Um professor iniciou uma greve de fome, instalando-se numa autocaravana junto de uma escola secundária em Viana do Castelo, tendo de receber assistência médica e acabando em internamento hospitalar. Também na saúde os profissionais têm-se manifestado contra vários problemas, e a OMS alertado para as más condições de trabalho, cansaço e stress. Horas de espera por uma ambulância já resultaram num óbito, e um utente sem médico de família apontou uma arma branca a profissionais. Para resolver a situação foram necessários agentes de autoridade, que, também eles, enfrentam dificuldades. Os elementos da PSP concentraram-se e protestaram contra a ausência de resposta do Governo, e contra a falta de direito à greve. E também a PJ pediu consideração: "Se zelamos pelo bem de todos, haja quem zele pelo nosso" - ao qual o Governo respondeu, garantindo que, nomeadamente, o valor pago por hora extraordinária vai duplicar este ano. De setor em setor, o descontentamento é grande e tem-se feito ouvir com gritos, cartazes, e até aviões de papel.
Olhando para os números da Direção-Geral do Emprego e das Relações do Trabalho (DGERT), vemos que os pré-avisos de greve comunicados em 2022 totalizaram 1.087, um aumento de 25% face a 2021, sendo o valor mais alto desde 2013, altura da crise financeira da 'troika'. E, em janeiro, os pré-avisos quadriplicaram face ao mesmo mês de 2022, e na administração pública mais do que duplicaram.
Olhando para o número de pessoas que pediu ajuda ao Gabinete de Proteção Financeira da Deco em 2022, ascendeu a 31.500, o mais alto de sempre, e pela primeira vez o aumento do custo de vida surge como o principal motivo. E, quando questionados sobre como vai a vida, os portugueses respondem que no geral vai bem, mas que a situação financeira não tanto. O poder de compra dos docentes e investigadores do ensino superior, por exemplo, diminuiu 20% desde 2004.
Com os olhos postos neste quadro português, o SAPO24 faz uma viagem pelas greves, reivindicações e consequências que marcaram 2023. E o ano ainda nem vai a meio.
Os transportes
O ano começou com uma greve da Comboios de Portugal (CP) e da Infraestruturas de Portugal (IP), por salários a acompanhar a perda do poder de compra, atualização do subsídio de alimentação e fim da discriminação entre trabalhadores. Prolongou-se até 6 de janeiro, depois de uma reunião com o Governo com propostas "muito aquém" e depois avançou para os dias 8 a 17 de fevereiro, com uma adesão de revisores, bilheteiras e chefias superior a 90% no dia 10. Não tendo sido decretados serviços mínimos pelo Tribunal Arbitral, os trabalhadores alertaram para "fortes perturbações" até 21 de fevereiro.
João Galamba, Ministro das Infraestruturas, mostrou-se disponível para negociar de modo a evitar as greves, mas pouco aconteceu. Os trabalhadores estavam de volta a 27 de fevereiro, com "fortes perturbações" até 2 de março. Manifestaram-se junto à estação São Bento no Porto numa greve com adesão perto dos 98%; no dia 10 de março uma greve de maquinistas de 24 horas com "especial impacto", contra a proposta de aumentos salariais de 51 euros; e ainda avançaram para uma nova greve a começar no dia 28 de março, até ao final do mês de abril, face à "desconsideração" da empresa.
Além das dificuldades que representam na vida das pessoas que diariamente necessitam da CP para se deslocar, estas greves têm levantado outras questões como a devolução do valor do passe correspondente aos dias de greve, como foi proposto pela IL, ou mesmo situações como a do comboio lotado que ficou parado durante mais de uma hora, com passageiros a sentir-se mal e outros a sair em plena linha, tendo a CP pedido desculpa pelo sucedido.
Também os trabalhadores dos bares da CP estão descontentes, tendo reunido com o Governo depois de não terem recebido os salários de fevereiro. O tempo passou, e no dia de Páscoa, em protesto há já 33 dias, ao invés de, como "a maioria dos portugueses [que] se junta à sua família e se dirige à sua terra, os trabalhadores dos bares dos comboios da CP" foram "obrigados a fazer o seu almoço de domingo de Páscoa à porta de Santa Apolónia e Campanhã". A CP lançou no dia 3 de abril uma consulta prévia para escolher um novo concessionário para os comboios de longo curso.
Já a IP convocou uma greve de 24h para 6 de abril, devido ao "silêncio da empresa e do Governo nas negociações com os trabalhadores. O serviço ferroviário da Fertagus, que liga Setúbal a Lisboa, já por várias vezes tem avisado para perturbações devido a greves da IP, nomeadamente no dia 9 de fevereiro, entre 28 de fevereiro e 2 de março e no dia 5 de abril.
Ainda na linha dos transportes, o Metro Sul do Tejo convocou uma greve para o dia 1 de janeiro por falta de acordo no que respeita ao Acordo de Empresa. Os trabalhadores da Transdev fizeram greve de 24h por aumentos salariais no dia 13 de janeiro. E a Carris, também em luta por aumentos salariais, avançou para uma greve parcial e às horas extraordinárias, com adesão à volta dos 4% no dia 3 de abril, e à volta dos 5% no dia 6 de abril. A Carris Metropolitana desvinculou-se da Carris, garantindo operação regular nestes dias.
A justiça
O ano judicial de 2023 abriu com uma greve a 6 de janeiro, contra a falta de funcionários, o congelamento de promoções e a degradação da justiça que põe em causa o normal funcionamento dos tribunais. Não ficou por aí, com uma greve de um mês a começar a 15 de fevereiro, e mais dez dias de paralisação a partir de 26 de abril, sem presença nos tribunais e com perda de retribuição.
Um governo que acusam de ficar em "silêncio", 200 vagas para oficiais de justiça que o Sindicato dos Funcionários Judicias (SFJ) duvidou logo que fossem preenchidas, uma Ministra que anuncia o recrutamento para reforço dos serviços de Registos e Notoriado e também apela à reflexão e desconvocação das greves e um Governo acusado de inércia - quando e como vai acabar?
Para a bastonária dos advogados, seria mais profícuo trabalhar numa solução do que tentar saber se há ou não legalidade na greve, que foi o que aconteceu com o pedido de parecer do Ministério da Justiça à Procuradoria-Geral da República (PGR). Esta considerou a greve ilegal e o Sindicato dos Oficiais de Justiça reagiu com "público repúdio" à fixação de serviços mínimos, acusando a tutela de atuação ilegal e "digna de regimes autoritários".
No dia 26 de abril o Sindicato dos Funcionários Judiciais iniciou uma greve que prometeu ser "muito mais prejudicial" do que a última, admitindo estender a luta até julho. A Ministra da Justiça reagiu prometendo entendimento com oficiais de justiça "a muito breve prazo".
Também os efeitos das greves no caso da justiça são claros, com o adiamento de milhares de diligências e julgamentos nos tribunais e serviços do Ministério Público. Olhemos para o caso E-toupeira, por exemplo, que acabou a ser adiado não uma, mas duas vezes; ou para o caso do Tribunal da Comarca da Madeira, cujas greves dos oficiais de justiça motivaram o adiamento de 493 diligências no primeiro trimestre do ano.
Monumentos, lojas, call centers e Bom Petisco
Entre as greves que podem ter passado despercebidas está a da Cofaco, que detém as marcas Bom Petisco, Tenório e Piteu, logo no início do ano. Os trabalhadores da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa em fevereiro e os "contact centers" e "call centers" em março. Em abril, os trabalhadores do grupo EDP realizaram uma greve por aumentos salariais de 150 euros.
A greve dos monumentos e parques de Sintra teve uma adesão de 100% e na ilha Terceira manifestaram-se mais de duas centenas de comerciantes. Também os trabalhadores de impostos se juntaram à onda de greves, com 40 trabalhadores da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) a protestar em Lisboa. Os setores e as localizações são diferentes, mas a luta é a mesma: fim da precariedade, aumento dos salários e das pensões e melhores condições de trabalho.
Olhando mais uma vez para os efeitos, a greve dos portos convocada a 6 de janeiro, por exemplo, tinha um impacto estimado entre os 100 e os 150 milhões de euros por dia, acabando por ser desconvocada a 9 de janeiro após "abertura de diálogo" demonstrada pelo Ministro das Infraestruturas - tal como a greve dos trabalhadores da Groundforce, desconvocada por haver "boa-fé". Já a greve na Silopor, principal empresa portuária de descarga e armazenamento de graneis, gerou preocupação pelos possíveis efeitos no abastecimento alimentar, sobretudo no pão, massas, carne, ovos e laticínios.
Olhos postos no céu
Os tripulantes da TAP avançaram com uma greve entre 25 e 31 de janeiro. A companhia aérea assegurou fazer tudo pelos melhores interesses dos tripulantes, da TAP, dos clientes e do país. A resposta do sindicato foi que a administração não quer "compreender a revolta e indignação" dos trabalhadores que, a 13 de janeiro, exigiram a demissão da administração, numa manifestação silenciosa que a Comissão Executiva considerou um "ilícito disciplinar. Numa troca de bolas, o Sindicato dos Pilotos rejeitou a "atitude ameaçadora" e manifestou apoio às "legítimas lutas" dos trabalhadores.
A proposta foi entregue, e analisada pelos tripulantes, que reforçaram estar apenas a lutar pelos seus direitos. João Galamba estava convencido de que iriam aprová-la, mas os planos saíram furados. Os tripulantes decidiram manter a greve entre 25 e 31 de janeiro, com o cancelamento previsto de 1.316 voos e o impacto direto de 48 milhões de euros. Sinto posto, avançam para uma nova ronda de negociações, com a TAP a falar em "avanço construtivo". Os tripulantes chegaram, sim, a acordo, e desconvocaram a greve, decisão congratulada pela TAP, que disse estarem assegurados os "interesses de todos os envolvidos".
Aproveitando a Páscoa, é convocada uma nova greve de pilotos entre 7 e 10 de abril, acusando o Ministério das Finanças de "irresponsabilidade". O Governo acabou por validar o acordo, e a greve foi desconvocada.
Os tripulantes de cabine da Easyjet, por sua vez, rejeitaram a proposta da companhia e avançaram para uma greve entre 1 e 3 de abril, com serviços mínimos, deixando "porta aberta à discussão". No dia 27 de abril, o Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC) comunicou um novo pré-aviso de greve dos tripulantes, com data a designar.
Os jornalistas
Os jornalistas não ficam de fora da luta, com a TVI a avançar para uma greve a 15 de março. O Ministério do Trabalho agendou "uma reunião para discutir serviços mínimos", o que o sindicato considerou uma tentativa do Governo de limitar o direito à greve. Os trabalhadores reuniram-se para discutir a proposta da administração que propunha aumentos entre 3% e 8%, aumento do subsídio de refeição e 25 dias de férias, acabando por desconvocar a greve para negociar.
Os trabalhadores da Lusa, que haviam rejeitado a proposta da administração, marcaram uma greve entre 30 de março e 2 de abril e concentraram-se à frente da sede. Foi apresentada uma contraproposta de aumentos salariais de 74 euros, mas as estruturas sindicais consideraram o valor "aquém do reivindicado". O BE disse querer ouvir Medina sobre negociações, e o Ministro da Cultura, disse estar a trabalhar com as Finanças para um aumento da indemnização compensatória à Lusa. Os trabalhadores da Lusa aprovaram novas greves por "aumentos salariais condignos" entre 9 e 12 de junho, e entre 3 e 6 de agosto, e entregaram uma "Carta Aberta" a Pedro Adão e Silva, que respondeu a passar a responsabilidade para o Governo.
Os trabalhadores da TSF, do Grupo Global Media, concentraram-se no dia 2 de março à frente das instalações da empresa face à falta de ajustes salariais. A RTP acusou a administração de "declamar poesia" e também ameaçou avançar com ações de luta na falta de atendimento às reivindicações.
Administração pública, INEM e SEF
A Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP) realizou um dia nacional de protesto a 9 de fevereiro, em vários pontos do país, pelo aumento dos salários e das pensões, por empregos com direitos e contra a subida do custo de vida. Ambulâncias pararam em várias regiões do país, embora a INEM tenha garantido não existirem "perturbações relevantes" no socorro à população, e milhares de trabalhadores desfilaram até à Assembleia da República. Marcelo considerou positivo os centros sindicais manterem "o contacto com o terreno" face a novos sindicatos e movimentos.
No dia 18 de março, como já era esperado, milhares de trabalhadores desceram a Avenida da Liberdade por aumentos salariais e das pensões. A secretária-geral da CGTP considerou o anúncio do primeiro-ministro sobre uma revisão dos aumentos salariais na função pública "muito pobrezinho".
Um dia antes da manifestação nacional da CGTP realizou-se a greve nacional de 17 de março da Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública por aumentos salariais, valorização das carreiras e dos serviços públicos, prevendo uma forte adesão. Os primeiros impactos sentiram-se no dia 16, sobretudo nos hospitais e nos serviços de recolha de lixo. No dia 17, escolas fecharam, hospitais funcionaram em mínimos e serviços públicos encerraram de norte a sul do país, acusando o Governo de impor "medidas de empobrecimento".
A greve da função pública provocou, inclusivamente, filas de espera de duas horas no aeroporto de Faro e alguns passageiros a perder voos, por causa da paralisação do SEF. Posteriormente, no período de Páscoa, inspetores e administrativos aproveitaram para convocar greve, por causa da transferência dos trabalhadores para outros organismos, aquando da extinção do SEF. O Governo esperava chegar a acordo, o que acabou por não acontecer, com a greve a encerrar 90% dos postos de atendimento a nível nacional. Mas a greve prevista até 10 de abril foi, sim, suspensa, para aguardar as decisões do Conselho de Ministros.
Os médicos, enfermeiros e técnicos de saúde
Os farmacêuticos do Serviço Nacional de Saúde (SNS) reuniram-se com o Governo no dia 26 de janeiro para rever as grelhas salariais, num encontro que consideraram uma "absoluta desilusão".
Já no Hospital Amadora-Sintra, a greve do dia 26 de janeiro por melhores condições de trabalho teve uma "elevada" adesão entre os auxiliares, administrativos e técnicos superiores, afetando os serviços nas consultas externas. No dia 9 de fevereiro, juntamente com os hospitais de Vila Franca de Xira e Loures, uniram-se à frente do Ministério da Saúde. No dia 21 de março entregaram um pré-aviso para uma nova greve de 10 dias, entre 10 e 21 de abril, começando com uma adesão na ordem dos 80%, mas acabando por suspendê-la depois de o hospital ter "cedido a reivindicações". Também o pré-aviso de greve para todos os trabalhadores, exceto médicos, foi retirado depois de uma "reunião profícua" com a administração do Hospital.
Os enfermeiros paralisaram os serviços no dia 3 de fevereiro no Centro Hospitalar Tondela-Viseu (CHTV), e convocaram uma nova greve para 24 de fevereiro, dia em que avançaram com um abaixo-assinado e ponderaram ação em tribunal. No dia 6 de fevereiro, a greve dos enfermeiros no Instituto Português de Oncologia (IPO) deixou o bloco operatório a funcionar a "meio gás". As manifestações continuaram no Porto, Covilhã, Caldas da Rainha, Lisboa e Vale do Tejo, Braga e Leiria. Até o setor privado aderiu, numa greve a 16 de março por melhores salários e condições de trabalho - no Porto, foram cerca de 50 enfermeiros do hospital privado Lusíadas. No dia 17 de março, o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) aderiu à greve da função pública e, no dia 27 de abril, uma greve dos enfermeiros do Hospital de Santa Maria fechou blocos operatórios e deixou serviços a funcionar a meio gás.
Quanto aos médicos, a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) marcou uma greve nacional para 8 e 9 de março perante a "falta de medidas" no SNS, mantendo as negociações com o Governo. A proposta do Ministério da saúde sobre grelhas salariais foi considerada "inaceitável". O Ministro, apesar de preocupado, estava esperançoso com o fim da greve, que acabou mesmo por avançar no dia 8 de março. Centenas manifestaram-se em defesa do SNS, esperando que uma greve com entre 85% e 90% de adesão mudasse a estratégia de negociações do Governo, cuja proposta para as equipas dedicadas nas urgências foi recusada, com a Federação a falar numa "verdadeira agenda do trabalho indigno".
O Sindicato Independente dos Médicos (SIM) manifestou preocupação pela situação de "extraordinária gravidade" no sistema de saúde prisional, designadamente na área da psiquiatria.
Já os Técnicos de emergência pré-hospitalar, convocaram uma greve às horas extraordinárias a partir de 17 de abril por tempo indeterminado, por lhes continuarem a ser retiradas horas efetivas de trabalho e suprimidos direitos laborais. No decorrer da greve, ambulâncias pararam em todo o país. Reconhecendo a atividade "muito dura" dos técnicos, o Ministro da Saúde disse estar a trabalhar para encontrar um modelo de compensação adequado. Enquanto isso, os técnicos mostraram-se preocupados com a prestação de socorro no verão, dado o elevado número de ambulâncias encerradas por falta de profissionais. Denunciaram, inclusivamente, diversos casos de atrasos no envio de meios do INEM, algumas com demoras superiores a duas horas, e uma das quais resultou em óbito.
Os professores
Quanto aos professores, o segundo período arrancou a 3 de janeiro com greves contra as propostas do Governo para a revisão do regime de recrutamento. 45 mil professores assinaram um abaixo-assinado contra a possibilidade de diretores ou entidades locais contratarem docentes e por respostas a problemas relacionados com a carreira docente e condições de trabalho.
Avisaram que o protesto não ia parar "tão cedo", e tinham razão. A greve parcial no dia 3 de janeiro teve adesão de 80%. No dia 4, mais de uma centena protestou em Gaia. No dia 10, acamparam à frente do Ministério da Educação e concentraram-se à frente das escolas, fechando estabelecimentos. Desfilaram em Palmela e manifestaram-se em Lisboa contra as propostas de alteração aos concursos e pela escola pública, numa manifestação considerada "histórica".
No dia 16 de janeiro arrancou a greve de professores por distrito. Começou por Lisboa, com adesão superior a 90%, prosseguiu para Aveiro, Seixal, Beja, Braga, com uma adesão à volta dos 90%, e Castelo Branco. Coimbra foi o sétimo distrito a receber a manifestação. No dia 24 foi a vez de Cascais e Setúbal, no dia 26 Faro e, no dia seguinte, Guarda. No dia 30 foi Leiria, no dia 1 de fevereiro foi Santarém, depois Viana do Castelo e Porto, onde milhares questionaram: será precisa uma revolução?
O sindicato Fenprof, sublinhando a necessidade de soluções, mais do que reuniões, apelou à convergência entre sindicatos na defesa dos direitos dos docentes e da escola pública, desafiando à divulgação das atas das reuniões com o Governo e defendendo uma "pressão forte".
Já o Ministro da Educação, João Costa, apresentou dados segundo os quais nove em cada vez docentes progrediram dois escalões na carreira desde 2018, embora reconhecendo que tal não significa que seja "tudo uma maravilha". Catarina Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda, por sua vez, mostrou-se solidária com a luta "justíssima" dos professores, tal como o PSD, que pediu a valorização da carreira docente, o PS que pediu a priorização dos problemas destes profissionais e o PCP que criticou a atitude do Governo. O Chega, a quem o STOP acusou de "oportunismo" e "aproveitamento vergonhoso", propôs, encurtar o prazo para reforma antecipada, pedindo debate de urgência em Parlamento.
No dia 18 as expectativas estavam em altas, com a retoma das negociações sobre o recrutamento de professores. O Governo prometeu medidas "mais além", António Costa disse esperar boa-fé negocial e os professores pediram a presença do Ministério das Finanças. Mas no fim, pouco aconteceu. O Governo apresentou propostas que a Federação Nacional da Educação (FNE) considerou "poucochinho" e o Fenprof admitiu novas greves. Tentando "recuperar a serenidade", o Ministro prometeu boa-fé negocial.
No dia 20 voltaram as negociações sobre o regime de concurso de professores, com duas reuniões e um protesto em frente ao Ministério da Educação. Não houve acordo. O STOP recusou serviços mínimos e o Fenprof acusou o Ministério da Educação de querer "pôr o pé no pescoço dos professores". Foi convocada uma "reunião técnica" para esclarecer alguns aspetos, e uma greve nacional para o dia 8 de fevereiro.
No meio disto tudo, onde fica Marcelo? O Presidente da República reconheceu a justiça das reivindicações e pediu diálogo construtivo. Seis mil pessoas assinaram uma petição online a pedir a sua intervenção entre o Ministério da Educação e os sindicados, acabando por ser recebidos na assessoria da Presidência da República no dia 26 de janeiro, mas sem Marcelo, que deixou claro a sua falta de vontade em intrometer-se - e que ainda alertou para a possibilidade de a opinião pública se virar contra os professores - apesar da esperança dos sindicatos de que exercesse a sua influência junto do Governo.
Quanto a António Costa, o STOP admitiu a necessidade de o levar para a mesa negocial perante a "postura não dialogante" do Ministro da Educação. Mas o primeiro-ministro cortou-lhes as asas ao dizer que o Ministro não fala por si, fala pelos dois.
Já os pais, preocupados com as sucessivas greves, exigiram serviços mínimos, opção que não foi descartada pelo Governo que, com "fortes indícios" de violação da lei, pediu um parecer jurídico à Procuradoria-Geral da República (PGR). No dia 27 de janeiro foram, então, decretados serviços mínimos, ficando a gestão do pessoal responsabilidade dos diretores escolares, que lamentaram a tarefa acrescida.
As reações foram muitas: o Fenprof repudiou a decisão do Tribunal Arbitral e estabeleceu "linhas vermelhas" que não estaria disposto a abdicar; o STOP falou em "ataque à democracia", reuniu e acabou por anunciar o respeito dos serviços mínimos, embora não parando a greve; entre os diretores surgiram dúvidas, e os professores organizaram-se à margem dos sindicatos. O Ministério da Educação respondeu às dúvidas e garantiu que nenhum estabelecimento de ensino encerraria.
A história repete-se. No dia 28 de janeiro, como já havia sido anunciado, manifestam-se em Lisboa por melhores condições salariais e de trabalho. O coordenador do STOP estimou mais de cem mil pessoas na manifestação contra os serviços mínimos - que se mantiveram - e apelou ao encerramento das "escolas de norte a sul do país". No dia 2 de fevereiro protestaram em frente ao Ministério da Educação, cansados, mas não resignados, ao mesmo tempo que começava uma nova ronda negocial, da qual "não saiu coisa nenhuma", segundo o Fenprof, - que avançou com uma queixa - e na qual, de acordo com o STOP, foram feitos "disparos ao lado".
Entre promessas de novas formas de luta até que haja respostas, "formas criativas" de lidar com os serviços mínimos, apelos para nova greve geral, e manifestações a arrastarem-se "por culpa do Governo", chegamos ao dia 8 de fevereiro, último dia de greves por distrito, com uma manifestação no Porto que juntou milhares de pessoas. Três dias depois, como previsto, milhares de professores desceram a Avenida da Liberdade, condicionando o trânsito e fazendo lembrar a manifestação de 2008.
Entre professores e Ministério que não se entendem, surge a Procuradoria-Geral da República (PGR), que considera a greve convocada pelo STOP ilegal. O sindicato chamou o parecer de "mão cheia de nada", prometeu manter o pré-aviso até 10 de março, e anunciou uma nova manifestação.
Avancemos, sem mais demoras, para a quinta ronda negocial, que o Ministro disse ser a última. Contrariamente a Marcelo, que falou em "luz ao fundo do túnel", os sindicatos falaram em "muitos passos para dar". Contra a maioria das medidas - 96% dos funcionários auscultados pelo STOP rejeitaram as propostas -, os professores retomaram negociações com o Ministério no dia 23 de fevereiro numa nova tentativa de acordo e, falando em avanços insuficientes, continuam com a contestação.
Os serviços mínimos decretados levantaram logo várias questões, ao nível dos não docentes, dos sindicatos, que se viraram para os tribunais, do SIPE, que se virou para a providência cautelar, e até mesmo dos pais, que foram incentivados a não levar os filhos à escola. Também o BE questionou os serviços mínimos na Comissão Europeia. O STOP denunciou serviços mínimos a não serem respeitados e os sindicatos ameaçaram avançar para tribunal e apresentar queixa na Inspeção-Geral da Educação. O Ministério disse ter legitimidade para pedir os serviços mínimos, prolongados pelo Tribunal Arbitral até ao final de março.
No dia 25 de fevereiro protestaram em Lisboa. No dia 27 acamparam à frente da Assembleia da República. As duas manifestações do Porto e Lisboa passaram para o dia 4 de março, com milhares a manifestar-se num grupo de 80 mil docentes. No dia 21 de março estavam acampados em frente ao Parlamento e no dia 27 de março iniciou-se uma greve às avaliações finais e ao serviço extraordinário.
As greves voltaram em força, no norte, centro e sul do país. Entre pressões, ameaças e esperanças, entre disponibilidade para negociar sem "temas tabu" e promessas, a luta dos professores chegou a Bruxelas, onde tentaram encontrar as respostas que não tiveram em Portugal. Avançaram com uma queixa do Governo à Comissão Europeia, com uma nova queixa à PGR contra Ministério da Educação e com uma nova nova greve ao último tempo de aulas e greves distritais para impedir serviços mínimos.
O STOP manifestou-se junto ao Conselho de Ministros a 30 de março e uma nova reunião com o Ministério da Educação deu-se no dia 5 de abril - em que os sindicatos elogiaram o prolongamento das negociações, mas não abdicaram do tempo de serviço. São retomadas negociações, sob ameaça de greve às provas nacionais, mas terminam a reunião sem acordo. O Governo expressa, mais uma vez, a sua esperança de "convergência" nas negociações. Já os professores, ponderam greve aos exames nacionais e admitem desobedecer a serviços mínimos.
No dia 18 de abril cerca de duas centenas juntaram-se em Viseu a entoar palavras de ordem. Chegaram a Vila Real e Viana do Castelo, com perto de um milhar de professores a cortar a principal avenida. No dia 21 uniram-se em Almada e encheram duas bandeiras com milhares de assinaturas de educadores e professores de todo o país, entregues na residência oficial do Primeiro-Ministro.
Já no dia 22, uniram-se nos aeroportos, lançando aviões de papel e distribuindo postais. No dia 23 gritaram "Costa, escuta, o povo está na rua" no Porto, e no dia 24 de abril acamparam novamente em Lisboa e a greve por distrito chegou a Santarém. No dia 27 de abril, chegou a Leiria, e avançou a greve convocada pelo STOP com duração de três dias. Chegando a Guarda, apelaram ao Presidente da República.
Ao contrário da Ministra da Ciência, Elvira Fortunato, que não se mostrou preocupada com o impacto da greve dos professores do ensino básico e secundário na preparação dos alunos que este ano vão aceder ao Ensino Superior, os pais pediram, já em fevereiro, aulas extra para alunos recuperarem aulas perdidas durante as greves.
*Pesquisa e texto pela jornalista estagiária Raquel Almeida. Edição pela jornalista Ana Maria Pimentel
*Com Lusa
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