Na sua cozinha, uma deputada filma-se a preparar granola de tapioca com mel e laranja enquanto, ao mesmo tempo, vai falando sobre o problema da habitação em Portugal, num vídeo para o TikTok.

“Espero que esta granola não fique contaminada pelo tema”, ironiza para a câmara do telemóvel a bloquista Joana Mortágua, depois de deixar críticas ao Governo enquanto coloca o tabuleiro no forno.

O vídeo, com 44 mil visualizações na rede TikTok, é da deputada do BE que mais presença tem nas redes sociais, Joana Mortágua que, em vídeos mais ou menos produzidos, fala de política em contextos domésticos, como a cozinhar ou a lavar a loiça.

Na cena política nacional, há deputados, eurodeputados, membros de partidos e dirigentes que já não dispensam o contacto com os "seguidores" nas redes sociais mas, enquanto uns se limitam a partilhar excertos de intervenções públicas, outros renderam-se ao estilo "influencer", para promover interações diretas e o engajamento no curto tempo de um "reel" ou "story".

Para Joana Mortágua, "é mais engraçado e mais apelativo" usar a criatividade e o humor para passar a mensagem política do que "estar só a conversar": “Pode ser só estar a falar e a cozinhar", exemplificou, em declarações à Lusa.

Do lado oposto no espectro partidário, Rita Matias, deputada do Chega, filma-se a dançar uma música latina. O vídeo foi publicado a 16 de abril com o texto "POV [Poin Of View]: estás de volta à carrinha da campanha" e teve mais de 240 mil visualizações. A deputada diz que o que conta é a autenticidade.

“Quanto mais personalizadas forem as nossas mensagens, quanto mais fiéis àquilo que nós somos enquanto indivíduos, mais as pessoas acompanham”, defende Rita Matias, que assume que se inspira em perfis como o do presidente do partido francês União Nacional (RN), Jordan Bardella, ou Santiago Abascal do Vox, em Espanha.

A receita: "falar numa linguagem simples e ter uma boa luz, um telemóvel e uma edição simples”

Para Bruno Gonçalves, o mais jovem eurodeputado português (PS) e mandatário das listas socialistas por Braga nas legislativas de 18 de maio, a receita para um político manter presença nas redes sociais é "falar numa linguagem simples e ter uma boa luz, um telemóvel e uma edição simples”.

"Os políticos tem tendência para falar muito e falar às vezes de forma pouco percetível", considera, frisando que o "grande desafio é sempre encurtar” a mensagem.

Bruno Gonçalves, que tem mais de 83 mil seguidores no TikTok e cerca de 20 mil no Instagram, notou que havia “muito pouca disponibilidade de pessoas de partidos moderados ou com responsabilidade política com capacidade de fazer este tipo de comunicação”.

Também presente nas redes sociais, a social-democrata Ana Gabriela Cabilhas, número dois nas listas do PSD pelo distrito do Porto para as eleições de maio, a dificuldade na produção de conteúdos é ter que “transformar assuntos que são complexos em mensagens mais simples”. Quanto à exposição pessoal, é "um exercício difícil" que encara "de forma natural".

A deputada partilha excertos de intervenções políticas e outro tipo de conteúdos, como um vídeo na estação de comboios, sobre o passe ferroviário verde, em que compra o seu bilhete.

“Quando cheguei ao parlamento, tinha essa prioridade muito bem definida, a de aproximar os mais jovens e a população de uma forma geral daquilo que era a atividade política e, no fundo, tentar mostrar aquilo que era o dia-a-dia na política. Foi uma das primeiras coisas que eu fiz: mostrar semanalmente o meu trabalho na Assembleia da República”, acrescentou a deputada.

Ana Gabriela Cabilhas disse constatar que “só mais recentemente é que há um olhar muito mais atento" à "presença no digital” no PSD, acrescentando que vê agora que “o tempo perdido está a ser recuperado”.

Exemplo disso é o primeiro-ministro e atual candidato às eleições de maio, Luís Montenegro, que na sexta-feira passada publicou um "reel" para marcar o arranque da campanha eleitoral. Falando diretamente para a câmara do telemóvel com um ar sorridente, Montenegro diz que os próximos dias são "importantíssimos" para o esclarecimento.

O seu adversário socialista nesta corrida eleitoral, Pedro Nuno Santos, também partilhou na última quinta-feira um `reel´, ao lado do líder do PS/Açores, Francisco César, em que faz para o telemóvel um resumo do dia da pré-campanha em S. Miguel.

"Sempre que um político põe um ‘post’ de caráter pessoal, tendem a ter mais notoriedade"

Em declarações à Lusa, o investigador do MediaLab do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE-IUL) José Moreno confirmou que sempre que um político partilha uma imagem ou vídeo de caráter pessoal "tendem a ter mais notoriedade".

“Temos feito análise de praticamente todos os atos eleitorais em Portugal, nomeadamente do discurso dos políticos, da presença dos políticos nas redes sociais, e é evidente nos resultados que sempre que um político põe um ‘post’ de caráter pessoal, ou porque é o aniversário do filho, porque visitou os pais, porque evocou uma memória de infância, qualquer coisa que seja um lado humano, esses ‘posts’ tendem a ter mais notoriedade do que os ‘posts’ tradicionais de política”, disse.

O eurodeputado comunista João Oliveira constatou essa realidade, contando à Lusa que as publicações que tiveram mais ‘engagement’ nas suas páginas foram uma fotografia das suas filhas, “com as caras descaracterizadas”, a caminho de uma manifestação pela paz na Palestina, e uma outra, em que, no Parlamento Europeu, não estava a conseguir falar porque nenhum dos microfones estava ligado, num momento inusitado.

“Tentei ligar uns quatro ou cinco microfones à minha volta e nenhum funcionava”, disse, admitindo que “aquilo deu um vídeo com alguma piada”. Embora fosse num contexto político, o eurodeputado comunista reconhece que aquele conteúdo “de político não tem nada”.

No seu livro "Comunicação da Comunicação, As Pessoas São a Mensagem", 2023, editado pela "Mundos Sociais", Gustavo Cardoso defende a tese, assinalou José Moreno, de que "são as próprias pessoas que são a mensagem".

"No sentido em que as redes são apropriadas pelas pessoas, são as pessoas que estão dentro das redes, são as pessoas que publicam, são as pessoas que partilham, são as pessoas que fazem ‘like’ e, portanto, o resultado final daquilo que aparece nas redes é o resultado acumulado da contribuição das pessoas”", frisou.

 A IL também procura recorrer ao humor para fazer política nas redes sociais. No TikTok, surge um ‘clip’ em que uma criança, enquanto joga Monopólio, chora porque o seu dinheiro foi todo parar aos impostos.

O Livre brincou com a ida ao espaço da cantora ‘pop’ Katy Perry para criticar os transportes públicos em Portugal: "Ela vai ao espaço e volta em 11 minutos e tu ainda nem fizeste uma rotunda”, escreve o Livre na legenda.

Nas páginas do PAN, são frequentes recortes de vídeos de intervenções públicas dos seus dirigentes, mas um dos mais vistos, com 50 mil visualizações, foi um "reel" em que se acusa André Ventura, do Chega, de mentir sobre o número de touros mortos em touradas.