“Com a inflação galopante, com o aumento de custos, temos muita gente que trabalha, mas que não tem rendimentos para suportar as despesas e, portanto, há mais gente a precisar de apoio”, disse à Lusa Lino Maia.
As dificuldades são extensíveis às instituições, realçou, enumerando “os significativos” custos crescentes com a luz, gás, combustíveis, alimentação e as consequências da inflação em geral.
“As instituições estão hoje com dificuldades acrescidas”, acentuou Lino Maia, defendendo que esta realidade seja considerada nas negociações com o Governo, porque “já havia um défice muito grande em muitas instituições, que agora aumenta”.
Nesse sentido, o presidente da CNIS sugeriu que o Orçamento do Estado contemple 0% de Imposto sobre Valor Acrescentado (IVA) na alimentação para instituições, medida que considera essencial.
Lino Maia disse que existem instituições que apoiam diretamente as pessoas, por exemplo as que recorrem a cantinas sociais, através dos acordos de cooperação, e as que têm ao seu cuidado utentes com reformas e rendimentos “insuficientes para comparticipar condignamente os custos e despesas das instituições”.
O presidente da CNIS defendeu, por isso, apoios diretos às pessoas e às instituições para fazer face às necessidades.
O dirigente destacou o papel das instituições e as dificuldades com que se deparam, muitas apresentando “ano após ano resultados negativos”, correndo o risco de deixar de prestar os seus serviços, cenário que é “imperioso contrariar”.
“Gostaria que fosse arquitetado desde já um programa de emergência para estas novas situações que vão surgindo” na sociedade, com o intuito de “contrariar o aumento da pobreza”, enfatizou.
Afirmou ainda temer que 2023 “seja um ano muito difícil”, tendo em conta que “os rendimentos não são suficientes para fazer face ao aumento do custo de vida”.
Aumento do custo de vida faz crescer pedidos de ajuda junto das instituições
O aumento do custo de vida está a provocar uma maior pressão junto das instituições de apoio alimentar como a Cáritas, que ajudam cada vez mais pessoas com emprego, mas cujo salário deixou de chegar para as despesas.
A presidente da Cáritas, Rita Valadas, disse à Lusa que a ajuda está a ser procurada por pessoas de classe média e média-baixa, uma vez que “o rendimento dá cada vez para menos coisas”.
Rita Valadas afirmou que esta é uma crise que se caracteriza por “um aumento brutal do custo de vida” e que tem sentido um acréscimo das dificuldades para dar resposta às solicitações.
É que, aos novos casos, juntam-se os que já eram anteriormente acompanhados desde a pandemia e que não conseguiram deixar de viver sem este apoio.
“As pessoas que se aproximaram de nós devido à pandemia não chegaram a conseguir autonomizar-se, porque, quando estavam a conseguir reprogramar a sua vida, veem-se confrontadas com a dificuldade decorrente do aumento do custo de vida, das taxas de juro, e não têm condições para fazer essa retoma”, explicou Rita Valadas.
A presidente da Cáritas lembrou ainda que no período da crise social motivada pela pandemia, existiam moratórias e o ‘lay-off’, ao contrário das atuais “situações avulsas [como o pagamento único de 125 euros], que não resolvem a situação das pessoas senão pontualmente”.
Quem está mais próximo de se aproximar do limiar da pobreza é quem fica em maior risco de ter de recorrer a este tipo de apoios, concluiu.
“Quando o rendimento se altera, altera-se o risco, mas, quando a esse risco se acrescenta uma pressão do custo médio de subsistência, as dificuldades afetam pessoas que estão deste risco para baixo e o que antes um salário mínimo dava para pagar, hoje não dá, e os custos estão a subir e não sabemos quando vão parar”, sublinhou Rita Valadas.
Os que “batem à porta” da Cáritas, organização que trabalha em rede pelo país, têm dificuldades em pagar a renda de casa, a prestação da casa, a luz, a água ou outras contas importantes e na iminência de ficar sem esses serviços ou sem abrigo.
“Depois, a situação agudiza-se e traz outras necessidades”, acrescentou a presidente da organização, que distribui alimentação e também outros tipos de ajuda.
Primeiro, elencou, as pessoas começam por deixar de comprar determinados produtos que não são de primeira necessidade, depois passam a comprar marcas brancas, até que chegam ao momento em que, mesmo fazendo os cortes possíveis, “não têm como comprar o básico”.
Além das famílias, as instituições que fornecem alimentos no seu espaço ou ao domicílio “também estão a sofrer uma pressão enorme com o aumento dos custos dos bens”, referiu.
Rita Valadas mencionou a rede alargada pelo país e exortou quem quiser dar o seu contributo a procurar a Cáritas, as paróquias ou dioceses, que têm as suas estruturas de apoio, distribuição, respostas sociais e conseguem fazê-lo “em proximidade”.
A Cáritas apoiou no ano passado 120 mil pessoas, a pandemia levou a um aumento de “18 mil famílias a mais” e Rita Valadas estimou que este ano já tenha sido prestado auxílio a mais 20 mil pessoas, entre as quais muitas estrangeiras, sublinhou.
O que estão as empresas a fazer para apoiar os trabalhadores?
Num contexto de subida constante das taxas de inflação, vários países começaram a tomar medidas para limitar o impacto da subida dos preços nos rendimentos dos cidadãos, sendo também já algumas as empresas que anunciaram apoios extraordinários aos trabalhadores.
Os apoios públicos dados pelos vários governos vão desde a diminuição das taxas de impostos, nomeadamente na eletricidade e no gás, a descontos nos combustíveis e transportes públicos ou a transferências diretas de dinheiro para os cidadãos. Em Portugal, os apoios às famílias ascendem a um total de 2.400 milhões de euros.
Quanto às empresas, algumas – a nível nacional e internacional - têm também vindo a anunciar apoios excecionais aos seus trabalhadores, com o objetivo de aliviar o esforço financeiro numa altura em que, em Portugal, a inflação atingiu 10,2% em outubro, o valor mais alto desde maio de 1992.
Associação dos Viticultores Profissionais do Douro (Prodouro)
Em 14 de outubro, a Associação dos Viticultores Profissionais do Douro (Prodouro) veio propor o alargamento às empresas privadas da possibilidade de atribuir aos trabalhadores um apoio extraordinário, como o decretado pelo Governo, “igualmente” isento de IRS e Segurança Social.
“Nós inspiramo-nos nesse bom exemplo que o Governo deu e o que vamos fazer é apresentar uma proposta no sentido de estender esse apoio às empresas. Permitir que as empresas privadas possam remunerar os seus trabalhadores, de uma forma excecional, até ao máximo de um salário, isento de tributações”, afirmou à agência Lusa Rui Soares, presidente da Prodouro.
A associação conta com um total de 96 associados, entre viticultores independentes, produtores-engarrafadores e adegas cooperativas, abrangendo 5.075 hectares de vinha.
Em concreto, a Prodouro propõe ao Governo que dê a “possibilidade às empresas privadas de poderem, até 20 de dezembro, processar um apoio salarial de reposição de rendimento, até ao valor de um salário mensal, nas mesmas condições fiscais dos apoios excecionais anunciados pelo Governo, em que isentou o apoio de 125 euros e o complemento das pensões, de retenção na fonte, de subida de escalão em sede de IRS e de contribuição para Segurança Social".
Segundo Rui Soares, algumas das empresas auscultadas pela Prodouro “acharam a ideia muito boa”: “O ‘feedback’ foi muito positivo. Acharam uma ótima ideia poderem dar um apoio aos seus colaboradores que chega efetivamente ao bolso dos trabalhadores”, frisou.
Bankinter
No passado dia 03 de outubro, a sucursal do banco espanhol Bankinter em Portugal avançou com um conjunto de apoios, como a subida do subsídio de alimentação e o pagamento do passe social aos seus trabalhadores.
“Perante o contexto económico atual, e especificamente em relação aos seus colaboradores, o Bankinter preparou um conjunto de apoios específicos, procurando atenuar o impacto da subida generalizada de preços, sendo o pagamento integral do passe social ou o incremento do subsídio de almoço (em 3,5 euros por dia, para 14 euros) exemplos das medidas extraordinárias já implementadas para um período inicial de seis meses, com reavaliação a ser feita no final desse tempo”, avançou à agência Lusa fonte oficial do banco.
Por outro lado, “foi implementado nas áreas centrais um dia de ‘home office’ [teletrabalho], com vantagem de contribuir para a redução de 20% nos custos de deslocação e impactos positivos também ao nível de sustentabilidade”, de acordo com o banco.
A instituição destacou que, no âmbito de medidas de sustentabilidade, “tem vindo a implementar a substituição da sua frota automóvel por viaturas elétricas e híbridas tendo recentemente revisto os ‘plafonds’ de combustíveis ou energia elétrica atribuídos aos colaboradores com funções comerciais, no âmbito deste contexto de elevados preços energéticos”, disse o Bankinter.
O banco realçou que “mantém o compromisso de proximidade com os seus clientes e com os seus colaboradores com o objetivo de avaliar de forma contínua as medidas que sejam oportunas implementar em função da evolução macroeconómica e social”.
Santander Totta
Numa nota interna enviada aos colaboradores do banco - assinada pelo presidente da Comissão Executiva, Pedro Castro e Almeida, e por Sara da Fonseca, da Gestão de Pessoas, e a que a Lusa teve acesso no passado dia 13 de outubro – o Santander informou que os trabalhadores com vencimento até 30 mil euros anuais iriam receber nesse mês um "pagamento extraordinário e suplementar" de 750 euros, no âmbito de medidas aprovadas pelo banco para fazer face ao aumento dos preços.
Na nota, o Santander diz que “tem vindo a acompanhar a evolução da situação económica no país e no mundo, com natural preocupação” e que está consciente de que “o aumento da inflação e do custo da energia estão a ter impacto no orçamento familiar de muitos” dos colaboradores.
Assim, o Santander decidiu “aprovar algumas medidas de apoio financeiro para ajudar a minimizar esse impacto”, focando a ajuda nos “colaboradores com salário mais baixo, através do pagamento de um valor único em detrimento de uma percentagem, para que este apoio seja mais relevante”.
Além deste pagamento, o Santander decidiu dar a possibilidade em 2023 de todos os colaboradores anteciparem até 50% do subsídio de Natal.
O banco aumentou ainda o limite de crédito disponível para os trabalhadores para 200 mil euros, em novas operações de crédito, e alargou o acesso a outras medidas como a comparticipação do passe social em 50% ou o apoio a propinas no valor de 310 euros por ano por filho ou enteado.
O Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários (SNQTB) e o Sindicato Independente da Banca (SIB) congratularam-se com estes apoios, mas defenderam que devem ser “muito mais abrangentes”.
No entender dos sindicatos, o anunciado “pagamento extraordinário e suplementar” de 750 euros “deveria abranger todos os trabalhadores” e não apenas os “cerca de 51%” contemplados na sua versão atual, que se dirige apenas aos funcionários com vencimento até 30 mil euros anuais.
Por sua vez, “o alargamento do limite do crédito à habitação ACT até 200 mil euros deveria também abranger os créditos em curso” e “deveria ser contemplada a possibilidade de transferir créditos hipotecários para o ‘plafond’ do crédito à habitação”.
Adicionalmente, os sindicatos reclamam que “a taxa de juro aplicada à aquisição de habitação própria permanente (HPP) deveria ser também protegida face à evolução da taxa de juro do BCE [Banco Central Europeu] e as subsequentes implicações nos valores da Euribor”.
No comunicado então divulgado, o SNQTB e o SIB afirmam também esperar “que os demais bancos apliquem as medidas de mitigação dos efeitos da inflação e do aumento do custo de vida propostas” pelos dois sindicatos.
Mitsubishi Fuso Truck Europe (MFTE)
Em setembro, segundo noticiou o jornal ECO, os cerca de 500 trabalhadores da fábrica de camiões Mitsubishi Fuso Truck Europe (MFTE), instalada em Tramagal (Abrantes), receberam um pagamento extraordinário de 400 euros.
“Realizámos um pagamento extraordinário de 400 euros, que incluiu todos os funcionários e mesmo os estagiários”, revelou ao jornal o presidente executivo da fábrica, o alemão Arne Barden.
Detida pela Daimler Trucks, a empresa - localizada a 150 quilómetros de Lisboa – disse pretender assim “ajustar os salários de forma inteligente”, porque “não se pode andar a espalhar o dinheiro de qualquer maneira”.
Com uma faturação superior a 206 milhões de euros em 2021, a MFTE reclama a liderança mundial no mercado de pesados e engloba sete marcas: Mercedes-Benz, FUSO, Setra, BharatBenz, Freightliner, Western Star e Thomas Built Buses.
Autoeuropa
A Autoeuropa não anunciou qualquer apoio aos seus colaboradores, mas a Comissão de Trabalhadores (CT) da fabricante automóvel exigiu, em 21 de outubro, um aumento extraordinário de 5% em dezembro, com retroativos desde julho, que permita recuperar o poder de compra perdido.
“Consideramos que se trata de uma proposta justa para dar resposta àquilo que foi o contexto da negociação, e que na realidade se veio a verificar, no que diz respeito à subida da inflação", disse o coordenador da CT da Autoeuropa, Rogério Nogueira, à agência Lusa.
“A empresa tem todas as condições para fazer um aumento salarial extraordinário, pois o volume de produção [em 2022] vai certamente ser muito acima do que estava inicialmente previsto. E esse feito deve-se aos trabalhadores, que merecem ser compensados", defendeu o representante dos trabalhadores da fábrica de automóveis da Volkswagen em Palmela, no distrito de Setúbal.
Além do aumento extraordinário de 5% em dezembro, a proposta apresentada pela CT à administração da empresa reclama também uma atualização salarial de mais 2% a partir de janeiro de 2023, tal como está previsto no Acordo Empresa (AE).
De acordo com a proposta, esta atualização salarial de 2% deverá ser ainda acrescida da taxa de inflação verificada este ano, descontando os 5% do aumento extraordinário que a CT da Autoeuropa pretende que seja paga já em dezembro próximo.
Airbus
A Airbus anunciou o pagamento, em novembro, de um bónus aos funcionários em todo o mundo para compensar a subida da inflação, sendo o valor de 1.500 euros brutos na Alemanha, França, Espanha e Reino Unido, onde tem o grupo tem maior presença industrial.
Fontes do fabricante aeronáutico europeu avançaram no passado dia 25 de outubro à agência espanhola EFE que o prémio será pago aos 120.000 funcionários da Airbus em todo o mundo, mas, nos restantes países, o valor não será o mesmo, sendo calculado em percentagem da base salarial média local.
Também contemplados serão os jovens trabalhadores que alternam formação e estágio na empresa, sendo o objetivo ajudar a compensar, no curto prazo, o efeito da inflação na perda de poder de compra dos trabalhadores.
O prémio a atribuir não altera os processos de negociação salarial realizados em cada país. Em França, por exemplo, foi assinado em março passado um acordo que prevê um aumento de 6,8% para o conjunto dos anos 2022-2023 e que será revisto em março do próximo ano.
O custo da medida, cerca de 200 milhões de euros, será refletido nas contas da Airbus.
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