José Ricardo Gonçalves, representante legal da empresa no processo do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, disse à Lusa que a empresa ficou “surpreendida” com a sentença, “em face da prova testemunhal e documental produzida quanto à posse exercida pela Selminho e quanto à posição da Câmara ao longo dos anos sobre aquele terreno”.
“Desde 2001 que a Selminho se arrogou proprietária do terreno. Vamos analisar a sentença. Foi uma decisão que nos surpreendeu. Vamos estudar o que fazer a seguir”, afirmou o causídico, admitindo a possibilidade de recurso da decisão judicial.
O tribunal julgou “nula” a escritura de venda de 2.260 metros quadrados na Arrábida por um casal à Selminho e ordenou o “cancelamento da inscrição” da propriedade na Conservatória do Registo Predial, revela a sentença de hoje a que a Lusa teve acesso.
O juiz Paulo Ramos de Faria ordenou ainda “a inutilização da ficha” da Conservatória do Registo Predial do Porto “respeitante à descrição de um terreno situado na calçada da Arrábida com a área total de 2260 metros quadrados”.
O magistrado deu razão à reivindicação da autarquia, considerando serem municipais 1.661 dos 2.260 metros quadrados comprados em 2001 pela Selminho a um casal que, no mesmo ano, o registou por usucapião em Montalegre.
De acordo com o juiz, tanto Maria Irene Ferreira e João Batista Ferreira como a Selminho, que comprou o terreno ao casal, “não adquiriram a propriedade, no todo ou em parte” do terreno na escarpa da Arrábida, “com a área total de 2260 metros quadrados”.
“Julga-se nula a venda formalizada por escritura pública outorgada em 03 de julho de 2001 […], por Maria Irene Ferreira e João Batista Ferreira, como vendedores, e por Selminho, como compradora, respeitante a um terreno descrito como prédio urbano na Conservatória […] na ficha 576”, escreve o juiz.
A sentença refere ainda que nem o casal adquiriu o terreno por usucapião, nem a Selminho pode invocar aquela figura jurídica relativa ao direito à propriedade pelo uso, por ainda não ter passado o prazo para a autarquia reivindicar o imóvel.
“Resultou provado que os primeiros réus [o casal] nada adquiriram por usucapião e que, no essencial, os factos objeto da escritura de justificação não correspondem à verdade”, observa o juiz.
O magistrado recusa a hipótese, avançada pela defesa da imobiliária nas alegações finais, de prescrição do prazo para a Câmara reivindicar o terreno de 1661 metros quadrados, registado como municipal desde a década de 50, segundo concluiu um técnico da autarquia em 2017.
“Embora se deva concluir que a ré Selminho possuiu o terreno, também se deve afirmar que não o fez durante o tempo necessário para o adquirir por usucapião”, defende Paulo Ramos de Faria.
Para o juiz, a posse da imobiliária “é titulada e de boa-fé, mas não se pode ter o título por registado”, pois “o prazo de usucapião é de 15 anos acrescidos de metade”.
“A posse da Selminho teve início em janeiro de 2004, pelo que o prazo de usucapião só se completaria no mês de julho de 2026”, observa.
Mesmo considerando que a posse da empresa começou em 2001, “o prazo de usucapião só terminaria em janeiro de 2024”.
“Em suma, a Selminho não adquiriu o terreno em discussão por usucapião”.
Quanto ao casal, o juiz considera como “factos provados” que “não construíram a sua habitação no terreno” e que em cerca de 1500 metros quadrados do terreno registado por usucapião existia, por volta de 1990, “um pequeno depósito de sucata”.
O magistrado observa que Maria Irene e João Ferreira “nunca requereram a ligação da casa à rede pública de água” e, até fevereiro de 199, “nunca invocaram perante entidades públicas a qualidade de proprietários da casa e do terreno”.
“Maria Irene e João Ferreira assim atuaram à vista de quem passava na calçada da Arrábida ou via panorâmica Edgar Cardoso, sem que a sua atuação fosse contestada. Atuaram do modo descrito desde a data do seu casamento sem usar como seus a casa e o terreno”, acrescenta.
Para além disso, “antes de 2000, nunca pagaram qualquer imposto, taxa ou outro tributo público inerente ao prédio que registaram em seu nome”.
Na ação movida em 2017, a autarquia pedia a nulidade da escritura feita pelo casal e a nulidade das “transmissões subsequentes”, ou seja, o contrato de compra e venda entre o casal e a Selminho.
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