José Sócrates foi ouvido como testemunha no julgamento do caso EDP e, ao ser questionado pelo advogado Ricardo Sá Fernandes, que representa Manuel Pinho, se o seu cliente alguma vez tinha atuado como “o homem do BES” durante a sua passagem pelo Ministério da Economia, o ex-governante recusou taxativamente.
“Não, nunca intercedeu junto de mim para defender o BES ou exercer alguma pressão que pudesse ser entendida como simpatia para o BES. Esta acusação do Ministério Público [MP] nunca aconteceu. Como podem testemunhar todos os membros do Governo… Todos eles podem confirmar que Manuel Pinho nunca fez qualquer diligência para promover os interesses do BES ou se mostrou atento a algum interesse do BES”, referiu.
O ex-primeiro-ministro recordou ter conhecido Manuel Pinho através do atual primeiro-ministro António Costa no final de um jogo de futebol do Euro2004 e argumentou ser “também falso” de que o ex-ministro da Economia apenas tivesse iniciado a sua colaboração com o PS aquando da sua eleição para a liderança do partido, ao notar que já integrava um grupo de economistas que aconselhava o anterior líder socialista, Ferro Rodrigues.
“Fui eleito e decidi constituir uma equipa. Convidei Manuel Pinho para ser porta-voz para as questões económicas”, disse, passando depois para o convite “natural” para o Governo, em 2005: “Na altura em que o convidei ele estava em Nova Iorque e disse que tinha de falar com o banco. Senti que havia uma divergência significativa entre Manuel Pinho e Ricardo Salgado e isso até foi embaraçante. A ideia de que Ricardo Salgado disse para ele ser ministro é falsa”, afirmou.
José Sócrates elencou então vários casos económicos em que estiveram envolvidos interesses do BES e aos quais Manuel Pinho não atendeu, como a venda de capital da Galp, a OPA [oferta pública de aquisição] à Sonae, o projeto de refinaria para Sines de Patrick Monteiro de Barros (que estava ligado ao GES) ou os projetos PIN. Desmentiu ainda que Manuel Pinho tivesse estado (com Ricardo Salgado) na origem da nomeação de António Mexia para a presidência da EDP, assumindo essa decisão.
Sobre os valores recebidos de uma sociedade do GES por Manuel Pinho enquanto era ministro da Economia, Sócrates garantiu que desconhecia então essa situação, porém, vincou ter ficado satisfeito por saber que esse dinheiro seria por valores que eram devidos ao ex-ministro da Economia, como alega a defesa de Manuel Pinho. “Isso é uma das questões sobre as quais o tribunal se irá pronunciar”, interveio logo a presidente do coletivo de juízes, Ana Paula Rosa.
José Sócrates abordou durante bastante tempo a relação com Ricardo Salgado para refutar qualquer proximidade ou intimidade com o ex-presidente do BES. Assumindo uma “relação distante de consideração e simpatia”, que também descreveu como “cerimoniosa e de mútuo respeito”, o ex-governante disse que apenas se tinha reunido uma vez com o ex-banqueiro antes de ser primeiro-ministro, tendo depois uma relação institucional.
“Estive com Ricardo Salgado uma única vez quando era ministro do Ambiente, em 2001, e nunca mais o vi até à altura em que fui primeiro-ministro. Isso é um mito urbano, é uma falsidade histórica promovida por uma instituição: o Ministério Público”, disse, sendo interrompido pela juíza-presidente, que lhe pediu para não adjetivar, ao que Sócrates contrapôs: “Quando se critica só se está a tentar ajudar uma instituição. Pensei que criticando o convidava a melhorar… Vou-me então abster de criticar o MP.”
Reiterou ainda que Ricardo Salgado era “próximo dos círculos da direita, não do PS” e lembrou que o ex-banqueiro contribuiu para a campanha presidencial de Cavaco Silva, passava férias com Marcelo Rebelo de Sousa, atual Presidente da República, ou contratou o antigo primeiro-ministro do PSD Durão Barroso para ser consultor de uma empresa do GES.
“Eu não fazia parte do grupo de amigos de Ricardo Salgado”, resumiu, garantindo ainda, em quase duas horas de depoimento em tribunal, que o número de vezes que recebeu o ex-presidente do BES foi semelhante ao de outros banqueiros.
Manuel Pinho, em prisão domiciliária desde dezembro de 2021, é acusado de corrupção passiva para ato ilícito, corrupção passiva, branqueamento e fraude fiscal.
A sua mulher, Alexandra Pinho, está a ser julgada por branqueamento e fraude fiscal – em coautoria material com o marido -, enquanto o ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, responde por corrupção ativa para ato ilícito, corrupção ativa e branqueamento de capitais.
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