Com o intuito de celebrar o Dia Internacional de Luta contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia,  a 17 de maio, dois vereadores do CDS-PP em Arroios, Francisco Sapage e Vitor Teles, propuseram perante a Assembleia desta freguesia lisboeta a proposta de pintar as passadeiras em frente aos números 1 e 13 da Avenida Almirante Reis com as cores da bandeira arco-íris.

Aprovada por unanimidade pela Assembleia a 29 de abril, a iniciativa foi mal recebida por vários setores do partido centrista, levando mesmo a sua presidente, Assunção Cristas, e o presidente da Concelhia de Lisboa, Diogo Moura, a declararem oficialmente que o CDS-PP se demarcava da iniciativa.

Porém, independentemente da polémica que a iniciativa tenha causado dentro do CDS-PP — Vítor Teles viria mesmo a desfiliar-se do partido, mantendo a atividade enquanto vereador independente —, esta nunca poderia ser implementada em pleno, pelo menos segundo os vagos moldes em que foi apresentada.

A 2 de maio, o jornal Público noticiou que o Decreto Regulamentar n.º22-A/98 da Regulamentação de Sinalização do Trânsito proíbe que se pintem passadeiras em cores que não o branco, excetuando o amarelo para casos de sinalização temporária. Tal conclusão levou Margarida Martins, presidente da Junta de Arroios, confirmar ao Observador a impossibilidade de avançar com a proposta, confessando que “não se pensou no assunto” no tocante à ilegalidade da iniciativa.

Esta iniciativa, porém, está longe de ser uma inovação portuguesa. As primeiras passadeiras arco-íris — símbolo da comunidade LGBT criado pelo artista de São Francisco Gilbert Baker, em 1978 — remontam a 2012, quando, na cidade de West Hollywood, adjacente a Los Angeles, nos EUA, dois exemplares, criados com um âmbito temporário a propósito do mês do Orgulho Gay, se tornaram permanentes.

Desde então, o fenómeno espalhou-se pelas cidades dos EUA, desde Cincinnati a Filadélfia, passando por Key West, Phoenix e Seattle, onde 11 passadeiras foram criadas em 2015. Também na Europa estas iniciativas se manifestaram por cidades como Bruxelas, na Bélgica, Gouda e Roterdão, na Holanda, ou até Vilnius, na Lituânia. Noutros casos, o arco-íris foi utilizado com um propósito explicitamente ativista, como em 2013, quando alguns ativistas suecos pintaram a passadeiras preexistentes em frente à embaixada da Rússia em Estocolmo para protestar contra o tratamento dado a cidadãos LGBT russos.

No entanto, apesar da vontade política, também pelo mundo a instalação destas passadeiras trouxe problemas legais, tendo como base do problema a convenção globalizada de que estas devem ser sempre brancas, perdendo o seu estatuto de sinal de trânsito em caso contrário.

A questão da legalidade levou as instâncias de Telavive a tomar uma posição incomum em 2012. Em antecipação à Parada Gay na capital israelita, a Câmara mandou pintar uma das passadeiras da Avenida Rothschild com as cores do arco-íris e publicou os resultados na sua conta de Facebook. Contudo, horas depois, mandou repintar tudo de branco novamente. Como reportou o jornal Haaretz na altura, uma ação que tinha sido encarada inicialmente como corajosa e inclusiva, passou a ser vista como vazia e oportunista, mesmo com a justificação do executivo de que era ilegal manter a passadeira pintada com outra cor que não branco.

Dois anos depois, a cidade inglesa de Brighton orgulhar-se-ia de ser a primeira da Europa a incluir uma passadeira desta índole, criada por uma iniciativa privada, mas, também naquele caso, o conselho local mandou apagar por não respeitar as regras de trânsito. Aqui ao lado, em Espanha, também Madrid recuou depois de um parecer negativo da Dirección General de Tráfico, mas tal não impediu a cidade vizinha de Getafe de instalar passadeiras desta natureza durante dois anos seguidos, ainda que com cariz temporário.

Porém, o mais paradigmático caso da disputa civil quanto às passadeiras em arco-íris deu-se em Sydney quando, em 2013, uma passadeira foi pintada na Oxford Street, no bairro gay da cidade australiana, a propósito do 35º aniversário do Sydney Gay and Lesbian Mardi Gras, um dos maiores eventos de orgulho gay do mundo. A iniciativa custou 65 mil dólares australianos (aproximadamente 53 mil euros, à época) e esperava-se que fosse uma atração turística de sucesso.

Depois do evento, o governo do estado de Nova Gales do Sul determinou que a passadeira constituía um perigo para a segurança rodoviária, lembrando o ministro para as estradas deste estado que, no espaço de um mês, já tinham ocorrido 15 incidentes, apesar de nenhum ter constituído num acidente ou ferimentos. Em causa estava o comportamento, relatado numa auditoria de segurança, de pessoas que se sentavam na passadeira ou que posavam para fotografias, considerando o relatório que este constituía “um elevado risco de incidentes relacionados com pedestres/veículos”. Também aqui, as recomendações indicavam que as passadeiras devem ser brancas.

Apesar da oposição de figuras como a própria presidente da câmara de Sydney, Clover Moore, e de uma petição assinada por 15 mil pessoas em defesa da passadeira arco-íris, esta acabou mesmo por ser coberta de alcatrão, numa ação que decorreu durante a noite e tomou a cidade de surpresa. No entanto, as ações de protesto não se fizeram esperar e, nos dias seguinte, começaram a surgir passadeiras arco-íris pintadas a giz pela cidade e os seus subúrbios. Às passadeiras improvisadas, as instâncias locais responderam com água e com a justificação de que a sua criação não tinha sido autorizada, lembrando também o argumento de que constituíam um risco público por poderem tornar o piso escorregadio.

Esta saga australiana, contudo, parece ter tido um final feliz - pelo menos até à data. Em março deste ano, a passadeira LGBT voltou à cidade, cobrindo um troço da Taylor Square, local onde a sua antiga morada se cruza com Flinders Street. Regressando para celebrar outra data importante do Sydney Gay and Lesbian Mardi Gras, os seus 40 anos, a passadeira vai manter-se em período experimental durante 6 meses e foi equipada de sensores de trânsito para dar o maior tempo possível aos pedestres para atravessá-la.

No país vizinho, em Wellington, na Nova Zelândia, sucedeu-se outro caso de braço de ferro em 2018, com a instalação de uma passadeira arco-íris, que opôs ativistas e câmara municipal com a agência rodoviária do país. Apesar das críticas da oposição - que considerou o projeto dispensável em comparação à necessidade de reforçar serviços básicos da cidade - e do quase-envolvimento da polícia para impedir a criação desta passadeira, a iniciativa foi avante. Já com o conhecimento de outras polémicas, o executivo incluiu até um espaço próprio para tirar fotografias e, assim, evitar que os transeuntes o fizessem na estrada.

A postura tem vindo a mudar e há cada vez mais passadeiras arco-íris a decorar as cidades, mas os desafios mantêm-se. Um deles é a intolerância. Somam-se os casos de vandalismo em localidades como Leida e Harderwijk (este apenas há uma semana), na Holanda, e até no Canadá. Mesmo tendo sido avaliado este ano como um dos três países mais LGBT-friendly do mundo (segundo o SPARTACUS Gay Travel Index, os outros dois são a Suécia e Portugal), o país da América do Norte já registou vários casos de vandalismo em passadeiras arco-íris, desde suásticas desenhadas até marcas de pneus deixadas propositadamente.

A estas provocações, Paris respondeu de forma peremtória em 2018. Para celebrar a marcha do Orgulho Gay, o executivo tinha mandado decorar as passadeiras brancas com bandas laterais com as cores do arco-íris em cruzamentos do bairro Marais - onde se encontram a grande maioria dos bares e discotecas LGBT da capital parisiense. No entanto, as novas decorações, de intuito temporário, começaram a sofrer vandalismo de cariz homofóbico, o que levou a presidente da Câmara, Anne Hidalgo, a recuperá-las e torná-las definitivas. “Paris é uma cidade de refúgio que abraço os valores republicanos da liberdade, igualdade e fraternidade. Para que estes valores sejam recordados para sempre, as passadeiras arco-íris criadas para o Orgulho Gay vão tornar-se permanentes!” escreveu na sua conta oficial de Twitter.

A necessidade de criar “visibilidade permanente”

Depois de constatada a impossibilidade de pintar as passadeiras na Avenida Almirante Reis, Margarida Martins, na mesma conversa ao Observador, disse que estavam a ser pensadas alternativas a colocar no mesmo local, com moldes ainda por definir. O SAPO24 procurou obter esclarecimentos adicionais junto do gabinete da autarca socialista, não tendo sido possível obter respostas à data da publicação deste artigo.

No entanto, apesar de gorado o projeto, para Marta Ramos, diretora executiva da Associação ILGA Portugal - Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo, este é um assunto que não se pode deixar esquecer depois da polémica passar.

Apesar da ILGA não ter estado envolvida no processo, a ativista não deixa de frisar que "é importante que surjam propostas" para comemorar "de forma visível e permanente o 17 de maio", dia em que a Organização Mundial de Saúde retirou a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças em 1990, tendo, por isso, sido escolhido para ser o Dia Internacional de Luta contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia.

Para Marta Ramos, "não basta um mero hastear de bandeira" para celebrar esta data, urgindo a diretora do ILGA por "visibilidade constante destas questões, porque vivemos num país onde ainda há muita homofobia, transfobia e bifobia", sendo necessário contrariá-las "com sinais visíveis e públicos de que sabemos que as pessoas [LGBT] existem e que estamos cá para elas".

Sendo uma data que também se passou a celebrar a nível nacional, para a diretora da associação, uma iniciativa deste género “deveria ter acontecido em Portugal há muito tempo”, pelo que “chegou mais do que altura que Lisboa e várias cidades do país tenham marcos públicos e visíveis”. É por isso que Marta Ramos pede “compromisso das entidades públicas” para apoiar iniciativas de “visibilidade permanente”, especialmente tendo em conta que Portugal é “um dos países europeus com mais reconhecimento de direitos e mais igualdade na lei”.

Perante a necessidade de procurar por alternativas, Marta Ramos recorda que outro tipo de moldes já foi aplicado, desde os semáforos com casais do mesmo sexo em Viena e Madrid, até a vários memoriais de vítimas LGBT de opressão e homofobia em cidades como Berlim e Amesterdão, ao qual se junta o de Lisboa, no Jardim do Príncipe Real. Para a diretora, “faltam outro tipo de iniciativas pela cidade toda, porque as questões não se dividem, a comunidade LGBT está em todo o lado”.