavam da acusação pública, nem, tão-pouco, da pronúncia”, pelo que há “uma clara e inequívoca contradição”, considerando que o acórdão está ferido de nulidade.
Acresce que o Tribunal “não fundamentou a sua decisão de condenar os assistentes em cinco unidades de conta, adianta o recurso.
O MP recorreu da absolvição do comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, dos ex-presidente e vice-presidente da Câmara, Valdemar Alves e José Graça, respetivamente, da então responsável pelo Gabinete Florestal deste município, Margarida Gonçalves, e dos três funcionários da Ascendi (José Revés, Ugo Berardinelli e Rogério Mota).
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