O presidente da APS, Galamba de Oliveira, em declarações à Lusa, admite mesmo que, se não for produzida legislação nacional, as seguradoras venham a ter de privar segurados do acesso a prestações de saúde cobertas e apenas por impedimentos no acesso aos dados de saúde, como exames médicos, consultas ou cirurgias, e fazerem os respetivos reembolsos.
O novo regulamento europeu, em vigor há dois anos, começa a ser aplicado sexta-feira na União Europeia, incluindo em países que não concluíram legislação a concretizar essa aplicação do regulamento, como Portugal, e deixando em aberto questões como o acesso a dados pessoais de falecidos ou o acesso a dados de saúde de segurados sem expresso consentimento.
A APS argumenta existirem 2,5 milhões de apólices de seguros de saúde em Portugal e mais um milhão de apólices de seguro de vida, a maioria associadas a contratos de crédito à habitação, números que diz tornarem “impossível” confirmar, tal como exige o regulamento, se esse consentimento cumpre os requisitos legais.
Se o Governo demorar a legislar, ou se quando legislar não prevenir estas dificuldades do setor segurador, a associação admite a possibilidade de as companhias se virem forçadas a enviar a todos os clientes pedidos de confirmação de acesso aos dados e, aqueles que não responderem, “privarem do acesso a prestações normalmente cobertas” pelo seguro.
“A exigência do consentimento expresso e a não obtenção desse consentimento pela seguradora, até por simples inércia do seu cliente, que se espera venha a afetar uma enorme quantidade de contratos, levará porventura à não renovação automática desses contratos e à suspensão da gestão de sinistros”, admite a APS naquele parecer.
A associação adianta que, no limite, as seguradoras - para evitarem as multas por incumprimento do regulamento, que podem chegar a 4% da faturação ou 20 milhões de euros - acabem por decidir apagar os dados pessoais de segurados que não consentiram acesso aos seus dados pessoais.
Estes “constrangimentos à gestão dos contratos e dos sinistros”, acrescenta a associação no parecer ao Governo, vão penalizar não só as organizações “mas também, de forma muito evidente, os tomadores, segurados e beneficiários”.
Nas próximas semanas, enquanto esperam a publicação da lei nacional, as seguradoras vão manter os procedimentos anteriores, mesmo que ilegais, no que respeita aos seguros facultativos, como os de saúde ou de vida, uma vez que o acesso a dados pessoais quanto a seguros obrigatórios - como os de acidentes de trabalho ou automóvel - é legitimado pela própria lei ou pelo contrato.
“Neste momento vamos continuar a operar com os mesmos processos e procedimentos, com as mesmas preocupações em termos de privacidade e confidencialidade dos dados, tal como temos feito nos últimos anos”, tranquilizou Galamba de Oliveira, reconhecendo no entanto não ter base legal que legitime esse tratamento.
Problema ainda mais complicado, face ao proposto pelo Governo no projeto em discussão pelos deputados, é o dos seguros de vida e do acesso das seguradoras aos dados de saúde de pessoas falecidas, uma vez que é a partir da morte do segurado que os beneficiários desses seguros têm direito a compensação e são persuadidos pelas seguradoras a solicitar elementos sobre a saúde do falecido.
O regulamento não protege diretamente os dados pessoais de pessoas falecidas, mas admite que o legislador nacional o faça, tendo em Portugal o Governo optado, na proposta legislativa em discussão pelo parlamento, por proteger esse acesso dando o exercício do consentimento a alguém designado pela pessoa falecida “ou, na sua falta, pelos respetivos herdeiros”.
Mas este exercício pelos herdeiros não agrada à Comissão nacional de Proteção de Dados que, no seu parecer ao projeto do Governo, recorda que Portugal tem um Código Civil que protege os direitos de personalidade depois da morte, entre os quais o direito à privacidade, e que o acesso a dados sensíveis como os de saúde revela dimensões da vida privada.
A presidente da comissão, Filipa Calvão, em declarações à Lusa defendeu existir o risco de, através da lei nacional, permitir o acesso a dados de saúde pelos familiares para efeitos de seguros, uma solução que as seguradoras seguem há muito tempo, exigindo aos beneficiários dos seguros dados de saúde para comprovar a causa da morte ou que à data da celebração do seguro não padecia da doença que causou a morte.
“Isto é uma porta que fica aberta para exigir aos familiares que obtenham essa informação e legitima” esse tratamento de dados, conclui Filipa Calvão.
Em Portugal, as seguradoras acedem a dados clínicos de subscritores de seguros de vida, após a morte deles, com base em cláusulas de autorização colocadas no meio dos contratos de seguro, clausulas, mas sentenças dos tribunais têm recordado que em Portugal nem a seguradora nem o beneficiário podem obter livremente elementos relativos à saúde e causa de morte do segurado.
Se a Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), de 2007, permite às seguradoras aceder a dados de saúde de utentes das unidades públicas (Serviço Nacional de Saúde e hospitais com parceria público-privada), desde que autorizadas pelo titular ou revelador de interesse pessoal, direto e legítimo, por outro lado a Lei de Proteção de Dados, de 1998, limita o acesso por terceiros ao consentimento expresso do titular, informado e consciente da finalidade do tratamento dos dados.
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