Este responsável assegurou à Lusa que “só judeus descendentes de sefarditas genuínos com origem portuguesa podem obter a certificação” necessária e que o processo é “muito rigoroso”.
Rothwell falava na sequência da controvérsia gerada pelo caso do multimilionário russo Roman Abramovich, que adquiriu a nacionalidade portuguesa em 2021, segundo revelou o jornal Público.
Críticas do opositor político russo Alexei Navalny e da Associação Frente Cívica levaram à abertura de dois inquéritos separados pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa e pelo Instituto dos Registos e Notariado (IRN).
A CJP nega qualquer irregularidade ou proveito financeiro, garantindo que só recebeu "dois pagamentos de 250 euros: a taxa da conservatória e o emolumento cobrado pela comunidade certificadora”.
E adianta que, “para a defesa da comunidade judaica e para evitar novas conspirações anti-semitas, o processo de certificação de Abramovich também já está em posse de altas autoridades religiosas, culturais e políticas em Israel”.
O processo, adiantou Rothwell, inclui atestados por órgãos religiosos e culturais judaicos internacionais de alto nível e a Comunidade Israelita do Porto avalia apenas pedidos de judeus com antepassados membros de comunidades sefarditas tradicionais.
Além de apelidos de família, idioma ou registos históricos, também avalia outros sinais de pertença, como rituais, idioma e práticas religiosas.
Estão identificadas comunidades sefarditas em países como Turquia, Tunísia, Marrocos, Egito, Sérvia, Bulgária ou Macedónia, onde se estabeleceram depois da expulsão de Portugal e Espanha, mas podem estender-se à Jamaica, Curaçao ou Suriname.
Os países que fizeram mais pedidos à CJP foram Israel, Turquia, Estados Unidos e Brasil, de descendentes de sefarditas do Norte de África e do Império Otomano.
“Sabemos que [o requerente] é judeu de origem sefardita porque manteve a tradição de pertença a uma comunidade judaica de origem portuguesa ao longo dos séculos. Não há qualquer dúvida que essa pessoa é de origem portuguesa, mesmo que eu não possa, nem a lei exige que faça isso, traçar a sua árvore genealógica até Portugal”, vincou Rothwell.
Estes processos são mais simples e rápidos de analisar quando acompanhados por um atestado do rabinato ortodoxo de origem que seja aceite pelo Grão Rabinato de Israel, razão pela qual a CJP processou cerca de 90% dos pedidos de nacionalidade aprovados em Portugal.
Se as provas apresentadas forem insuficientes, os processos podem ser rejeitados ou pedidos mais documentos. Um certificado também pode ser anulado se ficar provado que foram usados documentos falsos, e o requerente processado judicialmente.
A Comunidade Israelita de Lisboa, por outro lado, atesta os casos de requerentes com base na descendência histórica sefardita, independentemente de serem judeus.
A comissão certificadora é composta por historiadores e genealogistas que têm de analisar documentos que percorrem gerações ao longo de vários séculos, incluindo transcrições paleográficas de processos da Inquisição.
A distinção de critérios entre as duas comunidades reflete diferentes abordagens na comunidade judaica sefardita, entre genealogia e tradição.
David Mendoza, um genealogista profissional britânico, navega facilmente nos registos históricos das comunidades dos Países Baixos e Reino Unido, juntamente com os arquivos relativos aos processos da Inquisição, a maioria já digitalizados.
Numa tarde consegue facilmente construir uma árvore genealógica de uma pessoa destas comunidades até 1750 através dos registos de nascimento, casamento, óbito ou registos equivalentes da sinagoga.
O processo deve ser completado com provas históricas de ligação a comunidades sefarditas, para que as linhas de descendência fiquem documentadas e possam ser verificadas.
"Deve ser sempre possível provar algo logicamente e corretamente, que respeite as normas genealógicas, mas pode levar mais tempo e dinheiro. Para um genealogista competente, é possível perceber na maioria dos casos e em poucos minutos se é elegível”, garante Mendoza.
Segundo Rothwell, estima-se que vivam em Portugal atualmente cerca de 7.000 sefarditas dos quase 57.000 que adquiriram a nacionalidade através da lei em vigor desde 2015 como reparação histórica aos descendentes dos judeus expulsos da Península Ibérica durante a inquisição medieval, no final do século XV.
"Eu acho que é bom para um judeu ter um plano B em qualquer lado do mundo, porque ao longo da história estiveram sujeitos a expulsões, massacres, agressões. Poder viver noutro país. Quando pessoas pedem a certificação, não faz parte dos requisitos apresentar motivo" argumentou.
Sobre o caso Abramovich, receia que seja um reflexo de um crescente anti-semitismo que acompanha a maior visibilidade da comunidade judaica em Portugal.
"Esse caso só pode ser interpretado nesse contexto, infelizmente. Há vários fatores em jogo. Não sei a motivação que fez levantar suspeitas, mas existe anti-semitismo na maneira como o caso nasceu”, lamenta.
Académico israelita diz que dupla nacionalidade é cada vez mais vista como útil
Uma dupla nacionalidade é cada vez mais popular e considerada um ativo com utilidade, mesmo para quem não tenciona instalar-se noutro país, afirmou o académico israelita Yossi Harpaz, que estudou este fenómeno.
Autor do livro "Citizenship 2.0: Dual Nationality as a Global Asset” [Cidadania 2.0: dupla nacionalidade como ativo global], o professor na universidade de Telavive estudou casos de pessoas que adquirem uma segunda nacionalidade, independentemente de se identificarem com o país.
Resultado de uma tese na universidade de Princeton, a investigação olha para casos diferentes de pessoas de Israel, América Latina ou Europa de Leste que usam a sua ascendência familiar, etnicidade ou o nascimento de um filho nos Estados Unidos para obter uma segunda nacionalidade.
A popularidade da dupla nacionalidade, contou à Agência Lusa, cresceu graças à tendência, a partir dos anos 1990, de mais países permitirem a dupla nacionalidade.
Desde então, uma nacionalidade adicional é vista como “estratégica” e com utilidade prática em termos de oportunidades económicas, segurança, democracia ou liberdade de circulação.
“Quando os países mudaram as leis para permitir a dupla nacionalidade, deixou de ser algo problemático, embaraçoso ou estigmatizado para passar a ser algo útil, em certos casos até sofisticado, um tema de conversa”, contou Harpaz.
No caso de Israel, tornou-se algo “muito desejável obter outra nacionalidade, mesmo que não tencionem mudar de país”.
Vários países europeus têm introduzido leis de nacionalidade para judeus, como a Alemanha, Polónia, Roménia ou a Lituânia, onde foram perseguidos durante a II Guerra Mundial.
Portugal e Espanha introduziram uma lei como reparação histórica a descendentes dos judeus expulsos da Península Ibérica durante a inquisição medieval, no final do século XV.
Nos últimos anos, agências e escritórios de advogados investiram a publicidade dos seus serviços de apoio na imprensa, nas redes sociais e até com pontos de venda em centros comerciais.
“O mesmo está a acontecer agora com a nacionalidade portuguesa. A grande vantagem do ponto de vista desses intermediários é que a elegibilidade é realmente muito grande”, disse, referindo que pelo menos dois milhões de israelitas são potencialmente sefarditas.
“Nem todos vão candidatar-se ou podem pagar. Mas é um produto que pode ser comercializar para uma enorme população”, vincou.
Uma coisa é certa, diz, a lei da nacionalidade portuguesa para os judeus sefarditas "teve um impacto positivo muito grande” em Israel, ao dar a conhecer a história dos sefarditas e ajudar a criar uma ligação com o país.
“Já vi algumas histórias muito interessantes nas notícias sobre pessoas que se mudaram para Portugal com ou sem cidadania porque gostam do estilo de vida e do baixo custo de vida”, relatou.
Yossi Harpaz tem-se interessado mais recentemente pelos casos das elites e o que fazem com as duplas nacionalidades ou vistos de residência.
“Para eles, a nacionalidade não vai ser usada da mesma forma que pessoas normais, porque eles fazem cálculos complicados em termos de impostos, residência e mobilidade, é algo que os ajuda a administrar a riqueza e obter o tipo certo de regime tributário”, disse.
Tal como Roman Abramovich, vários multimilionários russos aproveitaram a Lei do Retorno para adquirir o passaporte de Israel, onde fazem investimentos e ações de filantropia, mas adianta o dono do Chelsea é relativamente desconhecido.
“A maioria das pessoas só o conhece por causa de ligações ao futebol, ele não é uma figura muito famosa em Israel”, refere o académico.
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