Diz que entrou para a política por causa dos filhos. E garante que as políticas propostas pela Iniciativa Liberal não são drásticas e estão testadas com êxito noutros países da Europa. "Radical", considera Rui Rocha, "é o estado a que o país chegou, com as urgências fechadas, com listas de espera de anos para uma cirurgia, com milhares de alunos sem professores. Radical é deixar os filhos ir para fora e ficar de mãos atadas a ver".

Quanto a acordos parlamentares, tudo depende "do caminho de aproximação às transformações que defendemos que o PSD esteja disponível para fazer". Mas uma coisa é certa: "Não viabilizamos um governo do PS. Votamos contra um governo do PS, contra orçamentos do PS".

Sem esclarecer completamente onde se situa o partido em matéria de questões identitárias e de género, Rui Rocha explica a visão da IL para o país, dos cheques creche ao plano de recuperação de aprendizagens, que passa pela contratação de professores reformados, do médicos de família para crianças até aos nove anos, grávidas e maiores de 65 anos à reforma fiscal ou do sistema eleitoral.

Esta será a primeira prova de fogo de Rui Rocha desde que assumiu a liderança da Iniciativa Liberal, que no dia 10 de março espera conseguir crescer 50% em número de deputados na Assembleia da República, passando para 12.

O programa da Iniciativa Liberal começa com uma mensagem para os jovens. Mas, de certa forma, continua a olhar para trás: na saúde discute os médicos em vez do código genético, na educação discute os direitos dos professores em vez das novas tecnologias, fala de bancos e deixa fora as fintech. Os políticos novos nasceram velhos?

Não se trata disso. Agora, temos de ter um programa eleitoral que trate das coisas comuns e que preocupem os portugueses. É óbvio que o caminho é este de que falamos, da Inteligência Artificial, da modernização, da digitalização, da desmaterialização, tudo isso é muito importante.

Temos lá algumas questões relativamente a esta parte, mas é óbvio que o grosso do programa é mesmo virado para as questões atuais e os problemas concretos que estão a afligir os portugueses.

Estas coisas também podem facilitar e melhorar a vida dos portugueses. No entanto, nunca ouvi a palavra blockchain na Assembleia da República.

Mas tenho falado muito de Inteligência Artificial como forma de modernização do país, da administração pública. E, de momento, o nosso foco relativamente a essas questões é algo estrutural e muito importante para nós, que é a questão das liberdades, de que modo as liberdades individuais devem ser preservadas num mundo que está em mudança, em que nós não conseguimos ainda antecipar aquilo que é o ponto onde vamos chegar com todas estas questões. O programa tem um conjunto de pré-determinações que vão muito no sentido de defendermos sempre a liberdade individual em qualquer contexto tecnológico.

"A base da nossa posição política é a liberdade individual. Com isso afastamo-nos da esquerda nos coletivismos, de todos esses rótulos e etiquetas que insistem em colocar às pessoas"

Onde se situa a Iniciativa Liberal no espectro político em matéria de valores?

A Iniciativa Liberal situa-se no futuro e é isso que às vezes não é possível entender e por isso nos querem colocar à direita, à esquerda, dentro de categorias muito rígidas. Acho que a forma mais evidente de dizer isto é que a base da nossa posição política é a liberdade individual. Com isso afastamo-nos da esquerda nos coletivismos, de todos esses rótulos e etiquetas que insistem em colocar às pessoas. Para nós cada ser humano é único e partimos da relevância individual de cada um.

É importante saber, por exemplo, o que pensa a Iniciativa Liberal de questões identitárias, porque estão no parlamento e é aí que legislam políticas.

Mas comecei precisamente por dar resposta a isso, é que nós não temos essa visão das identidades, dos rótulos, das etiquetas. Cada ser humano é único com as suas características intrínsecas.

Sim, mas insisto: para saber que leis vai fazer sobre adoção, questões de género ou touradas, precisamos de saber onde se situa a IL.

Mas nós partimos do princípio de que a lei deve ser geral e abstrata e é essa a nossa posição de base. Quanto às políticas identitárias, estamos do outro lado, queremos políticas que salvaguardem e defendam e tratem as questões a partir de uma conceção individual.

A IL tem no programa cinco grandes objetivos: menos impostos, um salário médio de 1.500€ líquidos por mês, médico de família para todos acima de 65 anos, grávidas e crianças até aos nove anos, 82,5% de resultados positivos nos testes PISA, 250 mil novas casas e redução no tempo de tramitação de processos nos tribunais. Quanto custa o programa da IL?

Algumas destas medidas não têm nenhum custo para o Estado. Quando estamos a dizer que se vão construir casas, estamos a falar de construção privada.

Não colocam aqui uma bolsa de habitação pública?

Não, isso estará nos programas em que tiver de estar, no Orçamento do Estado, no PRR, onde há provisão para esse efeito. Aquilo de que estamos a falar é de habitação construída por privados.

Mas, respondendo globalmente à pergunta, o nosso programa fiscal implica uma redução de receita que não vai além de 5.000 milhões de euros. Portanto, é este o valor da receita fiscal que a Iniciativa Liberal tem com o conjunto das suas medidas.

Desde logo, olhando para este valor e 5.000 milhões de euros, é preciso dizer o seguinte: se o dinheiro deixa de estar no bolso do Estado e passa a estar no bolso das pessoas, não desaparece. Portanto, há um efeito de recuperação de receita fiscal, porque em Portugal, ainda mais do que noutros países, se as pessoas tiverem ao fim do mês mais 100€ líquidos no bolso, vão afetá-los imediatamente a consumo. Nas nossas contas, essa recuperação vale 1.500 milhões de euros.

O que quer dizer que estamos aqui com um valor de 3.500 milhões de euros. E para isso há dois números muito importantes, duas rubricas no Orçamento do Estado, os 'consumos intermédios' e 'outras despesas do Estado', que, tudo junto, vale mais de 30 milhões de euros.

"A despesa total do Estado é de 123 mil milhões de euros para 2024. Seria possível, na nossa opinião desejável, que se cortasse 2,8% [quase 3.500 milhões de euros]"

É aí que vão cortar?

O que dizemos é: é ou não possível haver uma redução desta despesa? Olhe, começámos por falar da Inteligência Artificial, da modernização, tudo isso. É ou não possível olhar para a despesa nestas duas rubricas e assumir, como fazem nas empresas, um programa de modernização que nos permita poupar 15% para tentarmos resolver este tema e diminuir a asfixia das famílias?

Mas há outro número também muito relevante, que é o da despesa total do Estado, que é 123 mil milhões de euros. Olhando para esta despesa prevista para 2024, seria possível, na nossa opinião desejável, que se cortasse 2,8% [quase 3.500 milhões de euros], mais uma vez com estes instrumentos todos que temos hoje à nossa disposição. E basta estes 2,8% de contenção.

Mas há ainda um outro número, relativamente a esta grandeza da despesa do Estado, os 123 mil milhões, é que esta despesa aumentou 10 mil milhões de 2023 para 2024. Portanto, o que estamos a dizer é que mesmo com a redução de 3.500 milhões na receita estaríamos bem abaixo da despesa de 2023.

Ora, nem o Estado acabou em 2023 com a despesa que tinha na altura, nem é previsível que acabe quando a despesa ainda cresce, mesmo com a contenção que a Iniciativa Liberal traz, em 2024. A questão é que sempre que se quer fazer um aumento da despesa do Estado nunca se pergunta às famílias onde vão cortar para suportar essa despesa.

Queremos fazer ao contrário do que se tem feito; o Estado tem de fazer um esforço, que é um esforço relativamente contido, para, por uma vez, aliviar as famílias.

Além do mais, temos uma proposta de simplificação de processos, da qual também há de resultar contenção. Mas temos de apostar na tecnologia. No PRR há uma verba, não quero afirmar com certeza absoluta, mas creio que é de 5.000 milhões de euros [é de 676 milhões] para modernização. Temos de ter efeito dessa modernização administrativa do Estado.

Rodrigo Mendes | MadreMedia

Uma provocação: criar uma task force para simplificar procedimentos e ver onde é possível cortar custos não é estar, por si só, a burocratizar? Lembro-me da crítica da IL ao governo por criar muitos grupos de trabalho.

Sim, mas nós somos contidos, não quisemos criar muitas [task forces], só mesmo aquelas estritamente necessárias, porque achamos que o valor da utilidade que se retira trará mais vantagem.

A IL propõe, pelo que percebo, deixar de fixar o salário mínimo por decreto. Que mecanismo alternativo propõe, pode explicar?

Aquilo que estamos a propor no nosso programa eleitoral é trazer para Portugal o que é a orientação a nível europeu em termos de salário mínimo, fazer essa antecipação. Que é fixar-se um valor de referência com base em custo de vida, inflação, produtividade e, na visão da Iniciativa Liberal, colocando aqui a questão da dignidade.

Todos queremos que os portugueses vivam melhor do que vivem hoje, não se trata de discutir o valor do salário mínimo. Trata-se, sobretudo, de fazer crescer a economia, para não estarmos sempre a falar de salário mínimo, que muita gente recebe, infelizmente, e termos mais gente com salário médio mais alto, que é aquilo que queremos.

"O licenciamento de uma atividade económica pode demorar três anos ou quatro anos, mesmo em áreas fundamentais para o crescimento sustentável. A instalação de uma central de energia fotovoltaica pode ter de passar por 30 departamentos diferentes"

Na nossa visão há a fixação de uma referência a nível nacional e as majorações sobre este valor de referência devem ser discutidas a nível setorial. Porquê? Porque os diferentes setores têm um valor acrescentado distinto e têm a possibilidade de ter salários de referência mais altos ou mais baixos a partir da referência. Portanto, não estamos a dizer que há aqui qualquer tipo de regressão com a Iniciativa Liberal, pelo contrário.

O que queremos é que setores que têm hoje já um alto valor acrescentado possam situar-se em negociação coletiva em valores mais altos, garantindo sempre um mínimo, que é um mínimo insuficiente, todos o entendemos, de dignidade que é o salário mínimo nacional.

Mas isso não poderá ter o efeito contrário? E como é que se trabalha a produtividade, por exemplo?

Portugal, vi há pouco tempo dados de 2022, estava no terceiro lugar a contar do fim em termos de produtividade, correspondente a 72% da média da União Europeia. É por isso que queremos apresentar, e apresentamos, propostas para as empresas neste programa eleitoral. Desde logo no licenciamento da atividade económica. Hoje em dia o licenciamento de uma atividade económica pode demorar três ou quatro anos, mesmo em áreas que são absolutamente fundamentais para o crescimento sustentável.

A instalação de uma central de energia fotovoltaica pode ter de passar por 30 departamentos diferentes. E demora quatro anos, ou pode demorar quatro anos, há casos em que demora quatro anos. Um país que quer crescer não pode estar quatro anos à espera para licenciar uma atividade económica, ainda por cima numa área das energias 'limpas'.

Segunda questão, queremos eliminar ou reduzir taxas e taxinhas. Exemplo? Tributações autónomas. Porque tudo isto, as tais quatro mil e tal taxas de que se fala, impedem o crescimento das pequenas e médias empresas. E tem uma consequência até bastante negativa, parece que as empresas hoje em Portugal têm de estar especializadas no entendimento da lei, no conhecimento destas taxas, taxinhas e isenções, e, portanto, têm de estar mais focadas nisto do que no cliente, no preço, no produto, no mix do marketing e na estratégia. E nós queremos as empresas focadas na estratégia e no crescimento.

Por último, a redução de IRC para 12% como taxa base, sendo que a nível europeu a UE impõe para as multinacionais uma taxa de 15% e, portanto, aí teremos de respeitar.

Ainda não transpusemos essa diretiva comunitária para o direito nacional.

Mas lá chegaremos. Portanto, sinal claro para os investidores estrangeiros que hoje olham para uma taxa de 31,5%, que é a taxa estatutária mais alta da Europa, e acabam por não vir. Nós dizemos: venham. Porque precisamos das tais empresas tecnológicas, produtivas, competitivas. E é assim que se faz crescer o salário médio, trazendo empresas.

A questão fiscal é muitas vezes um empecilho. Mas há outros fatores, até de aplicação da lei, que muitas vezes não foi redigida com aquela intenção. Como é que isto se resolve? Porque tem de haver regras.

Há, de facto, uma dificuldade enorme. Se aqui um investidor demora três ou quatro anos e ao lado demora seis meses, escolhe o país ao lado. Depois há outra questão, que é a estabilidade do quadro legal. Não podemos estar sempre a mudar as regras. Por isso, este programa da Iniciativa Liberal é também um compromisso para as empresas de que encontrarão um Estado estável do ponto de vista da regulação e do contexto das empresas.

Uma pergunta que tem a ver com o crescimento sustentável e o futuro de diversos setores: a água é um problema atual, mas já com anos, qual a solução da IL para gerir esta questão?

Temos soluções para o ambiente e para a transição energética. Acabei de apresentar hoje, e publicámos nas nossas redes sociais, um manifesto para o crescimento sustentável da Iniciativa Liberal. Tem várias áreas, uma é obviamente a da água, de que estamos a falar.

Ontem estive no Algarve, estive reunido com a Águas do Algarve e com os agricultores algarvios. E aquilo que estamos em vias de viver no Algarve é uma situação dramática a que nós não devíamos ter chegado, porque chegámos por desleixo e por incúria do governo.

Estamos em vésperas de começar a ver decisões que vão escolher atividades a quem não se vai disponibilizar água suficiente. Portanto, vai começar a ser necessário condicionar muito as atividades. E a escolha será entre o consumo doméstico, que obviamente há de ser a última linha de um racionamento, o turismo, a indústria e a agricultura. E não devíamos ter chegado aqui.

Mas chegámos. E agora, como se resolve?

Há um conjunto de projetos em curso, mas que vão demorar dois ou três anos a ser implementados, mas a urgência só nos leva a querer agir ainda mais depressa. Entendemos que é preciso reforçar a capacidade de armazenamento da água, estamos a falar de barragens, mais barragens, e recuperar a capacidade de armazenamento de muitas das existentes, porque estão assoreadas, demora meses, mas é preciso fazê-lo urgentemente.

Levar água dos sítios onde ela é abundante até aos sítios onde ela é escassa, é também uma obra que demora tempo, trazer eficiência para a distribuição da água, porque se perde muita água da rede hoje em dia, e ter projetos de recuperação de águas residuais.

E a dessalinização? Tinha ideia que também propunham isso.

Onde houver procura e num modelo que propomos que é, se houver privados que queiram avançar com a dessalinização, por nós perfeito, é o seu risco, trazem mais soluções. E diria que é uma solução de emergência, porque tem custos de produção elevados. Ou seja, no Algarve isso já é uma emergência. Entre deixar as pessoas sem água ou ter uma solução que é a da dessalinização, parece-nos que é óbvio que isso faz todo o sentido.

O problema é que já não temos tempo e vamos ter soluções muito dramáticas, e essas não têm soluções a não ser que o tempo nos ajude.

O que significa "reduzir o papel do Estado a regulador", significa acabar com o Estado social?

Não, de todo. Não temos essa visão.

"Há perto de 350 mil portugueses com mais de 65 anos e cerca de 142 mil crianças com idade até nove anos que não têm médico de família"

Que medidas tem a Iniciativa Liberal na área dos apoios sociais?

Vou dar-lhe dois exemplos de medidas que me parecem muito importantes para as famílias. Uma é o médico de família, obviamente com a ambição de chegarmos a todos, mas começando por definir prioridades: para portugueses com mais de 65 anos, grávidas — que está hoje nas prioridades da lei, mas nem sempre é cumprido, por isso quisemos afirmar no programa essa prioridade —, e crianças até aos nove anos.

Quando o atual governo prometeu médico de família para todos também queria concretizar esse objetivo. A IL vai conseguir ultrapassar os constrangimentos que existem? Como?

Definindo prioridades e começando passo a passo vamos lá chegar. Há neste momento perto de 350 mil portugueses com mais de 65 anos e cerca de 142 mil crianças com idade até nove anos que não têm médico de família. O importante é, primeiro, definir as prioridades.

Falamos nestas pessoas porque são aquelas que estão numa faixa que precisa de mais acompanhamento. Obviamente não estamos a alterar as outras prioridades, as pessoas com doença crónica, tudo isso é adquirido.

Por exemplo, para ter estas 142 mil crianças com médico de família, precisamos de cerca de 90 médicos. O SNS tem esta capacidade ou não tem? Se não tem, contratamos o serviço a privados. Agora, o que não podemos é deixar estas populações sem médico de família.

"A segunda medida é o cheque creche de 480 euros para as famílias"

Se não tiverem acompanhamento, estas pessoas acabam por cair nas urgências, porque é a única porta - e, infelizmente, nem todas as portas das urgências têm estado abertas, ainda assim. Mesmo no caso de episódios que não são verdadeiras urgências, porque estamos a dizer às pessoas que as outras portas estão fechadas. Isto é a completa distorção do sistema. Portanto, se começarmos a resolver a montante os episódios mais prováveis, vamos ajudar a que tudo o resto funcione.

Falou em duas medidas. Qual é a segunda?

A segunda medida é o cheque creche de 480 euros para as famílias poderem desde cedo começar a organizar o percurso educativo dos seus filhos.

Esse cheque seria entregue a quem, à creche, à família?

Ao utilizador, à família. Que é uma alteração ao que existe agora, do governo do PS, que tem o programa "Creche Feliz", que garante igualmente creche para todos, mas depois não concretiza. Por dois motivos. Primeiro, há uma precedência no modelo atual, que diz que só se pode recorrer a uma creche privada se não houver vaga no setor social ou no setor público. Isto significa que se eu tenho uma criança de dois anos e tenho uma creche privada, legalizada, auditada, com todas as condições (o Estado é muito eficiente nessa matéria), a 200 metros de casa, mas existe uma vaga no setor social nesse concelho a 15 ou a 20 quilómetros de distância, eu sou obrigado a levar a criança todos os dias para essa creche para beneficiar da medida e não posso escolher a creche ao lado.

Nós dizemos que não é assim. Vamos entregar o cheque às famílias e as famílias escolhem o que lhes convém mais. Outro exemplo, só para terminar. Alguém é de Braga e trabalha no Porto, como aconteceu comigo muitos anos. Se houver uma creche disponível no setor social no concelho de Braga, a pessoa tem de deixar a criança no concelho de Braga, nos tais 15 ou 20 quilómetros, podendo ser muito mais vantajoso levar a criança para uma creche do Porto, no exemplo que estou a dar, ao pé do local de trabalho dos pais. As famílias sabem melhor o que é necessário e o que é eficiente e útil para as suas crianças. Vamos dar essa possibilidade às famílias.

"Não há ninguém que conheça melhor o setor da educação, porque a minha mulher é professora de Físico-Química do ensino público numa escola de Lisboa"

Já que estamos na educação, a IL tem como objetivo que 82,5% dos alunos atinjam resultados positivos no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA). Como?

Não há ninguém que conheça melhor o setor da educação, porque a minha mulher é professora de Físico-Química do ensino público numa escola de Lisboa. Tenho uma noção muito clara do que se passa. Temos de olhar para o curto prazo com medidas de emergência e depois para uma parte mais estrutural do problema.

"Acredito que, podendo acumular pensão e um vencimento de valor predeterminado, até por sentido de missão, é possível ir buscar professores reformados"

No curto prazo, é verdade, não temos professores a muitas disciplinas e a formação demora muito tempo. A medida de emergência é ir buscar professores que já existem, professores reformados.

O PS propõe o mesmo. E os professores querem? E os alunos querem?

É uma boa pergunta. Mas acredito que, de uma forma sempre voluntária, podendo acumular pensão e um vencimento de valor predeterminado, até por sentido de missão, olhando para o país no estado em que ele está, é possível ir buscar professores reformados. Haverá pessoas que já não têm energia para isso, mas haverá outras que ainda se sentem com essa vontade. E podemos não estar a falar de horários completos, mas há muitos horários por aí que não têm professor, de oito, dez, doze horas letivas. É uma solução que vemos como possível e desejável, porque é uma emergência.

Depois, recorrendo até a essa disponibilidade de professores reformados, é preciso um plano de recuperação de emergência. O PS apresentou um quando estava no governo, mas o Tribunal de Contas criticou-o, porque não tinha conteúdo específico nem métricas, não tinha objetivos, não tinha validações, ninguém sabe o que está a acontecer dinheiro ao dinheiro que se está a investir. Depois chegamos ao PISA e a outros instrumentos de avaliação e vemos que as coisas estão a correr mal.

Com o ministro a dizer que aconteceu em todos os países, portanto, sem problema. Concorda?

É um problema de base. Se não se reconhece o problema, se se está sempre na dimensão da propaganda, a negar a realidade, nunca se tomam as medidas. Entendemos que é preciso planos de recuperação a sério, com objetivos bem traçados.

Entendemos, também, que é necessário reintroduzir avaliações de final de ciclo. É a única maneira de medirmos a evolução do sistema. Se não fizermos isso, deixamos andar demasiado tempo e, depois, quando chegamos ao PISA e outros instrumentos, já é muito difícil e já está mais uma geração perdida. É preciso perceber cedo como as coisas estão a correr e ter sinais fiáveis.

Mudando de tema, desde que tomou posse, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henrique Araújo, tem pedido o fim das portas giratórias entre a política e os tribunais. Como o PS e o PSD, a Iniciativa Liberal não tomou uma posição nesta matéria. Porquê, que dúvidas existem?

Isso são medidas que podemos discutir.

"Creio que há aqui uma questão de tempo em relação às portas giratórias no geral. Aqui a questão é o prazo, e, seguramente, não será cinco anos"

Mas é a favor ou contra?

A favor de não haver portas giratórias enquanto tal, enquanto conceito, estamos inteiramente de acordo. Aquilo que aconteceu quando Mário Centeno saiu do governo e imediatamente foi para uma função de regulação [governador do Banco de Portugal], isso estamos absolutamente contra.

Mas agora estou a falar dos juízes que vão para a política e voltam para os tribunais. E queria uma clarificação: sim ou não?

Creio que há aqui uma questão de tempo em relação às portas giratórias no geral. Se me disserem que alguém que esteve na política durante cinco anos não pode regressar a uma atividade, parece-me exagerado. Porquê, porque então não vamos ter pessoas na política. Há de haver aqui um prazo, um prazo razoável, em que não haja uma transição imediata, mas que haja uma transição com um período de nojo sensato.

Porque eu quero que haja pessoas decentes, que exercem com dignidade na política. Se eu impedir as pessoas que trabalham em política de regressarem às suas funções, estou a afastar pessoas [capazes]. Portanto, aqui a questão é o prazo, qual é o prazo de equilíbrio, e, seguramente, não será cinco anos.

Mas, mais do que isso, temos uma visão sobre o combate à corrupção muito própria. Por exemplo, nomeações. Defendemos obviamente nomeações por mérito, quem é nomeado por favor está mais disponível para fazer um favor a quem o nomeou, e temos até propostas de que reguladores sejam recrutados internacionalmente, por concursos internacionais, como se faz noutros países.

A simplificação que defendemos é muito importante para combater a corrupção, porque o negócio dos corruptos é a burocracia.

A verdade é que não se consegue fazer passar na Assembleia da República uma regulação tão simples com a do lobbying.

Nós temos uma proposta para apresentar.

Todos têm, mas nunca é aprovado e já foi três vezes a votação.

Certo, e desta vez, de facto, aquilo foi apresentado já no final da legislatura, já se sabia que não havia condições para avançar e alguém quis avançar. Mas nós temos essa proposta pronta para ser discutida, parece-nos que há vantagem em que haja uma regulação.

A quem não comprava um carro em segunda mão? "João Galamba"

Rui Rocha já tinha respondido a este questionário, exatamente no dia em que ganhou a liderança da IL, há pouco mais e um ano. Há algumas diferenças. "Precisamos de ser ambiciosos, não basta dizer que queremos ser a terceira formação política. Oito ou nove por cento não chega para mudar Portugal, que é o que eu quero", disse na altura, "não é fazer cócegas no sistema".

O que fazem ou faziam os seus pais?

A minha mãe era professora, o meu pai era comerciante.

Quem foi o pior primeiro-ministro de todos os tempos?

José Sócrates.

Qual o seu maior medo?

Perder a liberdade.

Qual o seu maior defeito?

Não reconhecer que sou teimoso.

Qual a maior extravagância que já fez?

Neste momento, ter tempo livre.

Qual a pior profissão do mundo?

Creio que será qualquer profissão que não tenha uma remuneração justa, independentemente do que se faz. O sentido de injustiça sobre a compensação que se recebe.

Se fosse um herói de ficção, que personagem seria?

Gosto muito da realidade. Não tenho heróis, nem na realidade, nem na ficção.

Quem não merece uma segunda oportunidade?

Pedro Nuno Santos.

O que o deixa feliz?

Estar com os meus filhos e com a minha mulher.

O que o faz perder a cabeça?

A incompetência.

Qual foi a última vez que se irritou?

Foi na sexta-feira passada, numa repartição pública. Mas contido, irritação para dentro.

Um adjetivo para Marcelo Rebelo de Sousa?

Próximo.

Com quem nunca faria uma aliança?

Neste momento só faria uma aliança com requisitos e com exigências com o PSD.

Mente?

Errr, poucas vezes.

Como se desloca habitualmente?

Uso muito o transporte público. Desde que vim para Lisboa, a primeira ou segunda semana trouxe carro, depois cansei-me. Portanto, uso muito transportes públicos em Lisboa. Comprei passe, na altura, metro, autocarro e, para ir e vir para Braga, comboio.

Tem uma comida de conforto ou de consolo?

Cozido à portuguesa, mas não por causa das couves, é mesmo por causa das carnes e dos enchidos.

A que político não compraria um carro em segunda mão?

João Galamba.

Tem ou teve alguma vez alguma alcunha ou um petit nom?

Nunca tive. Quer dizer, que eu saiba.

"A única maneira de fazer uma transformação do país é que o PSD esteja disponível para fazer o caminho de aproximação às transformações que nós defendemos"

Há pouco falámos das propostas da IL a nível da fiscalidade. Algumas são semelhantes às do Chega. Por que motivo preferem nem considerar um acordo, quais são as alianças possíveis e impossíveis para a Iniciativa Liberal?

Queremos que a partir do dia 10 de março haja uma transformação do país. Não basta mudar o governo, é preciso mudar o país. E isso numa formulação positiva sobre com quem nos entendemos ou não, o que dizemos é que a única maneira de fazer uma transformação do país, não ganhando a Iniciativa Liberal as eleições, é que o PSD esteja disponível para fazer o caminho de aproximação às transformações que nós defendemos.

"Não há forma de entendimento com quem quer uma TAP nacionalizada"

Há pouco falei do partido que parte do indivíduo, que preza a propriedade privada e que combate o estatismo. Ora, além de considerações próprias que vêm do indivíduo, do valor do indivíduo, e que, portanto, estão ao nível da dignidade humana, e que nos afastam para o polo aposto do Chega, essa visão de sociedade civil forte, iniciativa privada forte versus estatismo, também nos afasta do Chega, porque o Chega apresenta as propostas mais estatistas que se possa imaginar.

Portanto, não há nada de comum. Não há nenhum ponto a negociar com alguém que diz que a TAP é estratégica. O que é que quer dizer com a TAP é estratégica nós já aprendemos há muito tempo, é dinheiro a sair do bolso do contribuinte. Não há forma de entendimento com quem quer uma TAP nacionalizada. Nem, por exemplo, com aquela proposta muito mais recente e que se tornou famosa, de atualização das pensões para o nível do salário mínimo. Não que não tenhamos todo o interesse e vontade que as pessoas vivam bem em Portugal, mas primeiro temos de trazer crescimento económico.

Tivemos uma bancarrota há bem pouco tempo, não crio que estejamos em condições de querer outra nos próximos anos.

"Não viabilizamos um governo do PS. Votamos contra um governo do PS, contra orçamentos do PS"

Pergunto-lhe se a Iniciativa Liberal está disposta a votar leis com as quais assumidamente não concorda para afastar o PS do poder?

O que mantém o PS e a esquerda afastados [do poder] é, primeiro, uma votação na Iniciativa Liberal forte nas próximas eleições e, por outro lado, se o Chega, de alguma maneira - por exemplo porque deita abaixo um governo minoritário da Iniciativa Liberal e do PSD -, colocar o PS na possibilidade de formar governo outra vez. Espero que não, porque seria mais do mesmo e representaria um atraso claro para o país.

Não viabilizamos um governo do PS. Votamos contra um governo do PS, contra orçamentos do PS. Tivemos em três décadas 21 anos de governação do PS, oito anos mais recentemente.

Porque é que a Iniciativa Liberal não se juntou à AD ou ao PSD e CDS antes de ser AD?

Porque nós somos um partido muito diferente, quer na forma como encaramos o rigor no exercício de funções políticas, e isso ficou bem patente no episódio da Madeira, quer porque, de facto, temos uma proposta política muito diferente. Somos mais ambiciosos, somos mais intensos, somos mais ligados ao futuro, o PSD perdeu essa energia reformista.

Repare, agora que temos os debates, se tivéssemos ido numa coligação não estaríamos a defender um modelo económico e social liberal para Portugal porque isso ficaria diluído num programa eleitoral que não ia ter esta dimensão liberal que queremos. E nós queremos mesmo falar com o país, desafiar o país, trazer esta ambição para o país e, portanto, tínhamos mesmo de ir com as nossas propostas e os nossos candidatos.

Sobre essa mudança radical para o país, não seria preferível uma mudança em doses mais homeopáticas, tendo em conta a aversão que os portugueses têm à mudança?

A maior parte das nossas soluções são soluções que estão testadas em muitos países europeus. Portanto, não estamos a dizer para Portugal nada que já não exista. Por exemplo na saúde, o modelo alemão.

Também posso dizer que Itália tem um governo com forças da extrema-direita de quem se dizia o diabo, e que se moderaram quando chegaram ao poder.

Percebo isso, mas não temos necessidade de moderação, queremos é trazer aquilo que de melhor se faz na Europa nas nossas propostas porque entendemos que o que é radical é o estado a que o país chegou, com as urgências fechadas, com listas de espera de anos para uma cirurgia, com milhares de alunos sem professores. Isso é o radicalismo e disso não queremos mais. Radical é deixar os filhos ir para fora e ficar de mãos atadas a ver. Vim para a política por causa dos meus filhos, porque entendo que tenho de fazer alguma coisa para que eles tenham um país com futuro.

"Propomos a criação de um círculo nacional de compensação. Mas temos uma visão mais ampla e ambiciosa, que passa também pelos círculos uninominais"

Estava a provocá-lo.

E temos de fazer, de facto, reformas profundas. Nós apresentamos três reformas muito importantes: uma do IRS, que nos caracteriza e que é a nossa imagem de marca [flat tax de 15%], uma reforma estrutural na saúde e uma reforma do sistema eleitoral. São três reformas que não foram aprovadas, mas que trouxemos para o debate e das quais não desistimos.

Vamos começar então pela reforma do sistema eleitoral. Qual a proposta da IL?

Propomos a criação de um círculo nacional de compensação. Mas temos uma visão mais ampla e ambiciosa, que passa também pelos círculos uninominais. Mas o mínimo era o círculo de compensação. Não podemos perder em cada eleição, como aconteceu nas últimas legislativas, 700 mil votos. Quando é que vai soar o alerta, é quando chegarmos ao milhão de votos perdidos?

E depois dizemos que queremos combater a abstenção, que queremos que os jovens participem. Mas como, se lhes dizemos que o seu voto não conta para nada, não vais eleger ninguém, como é que vamos dizer às pessoas para irem votar nestas circunstâncias? Mas são exemplos dessa mudança estrutural - e em algumas delas o PSD votou contra. Porque é que vamos sozinhos? Porque queremos mesmo falar destas coisas.

Qual o objetivo da IL para estas eleições?

Crescer 50% em número de deputados.