É vice-presidente da Associação Brasileira da Proteína Animal (APBA) e diz que está tudo bem entre o Brasil e a União Europeia. Desde que a UE não mexa no sistema de quotas estabelecido. Embora seja o Reino Unido, que agora deixa a União, o principal destinatário da carne brasileira. Matou, vai ter que comer. Ah, e também é bom que a UE se deixe de exigências quanto a formas de produção; afinal, o Brasil tem condições naturais para produzir mais e melhor de forma sustentável. Por causa disso, já está uma queixa na Organização Mundial do Comércio contra a União Europeia e contra as Filipinas. Mas está tudo bem, insiste Ricardo Santin.
O que é que o Brasil tem contra a União Europeia? Falo concretamente no sector da carne de frango e de suíno.
O Brasil não tem nada contra a União Europeia, muito pelo contrário. Somos muito agradecidos à parceria que temos com a União Europeia há muitos e muitos anos. Eu, inclusivamente, sou um cidadão europeu, tenho dupla nacionalidade, cidadania italiana, e tenho familiares na Europa, em Itália. Não temos nada contra a Europa, o que temos é contra alguns procedimentos da UE para proteger o mercado, contra as regras da Organização Mundial do Comércio. E sempre que houver este tipo de procedimento, o Brasil vai agir seriamente. Contra a União Europeia ou contra os países ajam fora das regras do jogo.
Por exemplo?
O Brasil paga na União Europeia a maior taxa nestes produtos. Porque a Europa estabeleceu um programa de quotas e, fora das quotas, a tarifa é mais cara do que o preço do próprio produto. A Europa ajudou-nos, como ajuda o mundo inteiro e alguns países em vias de desenvolvimento, a melhorar os níveis de qualidade. Mas o que vemos é que a União Europeia tem muita coisa contra o Brasil quando quer proteger um mercado que se tornou ineficiente com o passar do tempo. O Brasil foi ganhando competitividade naturalmente, não temos culpa de ter um clima ameno que permite produzir com pouca utilização de energia, por exemplo.
Ouvi-o dizer que se fosse para praticar dumping fora, o Brasil teria dentro muitos pobres a quem dar de comer...
Sim. O Brasil não faz dumping.
não é justo que a Europa, que tem um nível médio de salário elevado, entenda que só pode comer ovo de galinhas criadas ao ar livre e faça o mundo passar fome e não se preocupe com isso e só se importe que a galinha seja feliz e tenha jaulas melhoradas
A questão é esta: é ou não justo a União Europeia exigir a países terceiros, como o Brasil, as mesmas regras que exige aos seus?
Não, não é justo. Sou vice-presidente do International Poultry Council. Muitas vezes brigamos contra as regras da Europa, não porque o Brasil e os Estados Unidos tenham algum problema em cumpri-las, mas porque elas vão para o codex alimentar, vão passar pelo mundo inteiro. E vão ter problemas na África, na Ásia, na América Central e noutros países. E não é justo que a Europa, que tem um nível médio de salário elevado, entenda que só pode comer ovo de galinhas criadas ao ar livre e faça o mundo passar fome e não se preocupe com isso e só se importe que a galinha seja feliz e tenha jaulas melhoradas. O bem-estar animal não é uma regra simples, é um conjunto de regras que fazem com que o animal viva o mais próximo possível do seu comportamento natural. Não é, como vi em alguns pontos das Europa, galinhas ao ar livre com relva artificial e árvores de plástico.
Onde viu isso?
Não vou dizer onde, mas vi. Vi o desenho numa feira. É absurdo. Toda a gente sabe que se criar uma galinha ao ar livre numa semana ela come todo o pasto e fica só a terra. Quem é do campo sabe. Então, a Europa tem de fazer as suas regras e as regras têm de ser respeitadas por quem quer exportar para a Europa. Agora, as regras da Europa têm de estar dentro das regras da OMC, não podem ser regras de voluntariedade, têm de ter base na ciência. O que existe é a vocalização de um sector determinado na Europa que está atrasado no mundo, que quer receber subsídios europeus. E a Europa tem de escolher: vai optar pelo sector da saúde ou por ter as vaquinhas as pastar ao ar livre. Além disso, a União Europeia ainda não está a discutir a sustentabilidade. Se estivesse, então eu dizia para vir comprar carne ao Brasil, que é mais sustentável. Repito: não temos nada contra a Europa. Só estamos a dizer à Europa, à Nigéria, à Indonésia, a todos os países do mundo que o Brasil não é melhor que ninguém e tampouco pior. Temos uma qualidade de produção ao nível das melhores do mundo.
Como se pode dirimir este conflito?
Eu, como responsável do sector, digo que o Brasil não é proteccionista nesta área. Somos abertos. Ainda ontem comemos pata negra que vem de Espanha. Mas não posso exportar para a Europa a carne de suíno brasileira porque a UE diz que não reconhece o meu sistema de controlo (a segregação de ractopamina). No entanto, exportamos 100 mil toneladas para a China e 130 mil toneladas para a Rússia em sistema de segregação de ractopamina e funciona. Isto sim, é proteccionismo. Se quiserem vir vender frango no Brasil, são muito bem-vindos. Peçam equivalência, nós vamos verificar as plantas. Queremos a mesma exigência. Claro que o Brasil como um todo é protecionista, como a Europa como um todo é proteccinista. Mas somos protecionistas noutros sectores, e a Europa é protecionista na agricultura.
O director-geral da OMC, Roberto Carvalho de Azevedo, é brasileiro. Em que medida é que esta condição tem ajudado a resolver questões que vão opondo o Brasil a outros países?
O Dr. Roberto Azevedo é um grande director/presidente da OMC, tanto que foi reeleito recentemente. A ajuda ao Brasil é apenas a facilidade de acesso por falarmos a mesma língua e por ele atender convites como o que fizemos para participar no Salão Internacional de Avicultura e Suinicultura (SIAVS). Nada mais. O Dr. Roberto não conversa sobre problemas da OMC e quando perguntamos o que pensa responde: “Não me perguntem isso. Sou juiz, a decisão vai sair da minha entidade.” Mas facilita. Para o Brasil é um grande orgulho ter o director/presidente da OMC e o director/ presidente da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) e, agora, o director-coordenor do Codex Alimentar, todos brasileiros. Isto mostra ao mundo que o Brasil é protagonista nestas áreas e tem bons valores, já não somos um país que corre atrás dos outros. Temos tecnologia e ciência, um ministério que mantém a sanidade e a seriedade. Estamos entre os melhores do mundo para discutir ideias e é um orgulho ver estas questões serem debatidas em português, o resto do mundo a ter de aprender a dizer “bom dia” e “obrigado”.
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