A ativista Uyghur, Rushan Abbas, tem feito da luta pelo seu povo a sua luta. Passou a ser ativista a tempo inteiro no dia em que o governo chinês levou a sua irmã para a um campo de reeducação para a calar. Ameaças de morte, ataques e sofrimento fazem parte do seu dia, mas diz ao SAPO24 que supera tudo por causa do amor. E deixa um alerta ao ocidente, ou age contra a China ou a China continuará a agir contra si.
Rushan Abbas
Milhares de Uyghur são detidos diariamente e levados para campos a que o governo chinês chama de “centros de reeducação”, mas segundo o que Rushan Abbas conta ao SAPO24, e que diversas organizações de direitos humanos confirmam, lá dentro ocorre doutrinação política, trabalho forçado e outras violações graves dos direitos humanos, como esterilizações de mulheres e abortos forçados.
Rushan Abbas não poupa nas palavras, "é um genocídio". O povo Uyghur, na região de Xinjiang, enfrenta uma repressão sistemática que visa apagar a sua identidade cultural e religiosa. Fora dos campos, esta política inclui vigilância massiva e medidas para impedir a prática religiosa - a simples posse de um Corão é proibida - e a língua Uyghur, e tem sido descrita como uma tentativa de assimilação forçada e controlo sobre uma minoria que, historicamente, preserva as suas tradições e identidade.
Rushan Abbas tem-se destacado como uma voz corajosa e incansável na luta pelos direitos dos Uyghur. A ativista tem conseguido denunciar essas violações e chamar à atenção do mundo para a situação em Xinjiang. Dedica a vida a esta causa desde o dia em que a sua irmã se tornou uma das muitas vítimas das políticas repressivas aplicadas pelo governo chinês em Xinjiang. Foi detida pelas autoridades, depois de um discurso de Rushan Abbas, e desde então está em paradeiro incerto. Rushan Abbas lembra que esta é a realidade vivida por inúmeras famílias Uyghur, que sofrem com detenções arbitrárias e desaparecimentos forçados.
Ao longo da conversa com o SAPO24 partilha a sensação de frustração ao assistir à passividade do ocidente e apela à urgência da mobilização internacional em defesa dos direitos desta comunidade, mas também alerta que em causa estão os valores democráticos ocidentais que estão em risco por causa dos laços com a China.
O SAPO24 conversa com Rushan Abbas dois anos depois de a ativista ter estado em Lisboa a promover o documentário, In search of my sister. E a fazer o que faz todos os dias: entrevistas, participação em fóruns internacionais para pressionar governos e organizações globais a adotarem medidas que protejam os direitos humanos e garantam justiça para os Uyghur. A sua voz não só tem trazido à tona as duras realidades enfrentadas por esta comunidade, mas também inspirado e mobilizado pessoas a lutar contra a opressão e a discriminação.
"Quanto mais tempo o Governo chinês mantiver a minha irmã presa, mais atenção eu vou ter para trazer luz a estas atrocidades"
A última vez que esteve em Portugal foi para promover o seu documentário “In search of my sister”. Ainda tem esperança de a encontrar?
Sim, nós temos muitas pessoas a advogar pela sua libertação. Eu ainda tenho uma esperança profunda porque ela é completamente inocente e o governo chinês está a mante-la presa apenas por causa da repressão transnacional da China. Pelo meu ativismo. E quanto mais tempo o Governo chinês a mantiver presa, mais atenção eu vou ter para trazer luz a estas atrocidades. Dar visibilidade ao genocídio que está a acontecer na China, à tortura, às detenções em massa, às esterelizações forçadas de mulheres, aos desaparecimentos, à violência…Espero que o governo chinês perceba isso e a deixe ir. Acredito que a vão libertar.
O tipo de política de intimidação que têm feito consigo, ao prender membros da sua família, continua a ser prática na China ou mudaram o modus operandi?
Continua porque resulta.
A detenção de membros das famílias dos Uyghur na diáspora, está a funcionar para a China.
Sim, eu não parei de falar, mas quantos Uyghur pararam de falar? Quantos pararam de advogar? Se virmos, há três ou quatro anos quando a detenção massiva começou, tínhamos imensos Uyghur na diáspora a denunciar os membros das suas famílias que desapareciam e a advogar contra o governo chinês.
Mas onde estão agora? Não se vê quase nenhum e as pessoas continuam a desaparecer.
Fazíamos protestos, e tínhamos sempre milhares de pessoas a juntar-se. Fizemos um à frente das Nações Unidas, em Genebra. Outro em Bruxelas, em frente ao Parlamento Europeu, e um em Washington, D.C.. Em todos tivemos milhares de pessoas.
Mas agora há poucos Uyghur nas redes sociais ou nos locais de protesto a advogar pelos Uyghur. É o governo chinês que está a vencer esta guerra porque o ocidente não está a fazer o suficiente para proteger os seus próprios cidadãos da repressão transnacional da China.
Temos estados policiais chineses em todo o ocidente.
"O Governo Chinês está a financiar centenas de milhares de pessoas, inclusive influencers ocidentais, para dizerem que está tudo bem"
Há alguns anos, havia notícias sobre prisões chinesas aqui em Portugal. Surpreende-a?
Não.Continuamos a ouvir histórias sobre diferentes centros de detenção em todo o mundo. Na verdade, nós temos conhecimento que há um nos Emirados Árabes Unidos, no Dubai, e em diferentes partes.
Eu tenho certeza de que não estão apenas a espiar os Uyghur, mas também estão a manipular os sistemas internacionais e os países. Conhece, seguramente, o caso dos 48 Uyghur na Tailândia [Um grupo Uyghur foi detido na Tailândia depois de fugir da repressão chinesa em busca de proteção]. O governo chinês está exigir a sua deportação. E já não é a primeira vez, a Tailândia já deportou 109 Uyghur em 2015. O que lhes aconteceu? Desapareceram, e ninguém fez nada.
O governo chinês continua a sair ileso com tantas práticas ilegais que estão a atingir os Uyghur, os tibetanos e os hongkongers. E ninguém está realmente a fazer nada. Enquanto a desinformação e a propaganda voam pelo mundo inteiro. O governo chinês, por um lado, está a tentar passar a mensagem de que os Uyghur estão felizes, que tudo está bem, que estão a viver vidas felizes. Para isso, está a financiar centenas de milhares de pessoas, inclusive influencers ocidentais, no fundo, para dizerem que está tudo bem.
O governo está a fazer isso, para cobrir e limpar o genocídio. E ao mesmo tempo está a manipular os países por todo o mundo. Fá-lo ao manipular o comércio, por exemplo, com o poder da Iniciativa Belt and Road, [Uma estratégia global de desenvolvimento anunciada pelo presidente chinês Xi Jinping em 2013. O principal objetivo é fortalecer a conectividade entre a Ásia, Europa, África e outras regiões através de investimentos em infraestrutura, comércio e cooperação económica.] e também através da diplomacia. Estão a usar todos os tipos de táticas para se distanciar, e ao mesmo tempo manipulam diferentes países e diferentes entidades…
Como falávamos há bocado, o medo cria apatia e consigo tem sido um impulsionador. Onde é que continua a arranjar forças para lutar?
Perguntam-me isso muitas vezes. No início, eu costumava hesitar. Costumava pensar que não tinha escolha, mas tinha que continuar a lutar. Porque eu falo para milhões de pessoas e... Eu não posso desistir. Eu não me posso dar ao luxo de ficar cansada, dececionada ou frustrada. Tenho que continuar a lutar.
Depois percebi que há algo que estou a reforçar todos os dias com a minha energia: a própria luta. Mas, agora percebi que afinal este é o poder do amor e que isso o governo chinês nunca, nunca entenderá.
O amor que eu tenho pela minha irmã... Eu trago a fotografia dela comigo, dia e noite. Ela está no meu telemóvel. No ecrã do meu computador. Está no meu iPad. Está em todos os lugares para onde eu olho e vejo a cara dela, os olhos dela…
O amor que eu tenho pela minha irmã é o que me mantém... É o que faz com que continue a lutar. Mas também o amor que eu tenho pela minha população, pela minha terra, assim como a amor que eu tenho pela liberdade e pela democracia. Porque a liberdade e a democracia do mundo estão em perigo por causa do governo chinês, da ideologia e das políticas que estão a tentar exportar para o mundo.
Há repressão chinesa em todo o mundo?
Eu cheguei aos EUA há 35 anos, quase 36. Cheguei na primavera de 1989, deixei a minha casa,os meus pais, os meus amigos, a minha família. Deixei tudo. Cheguei a um país completamente estranho. Não conhecia a cultura, não falava muito inglês, e não tinha nenhum membro da família ou ninguém que conhecesse.
"A liberdade e a democracia do mundo estão em perigo por causa do governo chinês, da ideologia e das políticas que estão a tentar exportar para o mundo."
Mas eu encontrei algo aqui que nunca tinha tido. Aqui respeitavam a dignidade humana, a democracia e a liberdade. E agora isso está em perigo.
Continuo a lutar com toda a força, sem desistir, porque o que estou a fazer não é apenas ser a voz para minha irmã ou para os milhares de Uyghur, para os tibetanos, ou para os hongkongers e todos os outros grupos marginalizados nas fronteiras da China.
Também estou a lutar pelo nosso futuro comum. Basicamente, estou a lutar pelas próximas gerações. Para que eles não vivam o que nós estamos a viver. Se não se responsabilizar a China, não se parar a agressão, então serão os nossos filhos e os nossos netos que vão pagar as consequências de um mundo sem direitos, sem dignidade humana, sem liberdade.
Estou a lutar por tudo isso.
Mesmo nos EUA ainda vive com medo?
Sim.
Sim, eu vivo com medo, porque eu estou constantemente a ser a atacada. A invasão, a rebelião nas redes sociais… Recebo ameaças de morte, houve um vídeo que foi lançado a convocar para a minha execução, do meu marido, e dos meus outros colegas.
"Encontrei algo nos EUA que nunca tinha tido. Aqui respeitavam a dignidade humana, a democracia e a liberdade. E agora isso está em perigo."
Estávamos na Bosnia, em Sarajevo, para a eleição do Congresso Mundial, há quase três meses, e eu recebi um e-mail com imagens de metralhadoras e uma fotografia da sala do encontro. A sala em que estávamos. A mesma sala. A mesma sala. Dizia: “Que lugar giro, sei onde estás, e podes escolher uma destas armas”. Basicamente, estavam a perguntar qual é que eu escolhia para a minha execução.
E mesmo nos EUA, eu recebo ataques quando estou a andar na rua.
Dou-lhe outro exemplo, tinha acabado de fazer uma apresentação na Universidade de Harvard para a comunidade asiática e quando saí, um homem branco, caucasiano, veio e atacou-me na rua. Reconheceu-me, perguntou se eu era a Rushan Abbas. Respondi: “Sim, como posso ajudá-lo?” E começou a atacar-me verbalmente, na minha cara, no meio da rua.
"Se o Partido Comunista Chinês e Pequim querem culpar alguém, deveriam culpar-se a si mesmos por me tornarem uma ativista a tempo inteiro."
Em Boston?
Em Boston, em Harvard. Eu ando por aí, dou palestras nas universidades, em diferentes lugares, como São Francisco, Denver, Chicago, diferentes lugares, e sou muitas vezes atacada por estudantes chineses.
Nunca se sabe quem vai fazer o quê. Especialmente quando se sente que o governo chinês está atrás de si. A assistir a tudo, e a mobilizar quem quiser, com dinheiro e outras táticas. Eu não me sinto segura, mas ao mesmo tempo, a melhor forma de me levantar contra esse tipo de bullying é lutar com mais força, falar mais alto, e nunca parar. Mostrar que as táticas de intimidação não vão funcionar, como eu fiz.
Quando eu comecei a falar, quando eu comecei a falar no Instituto Hudson, quando detiveram a minha irmã, estava apenas a fazer advocacia no site, eu tinha um trabalho, não era ativista a tempo inteiro, mas quando o governo chinês tentou intimidar-me… Quando levou a minha irmã como refém, mostrei que isso não iria funcionar, então desisti do meu trabalho, dupliquei e tripliquei os meus esforços, e tornei-me uma ativista a tempo inteiro.
Se o Partido Comunista Chinês e Pequim querem culpar alguém, deveriam culpar-se a si mesmos por me tornarem uma ativista a tempo inteiro. É por causa das suas ações, isto é uma das consequências das suas ações. A consequência de levarem a minha irmã. Foi isso que fez com que hoje corresse o mundo a tempo inteiro
"Se as comunidades internacionais, e as nações ocidentais, não falarem agora, a única voz que restará será um pedido de desculpas."
Voltemos à “exportação da repressão” como disse. O silêncio internacional vai piorar ou melhorar com Trump?
Como eu mencionei antes, agora já não é só sobre o futuro dos Uyghur ou as atrocidades por que os Uyghur passam que a comunidade internacional deve denunciar. O silêncio internacional, ou a aceitação, está a tornar-se não só a censura dos seus próprios valores, a desistência da liberdade de expressão, mas também está a pôr em causa a soberania dos países. Já é sobre os seus próprios valores democráticos.
As respostas globais inconsistentes que foram dadas ao longo de quase dez anos a cultivar relações económicas e políticas com a China fazem com que o que quer que se faça agora vá ter um dano maior. Espero que acordem antes que seja tarde, porque se as comunidades internacionais, e as nações ocidentais, não falarem agora, a única voz que restará será um pedido de desculpas.
Em relação à administração Trump, estamos cautelosos e optimistas. Porque o slogan é fazer a “América grande outra vez”. Têm o plano de aumentar as tarifas das importações o que pode causar pressão económica na China e pôr o foco nas práticas de comércio e nas preocupações sobre segurança nacional. Enquanto tornam a economia da América, ou a América, mais soberana, enquanto lutam pelos interesses da América, penso que também é esse o caminho para lutar contra a China, contra a China exploradora dos Uyghur.
Espero que a administração de Trump reforce e expanda as sanções contra os oficiais chineses, as entidades chinesas, as empresas que são responsáveis pelo genocídio dos povos Uyghur e que são responsáveis por fazer os povos Uyghurserem os escravos modernos de hoje. Esta administração enfatiza as indústrias americanas e quer reduzir a as importações chinesas. Essas alianças são reforçadas com o Uyghur Forced Labor Prevention Act, e ao construírem-se indústrias domésticas está a reduzir-se a dependência da China.
Relatórios e investigações de organizações de direitos humanos, órgãos governamentais e investigadores têm levantado preocupações acerca do trabalho forçado na região de Xinjiang, na China, onde se encontra uma grande população Uyghur. Principalmente no que diz respeito ao setor têxtil e da moda que é um dos mais vulneráveis a cadeias de suprimentos que podem recorrer a esse trabalho forçado, principalmente na cadeia de produção do algodão.
Tem havido alguns alertas quanto a empresas internacionais, especialmente grandes marcas de vestuário e calçados, que dependem de fornecedores que operam ou compram em Xinjiang. Mas rastrear a origem nem sempre é fácil, uma vez que as relações comerciais acontecem através de múltiplos intermediários.
Muitas vezes há até grandes empresas multinacionais que beneficiam deste tipo de trabalho de forma indireta, e quando confrontadas dizem não te conhecimento ou envolvimento direto com práticas de trabalho forçado, além de realizarem auditorias e implementar medidas de conformidade nas suas cadeias de suprimentos.
Este é sempre um tema muito controverso e as empresas frequentemente negam envolvimento e destacam os seus esforços para garantir práticas éticas entre seus fornecedores. Além disso, legislações em países como os Estados Unidos (por exemplo, a Uyghur Forced Labor Prevention Act) têm sido implementadas para restringir a importação de produtos oriundos de cadeias de suprimentos suspeitas de envolvimento com trabalho forçado.
Potencialmente isso faz com que o Uyghur Forced Labor Prevention Act seja uma prioridade ainda maior. Além de que vemos algumas alianças maravilhosas em posições importantes. Por exemplo, o Secretário Marco Rubio é a pessoa que introduziu e passou a lei contra o trabalho forçado Uyghur. Agora vai implementar essa lei na Departamento de Estado.
"Em relação à administração Trump, estamos cautelosos e optimistas."
Também foi o Secretário Rubio que me recebeu no Estado da União, como sua convidada, em 2020. Fui a sua convidada para poder elevar a luta dos Uyghur. Para trazer luz à Uyghur Forced Labor Prevention Act, para partilhar a causa Uyghur e dar atenção ao caso da minha irmã, e às atrocidades cometidas contra os Uyghur.
Estes são alguns exemplos de coisas que fez enquanto alguém que se preocupa com os direitos humanos, mas também como conselheiro da Segurança Nacional. Também o antigo conselheiro Mike Waltz foi membro do Congresso Uyghur e é um parceiro dos Uyghur. Nos últimos quatro anos, esteve a advogar pela libertação da minha irmã. É muito consciente da ameaça que os Uyghur vivem e da insegurança que é depender economicamente da China.
Também a embaixadora americana na ONU tem sido importante…
"Guterres é um corista, recebe ordens diretas da China… Enquanto estiver lá qualquer outra pessoa que queira fazer alguma coisa nas Nações Unidas, não vai conseguir."
Mas quão longe pode a embaixadora ir se a China tem assento no Conselho dos Direitos Humanos da ONU?
Exatamente, isso é a coisa mais frustrante que temos com as Nações Unidas. Basicamente, o Secretário-Geral Guterres é um fantoche nas mãos da china. O governo chinês escolheu-o, e colocou-o naquela posição.
[Não há evidências ou provas concretas de que a China tenha influenciado diretamente a nomeação de António Guterres como Secretário-Geral da ONU. O processo de escolha para o cargo envolve intensas negociações diplomáticas e consultas entre os Estados-membros da ONU, com base em diversos fatores, como experiência, habilidades diplomáticas e o consenso internacional. As decisões nesse âmbito raramente podem ser atribuídas a um único país, e não há relatos confiáveis de que a China tenha exercido influência determinante nesse processo.]
É um corista, recebe ordens diretas da China e por aí adiante… Enquanto estiver lá a nossa embaixadora, ou qualquer outra pessoa que queira fazer alguma coisa nas Nações Unidas, não vai conseguir.
"Estão a celebrar publicamente os esforços de esterilização das mulheres Uyghur."
O relatório da Comissão de Direitos das Nações Unidas em 2022 não teve qualquer tipo de sentido. Não conseguimos passar uma resolução para ter um diálogo aberto. Não para tomarmos ações, mas ter alguma coisa a dizer nesse relatório. Para mostrar que Xi Jinping é um genocida. Que está implementar esterilização das mulheres à força e a forçá-las a fazer abortos, a tirar-lhes os filhos… As mulheres Uyghur são o alvo principal, os corpos das mulheres Uyghur são o batalhão deste genocídio que está a acontecer.
E quem representa os direitos das mulheres e das raparigas nas Nações Unidas? A mulher de Xi Jinping. [Peng Liyuan é Embaixadora da Boa Vontade da ONU e costuma participar em reuniões sobre saúde pública e direitos das mulheres]
Consegue imaginar o quão doente o sistema pode ser? As Nações Unidas foram estabelecidas por causa de atrocidades como esta durante a Segunda Guerra Mundial. Para evitar e proteger as comunidades internacionais dos países que estão a perpetrar estas atrocidades. E isto não são coisas que eu estou a denunciar. São coisas que eles dizem sem vergonha. Que eles tweetam… Houve um tweet do governo chinês no Twitter [atualmente X] da Embaixada Chinesa nos Estados Unidos a dizer que as mulheres Uyghur já não são máquinas de bebés por causa das políticas que implementaram para o controlo da natalidade.
Estão a celebrar publicamente os seus esforços de esterilização contra as mulheres Uyghur.
Sem esconder. Isso é o que me choca mais: ser sem esconder. Está lá para quem quiser ver.
É a sensação de impunidade?
Sim, exatamente. É extremamente decepcionante, então, claro que estou decepcionada com as Nações Unidas. Estão a ser complacentes, a ir contra os seus princípios e não estão de forma alguma a fazer o seu trabalho.
"Xi Jinping é um produto da revolução cultural. Há uma geração inteira de pessoas chinesas que desistiram de qualquer valor que tivessem no coração para sobreviver. Ele é uma delas. Condenam a própria família, condenam qualquer pessoa, apenas para sobreviver."Rushan Abbascréditos: Rushan Abbas
Na autobiografia de Tahir Izgi há referências a relatos de uma certa esperança quando Xi Jinping sucede. Foi uma dessas Uyghur esperançosas quando Xi Jinping chegou ao poder?
Eu não fui uma delas, porque eu sabia o que seu pai fez com os Uyghur na Turquia. E hoje ele é responsável por matar e prender milhares e milhares de Uyghur. Rapidamente as pessoas entenderam que, na verdade, era até pior do que o seu pai.
Porque é que teve tantas certezas desde o início?
Porque Xi Jinping é um produto da revolução cultural.
Quando se tornou o poderoso, eu tinha medo… Eu tinha medo que não fosse bom, porque há uma geração inteira de pessoas chinesas que desistiram de qualquer valor que tivessem no coração para sobreviver durante revolução cultural, e ele é uma delas. Condenam a própria família, condenam qualquer pessoa, apenas para sobreviver.
Durante a comemoração dos 80 anos da libertação de Auschwitz havia uma frase sua que não me saía da cabeça: “A China estudou os Holocausto para evitar fazer os mesmos erros”. De que erros e que tipo de estudo falamos?
Zhao Tian, um dos oficiais militares chineses, foi orador numa palestra na Academia Militar Chinesa, onde deu exemplos sobre o que aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial. Disse que a Alemanha e o Japão fizeram o erro de ter uma guerra em muitas fronteiras, que estavam a lutar em muitos lugares e só por isso é que perderam. De seguida, avisou que a China deveria ver estas lições para aprendizagem e devia aprender com os erros da Alemanha e do Japão que fizeram com que perdessem a Segunda Guerra Mundial.
"O ocidente ainda está a tratar Pequim, Xi Jinping e o Partido Comunista Chinês de forma muito, muito ingénua"
Qualquer país, governo, qualquer pessoa com um coração nunca diria isso. Tentar fazer um exemplo, tirar uma lição de uma atrocidade que clamou as vidas de seis milhões de pessoas? Isto mostra o tipo de sistema desumano, ilegítimo e bárbaro em que o Partido Comunista Chinês acredita. Este regime totalitário e os oficiais que estão sentados em Pequim estão a tentar dar aulas através da Segunda Guerra Mundial. Mas para que possam ter sucesso no plano de governar o mundo.
E, infelizmente, o ocidente e os países democráticos não estão a aprender com estas aulas e atentos ao tipo de regime bárbaro que o governo chinês pode ser, ao tipo de sistema comunista totalitário que vão ser. O ocidente ainda está a tratar Pequim, Xi Jinping e o Partido Comunista Chinês de forma muito, muito ingénua.Faz um esforço para ver apenas os benefícios económicos a curto prazo, mas não estão a ver o quão desastroso no futuro isto vai ser para os seus próprios países.
E se os países ocidentais não estão a fazer nada, o que é que os cidadãos podem fazer no Ocidente?
Por exemplo, é extremamente importante o que está a fazer. Chegar até mim e tentar cobrir a nossa história e mostrar às pessoas a razão pela qual o governo chinês está se está a escapar desse genocídio. A razão pela qual os países podem ser cegos e não fazer nada, é porque o público em geral não está consciente da situação, porque não há Uyghur em número suficiente por aí, não há cobertura mediática suficiente, e não há jornalistas suficientes a lutar pelos Uyghur, e muitos deles ainda são influenciados pela China.
Olhemos para as celebridades de Hollywood e para os atletas. Da NBA ou as super-estrelas de futebol. Ou até qualquer apresentador, conferencista ou jornalista famoso. Todos são tão vocais contra qualquer tipo de injustiça social, e justamente, devem sê-lo. Mas porque é que estão sempre calados contra as atrocidades da China contra os Uyghur? Porque não falam do Tibete?O que estão a tentar fazer em Hong Kong? E o que estão a tentar com os praticantes de Falun Gong?
[ Falun Gong, também conhecido como Falun Dafa, é uma prática espiritual que surgiu na China em 1992, combina exercícios de meditação e movimentos físicos com ensinamentos éticos baseados nos princípios de verdade, compaixão e tolerância. Desenvolvido por Li Hongzhi, o Falun Gong rapidamente ganhou adeptos devido à sua abordagem para o bem-estar físico e espiritual.
No entanto, em 1999, o governo chinês passou a ver o movimento como uma ameaça à estabilidade social e iniciou uma campanha de repressão contra os seus praticantes. Essa repressão envolveu detenções, trabalhos forçados e outras violações dos direitos humanos, conforme denunciado por diversas organizações internacionais. Fora da China, o Falun Gong continua a ser praticado e os seus adeptos mantêm esforços para denunciar a perseguição e promover a liberdade de crença e expressão.]
Tudo isto acontece porque não há um número de pessoas suficiente a falar fora dos movimentos. Os jornalistas não estão a cobrir esta a história. Há agora no ocidente uma consciência crescente nos legisladores e começam a conectar-se os direitos humanos e a questão da segurança nacional e temos jornalistas a lutar de forma intensiva para cobrir esta história e dar-lhe destaque.
Eu acredito que o poder das pessoas é forte. Acredito que se mais pessoas se educarem, se mais pessoas falarem, mais pessoas escreverem sobre isto e vai haver uma mudança.
"Vivemos na era da informação, há toneladas de informação, incluindo os dados que vazam do governo chinês. No futuro já ninguém vai pode alegar ignorância, isso não vai funcionar."
Quando esteve em Portugal, qual a sensação que teve acerca do interesse e do conhecimento acerca dos Uyghur?
As pessoas estavam muito interessadas, mas sabiam muito pouco. Algumas conheciam alguns abusos de direitos humanos, mas não sabiam em que nível. Então, foi uma viagem muito impactante, na verdade.
Qualquer pessoa que ouviu as minhas apresentações ou as minhas palestras, foi muito impactada. Pude ver nos seus rostos, e confirmei a seguir no engajamento durante o Q&A. Penso que há uma grande oportunidade para nós de continuamente levantar consciências em Portugal e trabalhar com jornalistas e comunidades locais.
É bom trabalhar com pessoas locais, como grupos religiosos, cristãos ou católicos, comunidades judaicas ou comunidades muçulmanas, qualquer uma, como comunidades de fé. Mas, como ao mesmo tempo, é uma questão de humanidade, qualquer pessoa que se importe com a humanidade, com direitos humanos… Qualquer indivíduo, qualquer pessoa... Porque não há neutralidade quando se trata de atrocidades como estas, de um genocídio. Toda a gente deve importar-se. E deviam ficar com as vítimas, porque isto vai ficar para a história como uma luta entre o Bem e o Mal. E precisamos de estar sempre do lado dos bons, e toda gente devia fazer a sua parte para evitar o Mal.
"O governo chinês aprendeu com a Alemanha Nazi e está a destruir todas as evidências. É difícil provar quantos Uyghur foram mortos, mas sabemos que muitos."
E como é que a Europa se está a comportar-se nesta luta contra o Mal?
A Europa está finalmente a acordar e precisa de começar a agir.
Só quero lembrar a Europa, do que aconteceu nos anos 40 quando a Alemanha nazi começou a construir campos de concentração e colocaram os pobres judeus lá. A maioria da Europa e do ocidente, até mesmo o Reino Unido, continuamente trataram a Alemanha nazi como um parceiro de negócios legítimo e continuaram o seu negócio em nome da economia, do avanço económico… E os nazis continuaram empoderados enquanto recebiam recursos para a economia da Alemanha nazi, para mais meios e mais pessoas. Então o que é que aconteceu? A Alemanha invadiu a maioria da Europa. O dinheiro que o Reino Unido lhes deu ao fazer negócios teve retorno em bombas a cair em Londres. Todos os governos do ocidente tentaram culpar a ignorância e dizer que o fluxo de informação foi muito lento e não sabiam. Mas hoje, vivemos na era da informação, há toneladas de informação, incluindo os dados que vazam do governo chinês. No futuro já ninguém vai pode alegar ignorância, isso não vai funcionar.
"Isto vai ficar para a história como uma luta entre o Bem e o Mal. E precisamos de estar sempre do lado dos bons, e toda gente devia fazer a sua parte para evitar o Mal."
O meu aviso para a Europa é: sabem o que a China está a fazer. Sim, sabem o que a China está a tentar fazer aos seus próprios países. Não podem competir com o trabalho escravo, nenhuma economia de trabalho livre pode competir com trabalho escravo. Nenhuma empresa consegue, a menos que cortem os laços com a China e a olhar para os seus próprios interesses.
Basta olhar para o povo Uyghur, para os tibetanos, para o que aconteceu em Hong Kong e imaginar o seu futuro, porque esse futuro está tão perto para a Europa. A Europa está tão perto desse futuro desastroso que é melhor acordar rapidamente. Agir rapidamente, senão será tarde demais.
Quantos Uyghur foram mortos?
Muitos. As ruas estão vazias, os bairros estão vazios. Já não se vêem Uyghur nas ruas. Mas, infelizmente, e voltarmos à conversa anterior, os oficiais militares chineses aprenderam as lições do regime nazi. Na Alemanha, mantiveram registos do número de pessoas nos campos. Do dinheiro que gastaram e quantas pessoas… Sabe… quantas pessoas… mataram massivamente. Mas o governo chinês aprendeu e está a destruir todas as evidências. É difícil provar quantos Uyghur foram mortos, mas sabemos que muitos.
O que se segue na luta para que mais Uyghur não sejam detidos nem mortos?
É importante fazer o que estamos a fazer. Também empoderar as pessoas Uyghur, os jovens Uyghur e as mulheres Uyghur para que se tornem pilares de resistência e resiliência. Fazer deles o coração que alimenta o movimento pela liberdade. Estamos, continuamente, a fazer os nossos treinos de advocacia com os Uyghur da diáspora. Empoderamos as pessoas para surgirem como líderes, e precisamos de pessoas, precisamos do poder das pessoas para levantar consciências. Precisamos que a comunidade mundial se junte e nos apoie em tudo o que puder.
"Basta olhar para o povo Uyghur, para os tibetanos, para o que aconteceu em Hong Kong e imaginar o seu futuro. A Europa está tão perto desse futuro desastroso que é melhor acordar rapidamente. Agir rapidamente, senão será tarde demais."
Precisamos desesperadamente de apoio financeiro, então deixo um apelo: vão ao nosso website, doem o que puderem. Mesmo que seja pouco é o suficiente para fazer parte da luta. Porque nós temos que lutar continuamente.
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