Durante o dia, as forças de segurança temiam dezenas de novas mobilizações racistas e islamofóbicas e possíveis atos violentos, especialmente contra mesquitas e hotéis que abrigam migrantes. Mas, desta vez, foram os manifestantes antirracistas que tomaram as ruas de numerosas cidades britânicas, inclusive protegendo centros de ajuda a migrantes perante possíveis confrontos.
"Vivo no bairro e não queremos esta gente [de extrema direita] nas nossas ruas... Não nos representam", disse à AFP Sara Tresilian, uma mulher de 58 anos que participou numa marcha no bairro londrino de Walthamstow.
Milhares de pessoas, muitas com bandeiras palestinianas, reuniram-se nesta região do nordeste da capital britânica, onde se previa uma marcha de extrema-direita.
Liderados por ativistas da associação Stand Up To Racism, os manifestantes entoavam slogans como "De quem são as ruas? São nossas!" e exibiam cartazes que diziam "Detenham a extrema-direita" e "Refugiados, bem-vindos".
O país vive há uma semana manifestações violentas convocadas, segundo as autoridades, por grupos de extrema-direita em resposta ao ataque mortal com faca contra três meninas de entre 6 e 9 anos em uma festa em Southport, no noroeste da Inglaterra.
Os distúrbios foram alimentados por rumores e especulações na internet sobre a identidade do suspeito, falsamente apresentado como um requerente de asilo muçulmano. A polícia informou, no entanto, que o suspeito era um jovem de 17 anos nascido no País de Gales.
"A comunidade é muito forte aqui"
Do balcão do seu restaurante de comida de rua asiática, Assad respira aliviado ao ver a multidão reunida em Walthamstow. "Estávamos inquietos" dada a possibilidade de violência racista, admite.
"É algo que não se espera em Londres. Somos um restaurante gerido por migrantes, muçulmanos também. O ponto positivo é que a comunidade é muito forte aqui", acrescenta.
Maz, um homem de 40 anos que prefere não dar o seu apelido, compareceu com outros muçulmanos da região. "Vivemos aqui, estamos aqui uns e outros porque esses racistas dizem que querem destruir a nossa comunidade", explica. "Por isso estamos aqui para manter a paz", continua o homem, que também ostenta uma bandeira palestiniana.
Em comunicado, o responsável de operações de manutenção da ordem da Polícia Metropolitana, Andy Valentine, agradeceu à população "por se ter reunido na capital e ter mostrado um espírito de comunidade esta noite".
As cenas repetiram-se noutras cidades britânicas como Birmingham, no centro da Inglaterra, onde centenas de pessoas reuniram-se em frente a um centro de ajuda a imigrantes.
Em imagens gravadas pela AFP é possível ouvir palavras de ordem como "Vamos dizer em alto e bom som, os refugiados são bem-vindos aqui". Alguns exibiam cartazes com o slogan: "O fascismo não é bem-vindo."
Também foram organizadas manifestações em Bristol, no oeste, e em Liverpool, no norte, junto de um edifício de uma associação de ajuda aos solicitantes de asilo. Além disso, houve mobilizações em Brighton, no sul, em Sheffield e Newcastle, no norte, e em Oxford, no centro.
A noite foi maioritariamente tranquila, mas houve tensões esporádicas em lugares como Aldershot, no sul, onde a polícia teve de se interpor entre militantes antirracistas e um grupo de pessoas contrárias aos migrantes, segundo a agência PA.
O governo trabalhista de Keir Starmer tinha ordenado o destacamento de um forte dispositivo policial, com 6 mil efetivos especializados na manutenção da ordem mobilizados esta semana perante possíveis distúrbios.
Desde o início da crise, as autoridades efetuaram mais de 400 prisões e mais de 120 pessoas foram indiciadas, segundo a procuradoria. Alguns já tinham sido condenados judicialmente.
"Aqui está a ação rápida que tomamos", disse Starmer, que apresentou diversas mensagens de firmeza contra os organizadores da extrema-direita.
A crise sacode a opinião pública do país. Segundo uma sondagem publicada pelo instituto Savanta nesta quarta-feira, 67% dos britânicos preocupam-se com o crescimento da extrema-direita. Mas outro levantamento do instituto YouGov assinala que a imigração é o principal desafio do Reino Unido para 51% dos entrevistados, o nível mais alto em quase dez anos.
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