A SIC Notícias anunciou em julho o fim de dois programas de desporto que assentavam em comentadores que representavam clubes de futebol devido ao ambiente tóxico criado à volta do género.
Questionado sobre o tema, Poiares Maduro considerou que "a violência verbal de alguns desses programas tornava-os muito complicados", considerando que as cadeias de televisão "estão um bocadinho a desresponsabilizar-se por algo que elas próprias criaram porque se o problema era a violência verbal das pessoas que eles convidavam, podiam substituir essas por outras".
"Tenho a certeza que há adeptos que são mais moderados", comentou.
Para o responsável, a "prioridade, sim, devia ser garantir que o jornalismo que se faz na área do desporto e o comentário supostamente independente que se faz na área do desporto não está em situação de conflito de interesses com clubes e gentes de futebol".
E, já agora, "o outro lado disso também, para proteger os jornalistas - que eu compreendo a dificuldade que muitos dos jornalistas do desporto têm - dar garantias muito fortes" na proteção dos profissionais no acesso aos clubes, apontou.
"E aí a ERC [Entidade Reguladora para a Comunicação Social] também devia ser mais proativa - não é só reativa, é proativa - na proteção dos jornalistas ao acesso igual aos clubes de futebol", salientou.
Os clubes de futebol "não devem poder discriminar relativamente ao acesso que dão a determinados conteúdos a alguns jornais ou jornalistas face a outros. Deve haver regras claras a esse respeito que devem ser impostas porque se elas não forem impostas nós estamos a criar incentivos para os jornais desportivos, para os jornalistas desportivos, viverem nessa dependência dos clubes" e "se não viverem não sobrevivem", alertou.
"Portanto, a responsabilidade é nossa de não criar uma estrutura de incentivos que proteja a independência desse jornalismo em primeiro lugar", defendeu Miguel Poiares Maduro.
O também presidente do Observatório Europeu dos Media Digitais (European Digital Media Observatory - EDMO, em inglês) disse ainda esperar que o fim de determinados programas desportivos "não seja uma forma de descartar" uma reforma que é mais importante, que não tem tanto a ver com programas de adeptos, "independentemente de criticar muito a violência verbal".
Concordando com a decisão "de acabar com esses programas devido à toxidade das discussões que eles têm", embora considere que estes só por terem adeptos "não têm que ser negativos, eles deviam era eliminar a toxidade escolhendo adeptos que não tivessem mais liberdade em relação aos seus clubes e tivessem um discurso mais moderado", Miguel Poiares Maduro refere que há problemas nesta área mais complicados.
"O problema para mim é muito mais complicado e é mais grave, esse sim é que devia ser a prioridade das televisões, que é a circunstância de haver programas em que há jornalistas ou comentadores independentes, entre aspas, dos quais se suspeita, até com base em informação que, entretanto, surgiu por exemplo através dos famosos 'emails' do Rui Pinto [criador do Football Leaks], que podem ter relações privilegiadas com determinados clubes ou agentes de futebol, incluindo receber benefícios materiais desses clubes ou desses agentes do mundo do futebol", prosseguiu o professor universitário.
"Isso, que não é público, nem transparente para os ouvintes, para os leitores, é que me parece bastante mais grave e deveria ser a prioridade dos diretores de informação dos diferentes canais. Obrigar, aliás, não só nessa área", mas em todas, "essas pessoas a declarar qualquer benefício que recebam do ponto de vista de um clube ou de um agente" do mundo do futebol, apontou, classificando esta medida de "urgente".
Miguel Poiares Maduro referiu ainda que, em termos de matérias de transferências, há informação divulgada e que, muitas vezes, está próxima daquilo que no mercado bolsista se chamaria de manipulação de mercado.
Os clubes de futebol têm SAD - Sociedades Anónimas Desportivas e, "na medida em que [as informações divulgadas] afetem a própria mais-valia dos clubes, eu acho que a CMVM [Comissão do Mercado de Valores Mobiliários] devia prestar atenção", considerando que não se tem dado a importância devida nesta dimensão.
"Porque se temos alguém que através de informação que é fornecida por um clube - vamos imaginar essa pessoa receber o benefício tanto em conflito de interesses como com esse clube - que promove a valorização de determinados jogadores, dizendo que eles valem 'y' não sei quantos, isso pode ter um impacto no valor bolsista desse clube" e "estamos perante uma situação de manipulação de mercado", argumentou, considerando que aqui as empresas de media "estão a ser cúmplices disso".
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