O relatório, publicado na semana passada pela organização não-governamental PEN America, reporta que mais de 1.500 proibições de livros foram instituídas em distritos escolares dos Estados Unidos da América.

Considerando este avanço como “sem precedentes na sua intensidade”, a organização refere que 1.586 proibições de livros ocorreram em 86 distritos escolares em 26 estados dos EUA desde 1 de julho de 2021 até 31 de março deste ano.

Estes distritos — órgãos autónomos, eleitos por sufrágio direto, com orçamentos próprios pagos pelos contribuintes locais e que são responsáveis pela administração de todas as escolas públicas numa dada região — abrangem 2.899 escolas e mais de dois milhões de estudantes.

Ao todo, houve 1.145 obras em particular a serem visadas — as 1.586 proibições contabilizam livros censurados por mais do que um distrito escolar —, de 874 autores diferentes, 198 ilustradores e nove tradutores, diz ainda a PEN America.

Esses mesmos dados são muito similares aos de um estudo da American Library Association, que adiantou que o aumento das iniciativas de censura a livros atingiu os valores mais altos de sempre, desde que o gabinete pela liberdade de imprensa deste órgão começou a monitorizar este tema em 2000.

“Este tipo de dados nunca foi contabilizado desta forma e, francamente, os resultados são chocantes”, afirma Jonathan Friedman. O diretor do programa Free Expression and Education da PEN America sublinha que “os ataques a livros, especialmente livros de autores masculinos não-brancos, estão a acontecer ao ritmo mais alto que já vimos”.

“O que está a acontecer a este país em termos de banir livros em escolas não tem paralelo na sua frequência, intensidade e sucesso”, disse ainda Friedman, citado pelo comunicado da PEN America.

Os dados recolhidos referem que 41% dos livros censurados incluem “protagonistas ou personagens secundários proeminentes” não-brancos, 22% “abordam diretamente temas de raça e racismo”, 33% “tocam especificamente em temas LGBTQ+”, 16% “são livros de história ou biografias” e 9% encaram “especificamente temas relacionados com direitos e ativismo”.

Os livros mais visados pelas proibições, segundo a PEN America, são:

  • “Gender Queer: A Memoir” de Maia Kobabe (30 distritos)
  • “All Boys Aren’t Blue” de George M. Johnson (21 distritos)
  • “Lawn Boy” de Jonathan Evison (16 distritos)
  • “Out of Darkness” de Ashley Hope Pérez (16 distritos)
  • "The Bluest Eye” de Toni Morrison (12 distritos)
  • “Beyond Magenta: Transgender Teens Speak Out” de Susan Kuklin (11 distritos)

A estes seis somam-se “The Hate U Give”, de Angie Thomas, “The Absolutely True Diary of a Part-Time Indian”, de Sherman Alexie, “Me and Earl and the Dying Girl”, de Jesse Andrews, e “This Book is Gay”, de Juno Dawson.

“Estamos a assistir ao apagamento de tópicos que só recentemente começaram a encaminhar-nos para um avanço da inclusão”, denuncia Friedman.

Morrison, laureada com o Nobel da Literatura em 1993, não é o único nome mundialmente famoso a ser alvo de censura. Em janeiro, foi noticiado que o distrito escolar do condado de McMinn, no Tennessee, optou por proibir a banda desenhada “Maus”, de Art Spiegelman, que relata as lembranças do seu pai, sobrevivente do Holocausto, no qual os judeus são representados por ratos e os nazis por gatos.

Premiada com um Pulitzer em 1992, o primeiro para uma banda desenhada, o seu conteúdo foi considerado "vulgar e impróprio" para alunos do ensino médio — o equivalente aos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico de Portugal —, segundo a Junta Escolar do condado de McMinn no Tennessee, que votou em 10 de janeiro para eliminá-lo do currículo até que outro livro sobre o Holocausto fosse encontrado.

A decisão foi apenas mais uma no contexto de questionamento dos currículos escolares em estados conservadores e que extravasa a mera proibição de livros, estendendo-se ao que os professores norte-americanos podem ou não dizer nas escolas.

O caso mais mediático é o da Flórida, onde foi aprovada um lei que proíbe ensino sobre orientação sexual nas escolas. "Garantiremos que os pais podem mandar os seus filhos para a escola para receberem educação e não doutrinação", afirmou Ron DeSantis, o governador do estado, numa sala de aula numa escola em Spring Hill, onde decidiu assinar a legislação, que ficou conhecida como lei "Don't say gay" ("Não diga 'gay'").

Esta lei seguiu-se a uma outra que permite restringir as escolhas de livros para as bibliotecas das escolas básicas na Flórida.

Estas tentativas de censurar livros com estas temáticas em específico, porém, podem estar a ter um evento inverso. Segundo o jornal The Guardian, estas proibições estão a levar à proliferação de clubes de leitura de livros banidos pelo país e à venda em grande número destes títulos.