"Há uma grande carência de informação e divulgação do que é uma biblioteca municipal, uma biblioteca pública, dos seus serviços e da gratuitidade. (...) É a mais valia que temos de explorar: A biblioteca municipal como o único serviço público gratuito com a capacidade de mediação", afirmou o diretor de serviços de bibliotecas da DGLAB em entrevista à agência Lusa.
O relatório mais recente sobre bibliotecas públicas portuguesas, de 2016, mostra uma realidade assimétrica, um país a várias velocidades e isso reflete-se também no tipo de serviço que é disponibilizado aos leitores e utilizadores.
Segundo o documento, a Rede Nacional de Bibliotecas Públicas tinha naquele ano 1,4 milhões de utilizadores inscritos e registou 6,2 milhões de visitas.
"Se pensarmos que nós somos dez milhões, é pouco. Tem a ver com as características da nossa sociedade. A Rede Nacional de Bibliotecas Públicas tem 32 anos, é um fenómeno relativamente recente no pós-25 de Abril [de 1974]. Tem a ver com os nossos hábitos culturais, com a forma como nos relacionamos com os serviços públicos. É pouco", disse o responsável.
Para se perceber quem utiliza as bibliotecas portuguesas, o relatório da DGLAB revela que em 2016 havia 808.097 utilizadores adultos (com mais de 14 anos) e 212.312 crianças ou adolescentes (até aos 14 anos).
Dos 1,4 milhões de leitores e utilizadores inscritos na rede, apenas 257.895 recorreram aos serviços de empréstimos de um livro, um CD, um DVD.
Tendo as bibliotecas pontos de acesso gratuito à Internet, em 2016 estes equipamentos registaram 1,2 milhões de sessões de acesso a ‘sites’.
Nesse ano, as bibliotecas públicas fizeram ainda mais de 18 mil horas do conto (sessões de leitura), 2.338 encontros com escritores e lançamentos de livros e 1 386 sessões de clubes de leitura e encontros de comunidades de leitores.
No entender de Bruno Eiras, "é difícil ter-se um perfil que seja efetivamente realista e ao mesmo tempo nacional, porque o tipo de utilizador das bibliotecas públicas em Portugal está associado à tipologia de biblioteca".
"Temos um Portugal a quatro velocidades", com discrepâncias entre norte e sul, entre litoral e interior.
Para atenuar essas assimetrias, a DGLAB tem estado há cerca de um ano a incentivar as autarquias - porque a gestão das bibliotecas depende do poder local - a criarem redes intermunicipais entre bibliotecas, por regiões ou distritos. Atualmente, existem sete redes.
"Agora, através da criação das redes regionais estamos a tentar incentivar novamente essas práticas [de proximidade com os utilizadores], mas ganhamos escalas. Em vez de trabalhar de Lisboa para os outros municípios, trabalhamos em rede para captar mais público", explicou Bruno Eiras.
Nesse caminho, de valorização das bibliotecas, em 2014 a DGLAB criou um prémio de boas práticas para os equipamentos culturais que melhor dinamizem os seus espaços, cativem mais leitores e promovam a leitura.
"Em 32 anos, a conquista foi do ponto de vista de investimento em infraestruturas que cobrem todo o território. É preciso rentabilizar esse investimento. Há espaços, há equipamentos e é preciso trabalhar na fase dos serviços. É o fator de atração de público", defendeu Bruno Eiras.
Cinco municípios em Portugal não têm serviço de biblioteca
Em Portugal existem 303 bibliotecas municipais, com valências gratuitas para os utilizadores, como acesso à Internet, requisição de livros e escuta de um disco, mas ainda há cinco municípios que não dispõem destes equipamentos.
Segundo dados da Direção-Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas (DGLAB), os municípios de Alzejur, Marvão, Terras de Bouro, Vila Viçosa e Calheta (São Jorge, Açores) não têm qualquer serviço de biblioteca para as 28.700 pessoas que lá vivem.
A maioria das 303 bibliotecas integra a Rede Nacional de Bibliotecas Públicas (RNBP), estrutura criada em 1987 para dotar todos os municípios portugueses de uma biblioteca pública.
O objetivo da rede não está ainda cumprido e há disparidades, mas ainda assim, o diretor de serviços de bibliotecas da DGLAB, Bruno Eiras, faz um retrato otimista.
"É extraordinário em 32 anos, mas é um grande puzzle. Ainda temos muita heterogeneidade e as debilidades são a muitos níveis. Ainda há bibliotecas que não cumprem os requisitos mínimos", disse.
Em Marvão, no distrito de Portalegre, funciona uma “biblioteca pequenina” na Casa da Cultura, na sede de concelho, com “grande parte dos livros do espólio do município” e que “chega para as necessidades”, disse à agência Lusa o presidente da câmara, Luís Vitorino (PSD).
“Não há muita procura no concelho em relação à biblioteca. Mesmo esta minibiblioteca que temos não tem grande procura”, afirmou.
“Chegámos a ter uma biblioteca itinerante, que funcionou bem, mas, com a evolução e a dinâmica da vida, com os conteúdos e livros que há na Internet, esse projeto ficou para segundo plano”, acrescentou, admitindo que a construção de uma biblioteca até já “tem sido discutida” no concelho, mas “não é uma prioridade”.
No caso do único município do Algarve sem biblioteca pública, o presidente da Câmara de Aljezur, José Gonçalves (PS), disse à Lusa que o concelho chegou a ter, “no âmbito da rede de bibliotecas, uma candidatura aprovada” que lhe daria uma comparticipação de 50% para criar esse equipamento, mas sublinhou que o projeto - ainda do tempo da presidência de Manuel Marreiros - tem mais de 15 anos e não avançou, não sendo atualmente prioritário para o município.
O atual autarca disse ainda que o concelho dispõe de uma biblioteca numa escola, “que não é pública, mas é para os alunos”, conta com “um centro de leitura” ao qual “as pessoas podem de facto lá ir, requisitar, ler, consultar” livros, e também com “uma associação de património, que tem um vasto leque de livros científicos ligados de facto a património e à arqueologia”.
“E temos também uma Junta de Freguesia, que não é uma biblioteca, mas tem uma boa sala de leitura com livros, que as pessoas podem requisitar”, acrescentou o autarca, sublinhando que “a Internet também facilita as coisas” no acesso a livros e a informação.
A Lusa tentou contactar, por diversas vezes, os presidentes das câmaras municipais da Calheta, Terras de Bouro e Vila Viçosa, mas sem sucesso.
Ainda que a DGLAB, em 2016, tenha registado 26,9 milhões de euros de despesa com a rede de bibliotecas, Bruno Eiras explica que as bibliotecas são equipamentos das autarquias, "na gestão e no investimento continuado".
"É um dos motivos por que algumas bibliotecas perderam relevância, porque esse investimento deixou de ser feito. O nosso contributo da DGLAB foi ter um programa de itinerância, de apoio às bibliotecas, de formação, horas de conto, encontro com escritores. Foi um contributo inicial. Deixámos de ter condições nos últimos anos para continuar esses programas", lamentou.
Sobre o panorama geral das bibliotecas, Bruno Eiras explicou que a DGLAB tem estado a fazer um levantamento dos equipamentos que ainda não fazem parte da rede nacional e quais os que têm condições para a integrar. A cada visita técnica, é feito depois um protocolo de integração.
"Podemos estar a falar de uma biblioteca construída de raiz, com todas as valências e serviços mínimos, e podemos estar a falar de bibliotecas que funcionam num edifício adaptado, sem todas as condições de rigor técnicos, cuja autarquia que não investe na aquisição de novos documentos há muitos anos, que têm um parque informático bastante reduzido e desatualizado, que têm uma ligação à Internet bastante lenta ou que que têm uma pessoa afeta ao serviço da biblioteca", elencou.
As bibliotecas municipais da Vidigueira, de Borba, de Arraiolos e de Paredes de Coura foram as mais recentes a juntarem-se à Rede Nacional de Bibliotecas Públicas.
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