“A questão da sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde [SNS] já está posta em causa há muitos anos com a má gestão que tem sido feita dos recursos do SNS”, afirmou a presidente da ASPE, Lúcia Leite, que comentava à agência Lusa declarações da ministra da Saúde.
A ministra da Saúde, Marta Temido, afirmou na quarta-feira, numa entrevista à RTP, quando questionada pela greve dos enfermeiros iniciada hoje, que compete ao Governo responder “a dois problemas, o problema dos utentes do SNS e da sustentabilidade dos serviços públicos”.
“Portanto, não podemos fazer escolhas que ponham em causa nenhum dos dois aspetos”, afirmou Marta Temido, referindo que “não é possível fazer um reposicionamento que implique um aumento salarial de 400 euros para 42 mil pessoas”, apontando que só esta exigência implica um custo de 216 milhões de euros.
A presidente da ASPE, um dos sindicatos que convocou a paralisação, reconheceu que os valores podem ser “relativamente elevados”, porque a paragem em termos de carreira tem muitos anos.
“Recuperar o passado nalguns casos de 20 anos tem um impacto financeiro imediato grande, nós temos consciência disso e por isso propusemos um faseamento” para recuperar com algum tempo esse prazo o que não foi aceite pelo Governo.
Contudo, “fazer crer à população que são os enfermeiros que estão a pôr em causa o SNS” é um “argumento de muito má fé”.
“Estar a querer sacar essa responsabilidade aos enfermeiros que têm sido os profissionais mais prejudicados ao longo dos últimos 20 anos, além de injusto, é um argumento de muito má fé”, vincou.
Lúcia Leite deu alguns exemplos da “má gestão” dos recursos do SNS, como o investimento que o Serviço Nacional da Saúde faz no Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC).
“Chega a pagar a um único médico numa tarde o ordenado de um enfermeiro de um mês, o que considero uma gestão danosa do SNS e que tem implicado custos elevadíssimos, com um aumento progressivo dos vales de cirurgia e que transfere para os serviços privados o pagamento de serviços que os serviços públicos deviam estar a assegurar”, exemplificou.
Apontou ainda “a má gestão” das camas com internamentos que se “prolongam indevidamente à espera de cirurgia”, por “má gestão de equipas e de salas”, e a “baixa utilização das salas operatórias que maioritariamente trabalham no período da manhã e estão desaproveitadas nos períodos da tarde e da noite”.
Tudo isto “tem a ver com uma ineficiência do sistema que até agora ninguém tem querido resolver”, afirmou.
Sobre as declarações da ministra, em que admitiu usar meios de reação jurídicos face à nova greve, Lúcia Leite considerou que são “uma forma de pressão sobre os enfermeiros para criar insegurança” e “demovê-los de fazer greve”.
São também “uma forma de pressão sobre a sociedade, criando a ideia de que esta greve é injusta para o cidadão e é ilegítima, o que não é verdade”, frisou.
Lúcia Leite disse ainda desconhecer qualquer argumento jurídico que possa ser usado relativamente a esta greve, que foi decretada como todas as outras dentro dos procedimentos legais e foi o objeto de decisão de serviços mínimos por parte do Tribunal Arbitral.
“Não vejo em que medida a senhora ministra pretende utilizar argumentos jurídicos contra esta greve”, mas “se o objetivo é criar uma discussão, uma reflexão ou qualquer outra via de oposição do direito à greve ao direito à vida parece-me que este não é o momento para fazer uma discussão séria sobre essa matéria”.
E, sustentou, “também não consta e não há conhecimento dos sindicatos” que tenha havido algum prejuízo irreparável para os utentes.
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