Ao longo das últimas semanas, temos andando a bater nas mesmas teclas: os argumentos a favor e contra a demolição do prédio Coutinho; as pessoas que lá estiveram fechadas durante oito dias, até à aceitação, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, da última providência cautelar movida pelos moradores resistentes; e os motivos que levaram a maioria das pessoas a sair do edifício desde 2005.
Mas muitas dúvidas persistem: quando começou a ser contestada a obra do Sr. Coutinho, vianense que mandou construir o prédio nos anos 70 depois de regressar da República Democrática do Congo? O argumento de que há ilegalidades nas origens do processo tem fundamento?
Há papéis que ajudam a perceber porque é que a legitimidade do prédio é certa para uns e questionável para outros.
Este é um puzzle que envolve pessoas, burocracia, relações humanas, questões políticas, opiniões fortes, divisões, muitas certezas, mas também muitas dúvidas.
O SAPO24 passou alguns dias em Viana entre conversas e consulta de documentos. A conhecer pessoas, a ouvir as suas narrativas, atento às emoções, porque as emoções não precisam de um papel a certificá-las; mas também a ler atas no arquivo municipal, processos na Câmara Municipal de Viana do Castelo, documentação online, à procura de dados que suportem os factos porque esses, sim, precisam de ser documentados.
Uma pergunta levou a outra, e outra, e outra. Estas são algumas das respostas que encontrámos — e as dúvidas que acrescentámos à lista.
Documentos, contradições e mais dúvidas do que respostas
Desde que foi comprado o terreno, o percurso do prédio Coutinho até à sua construção não foi nem breve, nem linear — e recuperá-lo de forma exaustiva é um desafio. Consultámos atas, dossiês, projetos. Mais do que com respostas perentórias, deparámo-nos com algumas contradições.
Contradição n.º 1:
Número de pisos nas condições de venda do terreno em hasta pública: 8.
Projeto final: 13.
Da janela, lá no topo do monte, vê-se o templo de Santa Luzia. Cá dentro, baixando os olhos para os documentos que temos à frente, vemos o passado. Estamos na sala do arquivo da Câmara Municipal de Viana do Castelo.
“Tem o livro das atas de 1972?”, perguntamos nós, sabendo à partida que há vários outros anos que vamos querer consultar, mas temos de começar por algum lado. Prontamente, as funcionárias trazem o livro. A capa verde e rija está um pouco desgastada, as páginas amareladas e a lombada a desfazer-se nos cantos, mas a etiqueta não deixa margem para dúvidas: “Câmara Municipal do Concelho de Viana do Castelo. Livro de Actas. Iniciado em 29/10/1971. Terminado em 29/12/1972”. Lá dentro, centenas de páginas de registos numa caligrafia quase desenhada.
Não nos detemos mais em contemplações. Começamos a folhear. Vamos diretos às datas em que sabemos que houve decisões que queremos confirmar.
“Acta da Reunião Ordinária da Câmara Municipal de Viana do Castelo de 9 de Maio de 1972”. Dez páginas de reunião. Salvam-nos os negritos no início de cada tema — que nas atas manuscritas eram feitos com o passar da caneta várias vezes pelas mesmas palavras.
No final da quinta página da ata lá aparece: “Condições de venda, em hasta pública, em terrenos destinados à construção no antigo Mercado”. Estamos em busca dos primeiros registos sobre as condicionantes definidas para o prédio que viria a ser construído, em particular a altura permitida — a característica que mais polémica tem provocado.
Viramos a página, os olhos percorrem cada linha com atenção. Ao longo de três páginas, o nível de detalhe inclui a descrição do tipo de cobertura, a definição de materiais para os acabamentos e revestimentos, as especificações para a pintura dos pavimentos entre os vãos dos pisos superiores.
Finalmente, encontramos aquilo de que andamos à procura: “A - Condições de Construção: Primeiro: Dimensões do lote (…). Segundo: Fachadas (…). Terceiro: - Número de pisos: Frente da Avenida de Luís de Camões [fachada principal] traço oito Frente da praça de Gonçalo Velho [fachada lateral] traço seis (…)”.
Portanto, a orientação era para oito pisos no bloco virado para a marginal e seis no lateral.
Recuperadas as condições da hasta pública, importa agora perceber onde se deu a alteração de oito para 13 no número de pisos no projeto final — o complexo habitacional acabou por ficar com uma torre de 13 andares e um outro prédio, perpendicular, de três andares.
29 de janeiro de 1973. Fernando de Miranda Amaral Coutinho envia uma carta dirigida ao presidente da Câmara a pedir aprovação do “projecto para a construção de um Bloco Habitacional e Comercial, em terreno de sua propriedade sito nesta Cidade, na Avenida Luís de Camões e Praça Gonçalo Velho”, sendo o custo estimado no valor de 29.316.500 escudos (cerca de 146,5 mil euros). Não constando na carta as características do edifício projetado, fomos atrás delas.
Janeiro de 1973. Na “Memória Descritiva e Justificativa” do projeto, assinada pelos arquitetos, encontramos uma resposta: “(…) propõe-se que a construção voltada à Praça Gonçalo Velho ficará sómente para Comércio com a cércea de rés-do-chão e aquela voltada a Sul para a Avenida Luís de Camões com rés-do-chão e 12 andares”.
Os arquitetos explicam a alteração de oito para 12: “Propõe-se neste projeto a transferência dos andares previstos no edifício posterior [bloco lateral, mais baixo] para o da Avenida Luís de Camões, por forma a beneficiar as habitações com a magnífica panorâmica que se desfruta sobre o Rio Lima e sua Foz (…)”. Para além disso, “o elevado valor a atribuir à ocupação por metro quadrado (…) faz pensar que este edifício tem que oferecer as condições acima referidas para compensar o seu valor final”, lê-se no documento.
Estava apresentada a proposta. O que fez a autarquia com ela? Pediu à Comissão Municipal de Arte e Arqueologia que se pronunciasse.
5 de fevereiro de 1973. Depois de examinado “detidamente o referido processo”, surge o parecer: “A nova implantação apresentada beneficia todo o conjunto arquitetónico”. A comissão acrescenta que não vê nenhum “inconveniente” no número de pisos propostos: “Observada a panorâmica da cidade de qualquer ponto da margem sul do rio, a mesma só fica beneficiada”. A descrição seguinte, todavia, não se compadece com o prédio que conhecemos à data de hoje, visto que se destaca uma torre de 13 pisos na vertical: “o volume do edifício, naquela zona, equilibra todos os volumes e planos da cidade"; e “a silhueta do edifício não se projeta como elemento vertical (torre), mas como uma massa horizontal com características de monumentalidade”.
Tudo parecia encaminhado. Mas havia um obstáculo que ainda precisava de ser ultrapassado: o projeto não obedecia “ao plano de urbanização aprovado para o local”. Quem lançou o alerta foram os Serviços Técnicos Municipais de Obras; quem referiu o facto foi a Câmara na sua ata de 27 de março de 1973, alertando para a necessidade de alterar o referido plano, “introduzindo-lhe as necessárias modificações de forma a harmonizar-se com o projeto em referência”. A questão foi resolvida rapidamente.
2 de abril de 1973, uma semana depois. A Comissão de Arte e Arqueologia reuniu para aprovar a “alteração de Plano Parcial de Urbanização na parte do antigo Mercado Municipal - Plano de Pormenor”. A ata apenas copia o texto já publicado anteriormente (a 5 de fevereiro), sem nada acrescentar, tão-somente especificando desta vez o número de pisos a considerar nos dois blocos: “Treze voltados à Avenida Marginal ao rio e três voltados a poente” — diferentes dos 12 propostos no projeto apresentado em janeiro.
3 de abril de 1973, um dia depois. A Câmara Municipal de Viana do Castelo aprova “por unanimidade” a alteração, “depois de examinar detidamente o referido plano de pormenor e tendo em consideração o parecer que acerca do mesmo foi emitido pela Comissão Municipal de Arte e Arqueologia”.
E assim, depois de confirmada a aprovação desta alteração no Conselho Municipal (equivalente à atual Assembleia Municipal), o projeto foi avançando, com algumas alterações, que foram sendo apresentadas à Câmara, até ter chegado à configuração que se conhece hoje.
Contradição n.º 2:
Prédio Coutinho com parecer positivo na Comissão de Arte e Arqueologia.
Um mês depois, parecer negativo para outro prédio na mesma avenida
“É possível ver também o livro das atas da Comissão de Arte e Arqueologia de 1973?”, perguntamos nós, depois de percebermos que esta comissão tinha a responsabilidade de emitir pareceres sobre a construção de prédios na cidade. Novamente não esperamos sequer cinco minutos para ter o livro nas mãos.
Interessados sobre a forma como a Comissão se posicionou noutros momentos em relação a assuntos de natureza urbanística, procuramos outras decisões. Poucas páginas volvidas e encontramos uma ata de relevo.
4 de maio de 1973. Primeiro assunto a tratar: “Foram novamente presentes os processos relativos aos prédios que [dois requerentes] pretendem construir na Avenida Luís de Camões (…) desta cidade”.
A avenida Luís de Camões fica entre o jardim que desfila junta ao rio e os prédios que acompanham a marginal desde a “ponte velha”. É para essa avenida que dá a fachada principal do prédio Coutinho.
A Comissão escusou-se a emitir um parecer final, mas deixou considerações desfavoráveis: “Os projetos apresentados contrariam o plano urbanístico estabelecido para a zona em referência (previstos cinco pisos)”; “esta comissão é da opinião que o mesmo [projeto] não se enquadra, quanto à forma e ao volume, no existente e no já aprovado para aquela zona”; e “os projetos apresentados, além das considerações supra, traduzem uma ideia comercial em excesso e que não é compatível com a estética desejável”.
O que motivou tal diferença de posições não sabemos, mas as justificações parecem contrariar as que tinham sido usadas cerca de um mês antes para o prédio Coutinho.
Contradição n.º 3: Direção de Urbanização com pareceres contrários a nível local e nacional
Para a construção do prédio Coutinho, além do parecer da Comissão de Arte e Arqueologia e da aprovação da Câmara Municipal e do Conselho Municipal, era necessário que se pronunciasse a Direção de Urbanização, uma vez que se tratava de um prédio de grandes dimensões.
Acontece que a Direção de Urbanização do distrito de Viana do Castelo emitiu na altura um parecer “desfavorável”, disse ao SAPO24, sem se querer identificar, fonte que esteve ligada a esta entidade nos anos 70.
O motivo do parecer: o projeto “contrariava o plano de urbanização”, que “não permitia uma construção daquela altura naquela zona” — como, de resto, a Câmara tinha assinalado.
Ainda assim, a construção avançou. Porquê? Explica o técnico que, por um lado, o organismo local era apenas consultivo; por outro lado, a Direção-Geral dos Serviços de Urbanização (gabinete central a quem a unidade distrital reportava) terá dado parecer favorável, apesar da avaliação feita pelos serviços locais, sem que tenha sido apresentada uma explicação para essa posição, o que a equipa da direção distrital estranhou.
Depois de todos estes processos, e apesar das contradições, o prédio lá foi construído. Isto é o que nos dizem os papéis. E as pessoas? O que relatam as pessoas que viveram o que está escrito na papelada?
Um prédio, dois “combatentes”
Um tem 79 anos; o outro, 76. Ambos viveram na pele o nascimento do prédio Coutinho. Um morou lá dentro até 2014. O outro, do lado de fora, pediu a demolição desde o início. Os dois passaram pelas cadeiras da Câmara Municipal de Viana do Castelo.
Falámos com Alcino Lemos e Alexandre Marta na cidade que dorme embalada pelo rio Lima e com Santa Luzia como luz de presença. A separar as entrevistas estiveram algumas horas e uma avenida de nome “Combatentes da Grande Guerra”.
O caso “Coutinho” está longe de ser uma Guerra Mundial, mas os intervenientes com quem falámos ganharam, de alguma forma, contornos de “combatentes”. Ora pela entrega à luta ao longo de muitos anos, até ao limite da saúde física; ora pela batalha política, até ao limite dos procedimentos burocráticos.
Alcino Lemos, nascido no Porto, chegou a Viana do Castelo em 1969, foi vice-presidente da Câmara entre 1980 e 1982 e viveu com a sua família no prédio Coutinho até 2014. Conversámos entre coleções de selos, crachás e fotografias, na receção da Residencial Viana Mar, uma referência histórica no alojamento turístico, situada bem no centro da avenida que atravessa a cidade desde a estação de comboios até ao rio.
Um dia depois, num calmo café, por coincidência do outro lado da avenida, encontrámo-nos com Alexandre Marta. Foi presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Viana do Castelo — embora faça questão de afirmar que foi empossado como presidente da Câmara, o primeiro depois do 25 de Abril — entre novembro de 1974 e janeiro de 1977.
Um mesmo prédio, uma mesma polémica, duas conversas diferentes.
Hoje é o prédio Coutinho mas podia ter sido "Coutinho Lima”
"Era uma vez ...". Pode ser o início de qualquer história, mas nesta, conta Alcino Lemos, "era uma vez dois proprietários". Foi assim que ficámos a saber que aquele que é hoje conhecido como o prédio Coutinho podia ter herdado dois apelidos. É que quando o terreno foi vendido em hasta pública em 1972, Fernando de Miranda Amaral Coutinho juntou-se a João Martins Lima para, em conjunto, comprarem o lote, arrematando-o por pouco mais da base de licitação, fixada em sete milhões e quinhentos mil escudos (aproximadamente 37,5 mil euros).
Confirmam-no as atas da Câmara, que consultámos na tal mesa com vista para uma Santa Luzia emoldurada pela janela. Acrescenta o proprietário da residencial Viana Mar que as reuniões em que os dois compradores combinaram unir esforços aconteceram no hotel onde trabalhava na altura.
Logo depois da aquisição do terreno, Fernando Coutinho e João Martins Lima perceberam que tinham visões diferentes para o projeto e o primeiro acabou por comprar a parte do segundo.
E assim começou, na narrativa contada por Alcino Lemos, uma sequência de decisões — nem sempre documentadas, adverte-nos — que levaram à construção do famoso prédio tal como o conhecemos hoje.
Primeiro, era preciso que a Direção-Geral dos Serviços de Urbanização autorizasse o projeto. Mas a aprovação não chegou logo num primeiro momento. Esta é mais uma contradição a somar às que já tínhamos identificado.
Segundo o antigo vice-presidente da Câmara, arquitetos do projeto e Direção-Geral dos Serviços de Urbanização reuniram várias vezes, num vai-vem de propostas, pareceres e contra-propostas, com o projeto a ir sendo alterado de acordo com as indicações dadas.
Ao fim de três tentativas, chegou o aval de Lisboa. Depois disso, já sabemos: a Câmara Municipal de Viana do Castelo aprovou o projeto, e em 1973 o prédio começou a ser construído, tendo as primeiras frações começado a ser vendidas desde esse momento.
1975: “Estes [são] os factos que levaram à consumação do maior atentado à harmonia e estética da nossa cidade"
A contrastar com o foco de Alcino Lemos para o relato desta história, chegou-nos a perspetiva de Alexandre Marta.
O nome deste engenheiro técnico agrário aparece pela primeira vez, enquanto presidente da Comissão Administrativa, numa ata da Câmara Municipal em novembro de 1974. Logo em janeiro do ano seguinte, a nova equipa à frente do município decide “tornar públicas as conclusões dum inquérito à construção dos blocos habitacionais (…) e levar as mesmas ao conhecimento do Ministério da Administração Interna, com o pedido de um inquérito oficial”, lê-se em mais um livro que nos foi disponibilizado tão rápido quanto o tempo necessário para o ir buscar a um outro serviço onde estava a ser usado. Este traz na lombada a história dos anos 1974 a 1975.
O relatório em causa é considerado de tal forma importante por Alexandre Marta que o protagonismo do documento saltou das páginas dessa ata do início de 1975 para aquela mesa de café neste julho de 2019. Ainda nós estávamos a formular a primeira pergunta e já o nosso interlocutor nos convidava a ler as conclusões do inquérito.
“E onde podemos encontrar uma cópia?”, questionámos. A resposta tinha a forma de seta para a biblioteca, mas acabaríamos por nos vir a cruzar com o documento mais cedo do que esperado.
Na manhã seguinte, depois de mais um pedido para o qual obtivemos resposta rápida, chegámos ao processo que agrega toda a documentação respeitante ao licenciamento, construção e habitação do prédio Coutinho. E lá dentro: o dito relatório.
No final, a seguinte nota: “Estes [são] os factos que levaram à consumação do maior atentado à harmonia e estética da nossa cidade e nos determinaram a deles dar conhecimento à população e ao Senhor Ministro da Administração Interna para que façam o seu julgamento como lhes compete”.
Quais são, então, os factos apresentados?
Uma cronologia que começa a 7 de julho de 1972, momento do anúncio da hasta pública para a venda do terreno do antigo mercado municipal, e vai até abril de 1974, com a descrição dos pedidos de alteração feitos depois de aprovado o projeto final.
Pelo meio, muitas datas, algumas exclamações e um pedido de investigação.
Entre outros pontos destacados para ilustrar as irregularidades do processo, o relatório refere que a autarquia pediu um parecer ao arquiteto camarário, para logo a seguir “considerar que não era mais necessário o mesmo”. Para além disso, a Comissão Administrativa lembra que teria sido necessária uma autorização do ministro das Obras Públicas antes da aprovação pela Câmara, e que o terreno do antigo mercado estava incluído na Zona Arqueológica de Viana do Castelo, o que teria implicado também a autorização por parte da Direção Geral dos Assuntos Culturais, do ministério da Educação e da Cultura — a Câmara defende-se deste último argumento, em ofício datado de março de 1974 e dirigido à Direção-Geral dos Assuntos Culturais, dizendo que a definição desta Zona foi posterior à autorização de construção do prédio.
Também a VianaPolis se serve desta cronologia, com algumas atualizações, para, num boletim informativo de setembro de 2006, “Especial Edifício Jardim”, argumentar a favor da demolição do prédio.
Passaram 44 anos desde que a Comissão Administrativa liderada por Alexandre Marta divulgou o relatório. O financiamento para demolir o prédio nunca chegou, mas a obra não foi embargada, uma vez que “estava licenciada”. “Não podíamos ir por aí”, afirma o ex-autarca.
Entretanto, já muito se passou: viveram nas 105 frações mais de 300 moradores; Carlos Branco Morais, antigo presidente da Câmara de Viana do Castelo, pediu, em 1990, financiamento, sem sucesso, para a demolição dos pisos acima do sexto andar; chegou, em 2000, o VianaPolis, e, com ele, a decisão de demolir o "Coutinho"; e foram entregues as chaves de quase todos os proprietários, à exceção dos “resistentes” das seis últimas frações, que continuam a defender o direito a permanecer nas suas casas.
Passado todo este tempo e tendo em conta a circunstâncias que se foram desenrolando, perguntámos a Alexandre Marta se continua a defender a demolição do prédio. “Sim. É inevitável. É para deitar abaixo”, respondeu, firme.
Uma história sem fim à vista
Saltamos de novo para o outro lado da avenida. Alcino Lemos, já no final da nossa conversa, partilha que acabou por deixar o prédio em 2014 depois de ter tido um “princípio de enfarte” e de ter sido aconselhado pelos médicos a “abandonar a luta”.
Para este fundador da Comissão de Moradores do prédio Coutinho, para além de ser injusta a saída do prédio, o processo precisava de ter sido conduzido com mais “humanidade” e mais “diálogo” pela autarquia. Também as alternativas apresentadas — indemnização ou casa de substituição em prédios construídos pela VianaPolis para o efeito — deviam ter tido em conta as propostas dos moradores — prédios baixos numa outra zona ribeirinha da cidade.
Os ponteiros do relógio já passavam da uma da tarde daquela segunda-feira, 1 de julho, quando a conversa com Alcino Lemos foi interrompida pelo toque do telefone da receção da residencial. Um amigo do ex-morador informava-o de que tinha chegado uma decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que havia de inverter os acontecimentos daquela semana: a providência cautelar movida pelos “resistentes” tinha sido aceite. Estava suspensa a ação de despejo e tinha sido dada ordem de reposição da água, da luz e do gás, serviços que tinham sido cortados depois de os moradores se terem recusado sair. A VianaPolis não tardou a anunciar que iria pedir a revogação da decisão.
No dia 5 de julho, o ministro do Ambiente veio dizer que os moradores vão ser processados por estarem a lesar o Estado. Das 105 frações do edifício, seis proprietários ainda não entregaram as chaves. Com os ex-moradores, foram realizados 74 acordos amigáveis, 28 realojamentos e 46 indemnizações, segundo a VianaPolis. Para os restantes casos, foram proferidas sentenças de indemnizações, em verbas fixadas pelos tribunais, continuando "disponíveis habitações no edifício de realojamento para os eventuais interessados", explica a sociedade num esclarecimento divulgado esta semana.
Entretanto está a decorrer uma petição contra a demolição do prédio — à data de publicação deste artigo, a petição ultrapassou as quatro mil assinaturas, o que significa que estão cumpridos os requisitos para que o assunto seja apreciado em plenário na Assembleia da República.
O prédio Coutinho deixou de aparecer diariamente nas notícias. Mas o processo está longe de ter terminado.
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