“Não fazendo uma testagem sistemática é muito mais difícil acompanhar de forma realista o que se passa em termos de contágios”, disse à agência Lusa o investigador Miguel Castanho, do Instituto de Medicina Molecular (iMM) da Universidade de Lisboa.
Segundo disse, com a redução dos testes, “só se toma conhecimento das infeções que correspondam a casos de doença que justificaram a procura de assistência médica”, o que faz com que deixe de ser uma amostra representativa das infeções no país e passe a “ser algo muito específico de um subgrupo de infetados”.
“A monitorização que tinha vindo a ser seguida até aqui deixa de ser comparável com a que podemos fazer agora”, afirmou.
No final de setembro, o Governo decidiu não renovar a situação de alerta, tendo cessado a vigência de diversas leis, decretos-leis e resoluções aprovadas no âmbito da pandemia, alterações que, segundo a Direção-Geral da Saúde e o Instituto Ricardo Jorge, vão “influenciar a vigilância de base populacional e consequente interpretação dos indicadores” da covid-19.
Na prática, além de o isolamento ter deixado de ser obrigatório, os testes à covid-19 deixaram de ser prescritos através do SNS24 e passaram a ser comparticipados mediante prescrição médica, à semelhança de outras análises e meios complementares de diagnóstico.
Agora os testes à covid-19 só são comparticipados a 100% quando prescritos por uma unidade do Serviço Nacional de Saúde.
De acordo com os últimos dados divulgados na sexta-feira, verificou-se uma nova redução do número de testes efetuados nas últimas semanas, que passaram de 88.527 para 72.133, “devido à alteração legislativa” efetuada.
Segundo Miguel Castanho, a redução da testagem, apesar de não comprometer a monitorização da evolução do coronavírus SARS-CoV-2, faz com que fique “dificultada” porque o número de amostras é mais reduzido.
“A deteção de novas variantes tende a ser mais tardia, falando de forma probabilística”, adiantou o investigador, para quem deveria “ter sido mantido o mesmo sistema de monitorização” para se poder “ter a capacidade de analisar toda a evolução da pandemia, desde o início até à certeza do seu final”.
Para o professor da Faculdade de Medicina de Lisboa, neste início do outono/inverno, período mais favorável às infeções respiratórias, foi criada uma “descontinuidade que não facilita a análise da evolução da pandemia”.
Perante isso, Miguel Castanho considerou importante reforçar a mensagem de que devem ser mantidas atitudes individuais para evitar contágios, como o isolamento em caso de doença, uso de máscara em locais fechados com muita gente e o arejamento de espaços interiores.
“Independentemente das regras, o bom senso deve falar mais alto”, alertou o especialista.
Já para Henrique Oliveira, matemático do Instituto Superior Técnico e um dos responsáveis pelo Indicador de Avaliação da Pandemia (IAP), elaborado em conjunto com a Ordem dos Médicos, os dados atuais da incidência da covid-19 “são muito pouco fiáveis”.
Isto porque “a covid-19 saiu do radar e apenas quando é grave é que se regista. A única forma fiável é seguir a mortalidade por covid”, salientou o especialista em sistemas dinâmicos do Técnico.
Os internamentos e a mortalidade por covid-19 mantêm-se estáveis em Portugal, indicou o relatório sobre a pandemia divulgado na sexta-feira, mas que admite ser necessário mais tempo para avaliar a transmissão do vírus, devido às recentes alterações nas regras da testagem.
O relatório adiantou que o número de novas infeções por 100 mil habitantes, acumulado a sete dias, foi de 66 casos a nível nacional e o índice de transmissibilidade (Rt) do SARS-CoV-2 estava nos 0,65 a nível nacional, tendo baixado significativamente em todas as regiões de Portugal continental.
“No entanto, estas variações podem não indicar um decréscimo do número de casos, dada a alteração legislativa que implicou uma redução da testagem. Será necessário um período de tempo mais longo para avaliar a evolução do Rt”, reconheceram a DGS e o INSA.
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