Presidente da Comissão de Assuntos Europeus da Assembleia da República (AR), Luís Capoulas Santos aponta o dedo, mais especificamente, aos representantes dos executivos nacionais, na “primeira linha” dessa responsabilidade.
“Normalmente, os governos nacionais tendem a chamar para si tudo o que de positivo decorre da União Europeia e tendem a chutar para as instituições comunitárias aquilo que é negativo”, critica o parlamentar socialista, em entrevista à Lusa, via zoom.
“Até ao mais alto nível da política permanentemente se distorce a realidade entre os benefícios e as desvantagens de permanecer nesta União, que é, de facto, uma construção política extraordinária da Humanidade”, com “benefícios inegáveis para os cidadãos”, analisa.
Essa postura da classe política tem “alguma influência na perceção que a opinião pública tem da União Europeia”, que “muitas vezes apenas associa ao porquinho mealheiro”, lamenta.
“Olha-se para a União Europeia [e pensa-se] ‘quanto é que a União Europeia nos dá?’”, insurge-se, recordando o exemplo da Política Agrícola Comum (PAC), a “mais comunitária de todas as políticas” europeias, que acompanhou de perto, enquanto relator do Parlamento Europeu (PE) e ministro e secretário de Estado de vários Governos socialistas.
Na Comissão de Assuntos Europeus, explica, faz-se “um acompanhamento de muita proximidade” às decisões europeias.
“Fazemos um escrutínio de todas as iniciativas, chamamos à emissão de parecer daquelas que nos parecem mais relevantes e creio que somos até dos parlamentos nacionais aquele que mais intervém nesse processo decisório”, relata.
“Temos também um processo que obriga a reuniões com o Governo antes e depois de cada Conselho [Europeu], que permite aos deputados questionarem o Governo sobre as posições que vai tomar e, depois de cada Conselho, vir explicar as decisões que tomou”, acrescenta.
Hoje, o presidente da AR, Eduardo Ferro Rodrigues, recebe a Conferência de Presidentes do PE, no quadro da visita prévia, em formato virtual, daConferência a Portugal, que assumirá a presidência da UE no primeiro semestre de 2021.
O Tratado de Lisboa, assinado durante a última presidência portuguesa, em 2007, reforçou o papel dos parlamentos nacionais, mas “de uma forma relativamente limitada, porque não é possível, de facto, pôr 27 parlamentos a tomar as decisões da União Europeia”, concede.
“Os parlamentos têm a possibilidade de as influenciar e têm, sobretudo, a vantagem e a obrigação de proceder a um escrutínio” do processo decisório, frisa.
“Esse papel [dos parlamentos] passou a estar formalmente reconhecido” com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, permitindo um “maior envolvimento” dos parlamentares, “mas não alterou substancialmente o processo decisório”, nota.
Os parlamentos passaram a ter “direito próprio de participar na legislação comunitária”, mas o processo de a influenciar ou alterar “não é fácil, já que é necessário que se pronunciem no mesmo sentido um determinado número de parlamentos nacionais, o que somente ocorrerá em situações de grande relevância”, estima, sublinhando que desconhece exemplos.
Acresce que os parlamentos nacionais só podem pronunciar-se sobre “questões limitadas”, como a subsidiariedade e a proporcionalidade.
“Os parlamentos nacionais funcionam subsidiariamente ao Parlamento Europeu, a sua função é mais de acompanhamento do que propriamente de reversão das decisões comunitárias”, realça.
Reverter uma decisão comunitária “não seria muito normal também”, justificando-se apenas numa situação-limite, como “uma norma que violasse os tratados”, que teria de ter passado despercebida ao escrutínio prévio das outras instituições comunitárias.
O atual contexto de pandemia veio impor limitações às reuniões entre parlamentares, que chegam a envolver duas centenas de pessoas, dado que cada Estado tem uma delegação de seis membros e uma dezena de Estados tem duas câmaras, duplicando a representação.
O contacto à distância “dificulta bastante” e não é tão eficaz como o presencial, porque “os bastidores e os encontros à margem das reuniões são muitas vezes mais úteis e permitem extrair mais informação”, conta.
“Não foi ainda disponibilizada uma plataforma que permitisse a participação de um elevado número de membros”, refere Capoulas Santos, contando que alguns encontros virtuais “decorreram até em péssimas condições, do ponto de vista técnico”, a que se soma o direito de cada deputado a exprimir-se na sua língua nacional.
“Estas plataformas até agora têm limitado ao máximo de três línguas (francês, inglês e alemão), o que também dificulta a comunicação em algumas circunstâncias”, indica.
“Mesmo assim é espantosa a forma como, através destes meios, foi possível, apesar de tudo, manter uma atividade regular”, realça, surpreendido.
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