O ex-secretário de Estado António Lacerda Sales escusou-se hoje a responder se deu alguma indicação para a marcação da primeira consulta das gémeas tratadas com o medicamento Zolgensma e disse não ter recebido nenhum ofício de alguém hierarquicamente superior.

António Lacerda Sales foi ouvido hoje na comissão de inquérito sobre o caso das duas crianças tratadas com um medicamento com um custo de milhões de euros e alegou o direito ao silêncio, por não querer violar o segredo de justiça e não se auto incriminar, para não responder a várias das questões colocadas pelos deputados.

Uma dessas questões foi se deu alguma instrução à sua secretária para enviar uma comunicação ao Hospital de Santa Maria com vista à marcação da primeira consulta destas crianças naquela unidade de saúde.

“Não remeto responsabilidades para ninguém” sobre a marcação da consulta, disse já na segunda ronda de perguntas, e disse esperar que o Ministério Público o faça.

Questionado se a decisão de administração do medicamento Zolgensma cumpriu os formalismos aplicáveis, o antigo secretário de Estado, médico de profissão, indicou que “a administração dos medicamentos é sempre em função do critério clínico”.

Em resposta ao deputado do CDS-PP João Almeida, António Lacerda Sales disse não ter recebido “nenhum ofício” sobre o caso das gémeas luso-brasileiras que sofrem de atrofia muscular espinal.

“No meu gabinete não entrou nenhum ofício vindo do primeiro-ministro, do Presidente da República ou da ministra, nem de ninguém que pudesse hierarquicamente estar acima de mim”, afirmou.

No final da primeira ronda de perguntas dos partidos, o deputado João Almeida, do CDS-PP, acusou Lacerda Sales de dar “respostas seletivas em relação a matérias que são muito parecidas”.

“Às vezes invoca o direito à não auto incriminação e outras vezes responde. Quando as respostas lhe dizem diretamente respeito diz que não responde, quando permitem especulação sobre terceiros responde, dá factos, alimenta teorias”, concretizou, questionando o ex-governante se “quer continuar com essa estratégica ou dá a sua versão” ao parlamento.

Na resposta, António Lacerda Sales disse não estar na comissão de inquérito “com nenhuma estratégia elaborada”, mas sim para “falar verdade aos portugueses sobre matéria” do seu conhecimento.

“Eu invoco aquilo que é o meu direito ao silêncio para não me auto incriminar nos factos que me podem dizer respeito. Não é seletivo, é a lei, e estou a cumprir a lei”, salientou.

O antigo secretário de Estado referiu que não alimenta “manobras de diversão” numa casa pela qual tem “tanto respeito”, como a Assembleia da República.

“E também não alimento teorias, são dúvidas que no meu espírito também subsistem. Estou a colocar questões que eu não sei responder, são pontas soltas que devem ser ligadas”, disse.

António Lacerda Sales indicou também, em resposta à deputada do PAN, que recebeu todas as pessoas que lhe pediram audiências.

Em resposta ao deputado Paulo Muacho, do Livre, o ex-governante disse que os pedidos de reunião e de ajuda sobre casos específicos eram feitos “por via formal”, através de um pedido por escrito, e que muitas vezes “nem tinha conhecimento”, sendo avaliados e encaminhados por membros do seu gabinete para a instituição mais adequada ou pedida por quem entrava em contacto com o Ministério da Saúde.

Sobre pedidos provenientes da Presidência da República, Lacerda Sales indicou não ter “memória de pedidos com essa proveniência”.

O deputado Alfredo Maia, do PCP, questionou Lacerda Sales sobre os critérios para o acesso ao medicamento Zolgensma e o ex-secretário de Estado remeteu para os médicos especialistas em neuropediatria mas disse ter convicção de que serão os mesmos para todas as pessoas.

O ex-secretário de Estado da Saúde António Lacerda Sales assumiu hoje a “responsabilidade política” no caso das gémeas que foram tratadas com o medicamento Zolgensma e disse que não está a tentar encontrar qualquer bode expiatório.

“Eu já assumi a responsabilidade política, porque era eu o secretário de Estado, não a responsabilidade técnica”, salientou Lacerda Sales, após ter sido interpelado pelo deputado do CDS-PP João Almeida na segunda ronda de questões colocadas pelos deputados na comissão parlamentar de inquérito.

Também o deputado do PSD António Rodrigues, já na terceira ronda de perguntas, questionou Lacerda Sales se estava a tentar “encontrar um bode expiatório” na médica que acompanhou a gémeas, Teresa Moreno, e se assumia mesmo a responsabilidade política.

“Na sua declaração inicial disse que não queria ser bode expiatório? Não está a tentar encontrar um bode expiatório na doutora Teresa Moreno?”, interrogou o social-democrata.

Em resposta, Lacerda Sales indicou que não está a tentar “encontrar qualquer bode expiatório”.

“Se olhar para a minha declaração inicial vê que não referi um nome sequer. Eu não estou a encontrar qualquer bode expiatório. Os nomes referidos foram pelos senhores deputados, não por mim, não referi Teresa Moreno na declaração inicial”, afirmou, reiterando a sua responsabilidade política como governante.

“Disse que sim, que assumia a responsabilidade política. Sendo o secretário de Estado tenho responsabilidade política”, acrescentou.

Lacerda Sales disse ainda estar de “consciência tranquila” após a deputada da IL Joana Cordeiro ter referido que os deputados iriam sair da reunião de hoje da comissão parlamentar inquérito “com as mesmas perguntas e as mesmas repostas”.

“Estamos a perder tempo? Nunca ouvi isso. Eu tenho a consciência tranquila. Não estamos a perder tempo. Devia pedir desculpa a todos os portugueses e a todos os deputados desta comissão”, disse o ex-secretário de Estado.

Numa declaração final, o ex-secretário de Estado defendeu a importância do “escrutínio político” e da “prestação de contas à sociedade, como forma de transparência”, e salientou que “deve ser feito de forma responsável” e “livre de instrumentalizações político-partidárias”.

O ex-secretário de Estado disse também que durante a audição - na qual não respondeu a várias das questões colocadas pelos deputados alegando o segredo de justiça por ser arguido neste caso – quis colaborar e fez por colaborar “o máximo possível, apesar das limitações legais”.

António Lacerda Sales reiterou não querer “prejudicar a investigação” que está a ser levada a cabo pelo Ministério Público.

“É naquele processo penal que tenho, e irei, responder”, indicou.

O médico apelou também aos portugueses para que continuem a “acreditar e confiar no Serviço Nacional de Saúde”, sustentando que “nunca abandona crianças, adultos e situações difíceis, e está sempre disponível para essas situações difíceis”.

O ex-governante destacou também o papel da comunicação social, a quem pediu para atuar “com responsabilidade” e com “respeito pela dignidade e privacidade das partes envolvidas”, sem cair em sensacionalismos.

António Lacerda Sales disse também acreditar na separação de poderes que quer “continuar a confiar na justiça” e num “sistema jurídico equitativo e transparente”.