De acordo com um relatório de Apuramento de Responsabilidade Financeira do TdC publicado este mês, a CP – Comboios de Portugal colocou a circular, em 2023, as 18 automotoras a gasóleo alugadas à espanhola Renfe sem visto prévio do TdC.
Em causa está um contrato de 19,5 milhões de euros referente às automotoras da série 592, que a CP aluga à Renfe desde 2011 por não ter material circulante próprio a gasóleo capaz de efetuar os serviços contratualizados com o Estado. As automotoras circulam sobretudo nas Linhas do Minho (no comboio internacional Celta, que liga Porto e Vigo), Douro e Oeste.
Segundo o documento, o Conselho de Administração da CP deliberou, no dia 30 de dezembro de 2022, manter em exploração a partir de 01 de janeiro de 2023 as automotoras alugadas à Renfe, “por motivos de interesse público e absoluta necessidade urgente e imperiosa, com vista a assegurar o serviço público de transporte de passageiros”.
A minuta do protocolo apenas foi aprovada em 02 de fevereiro de 2023, já com as automotoras em circulação, e outorgado entre as partes em 20 de fevereiro. Foi enviado para o TdC para obtenção de visto prévio no dia 27 de fevereiro e validado pelo tribunal em 03 de julho.
O TdC refere que “atendendo ao valor do contrato em apreço (19.551.611,69 Euro) o mesmo não podia legalmente produzir qualquer efeito antes da pronúncia deste Tribunal”, segundo a Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC).
“Esta ilegalidade foi justificada pela CP com a existência de urgência imperiosa para a respetiva execução por forma a assegurar o transporte a milhares de passageiros, alegadas vicissitudes alheias à entidade, por atrasos respeitantes ao concurso para aquisição de 22 automotoras, nomeadamente impugnação da adjudicação”, refere o TdC.
A demora resultou na aplicação, pelo TdC, de uma multa de 6.120 euros aplicada a cada um dos administradores da CP, empresa liderada por Pedro Moreira.
Numa resposta enviada à Lusa, a CP refere que a atuação da sua administração “evitou que milhares de passageiros ficassem desprovidos de transporte público essencial, estando em causa a continuidade de prestação de um serviço de transporte de passageiros” nas linhas do Oeste, Douro e no comboio Celta.
“A administração da CP age sempre na prossecução do interesse público sendo este o princípio que preside à sua gestão”, sendo do seu entendimento que o TdC “não valorizou” que a administração “agiu com o objetivo exclusivo de assegurar o transporte de milhares de cidadãos, sempre na prossecução daquele princípio e sem que tenha havido qualquer penalização ao erário público”.
Na argumentação feita perante o TdC, a CP também alegou a “demora na obtenção de informação atualizada sobre a calendarização de vários projetos de eletrificação da infraestrutura ferroviária nacional por parte das Infraestruturas de Portugal”, embora sem a documentar.
Outro dos argumentos invocados pela CP foi a “não obtenção atempada das respetivas autorizações legais (portaria de extensão de encargos plurianuais), atenta a demissão do Ministro das Infraestruturas e da Habitação [Pedro Nuno Santos] em 29.12.2022”.
Foi também argumentado pela CP que a “morosidade na resposta ao TdC se deveu ao facto de a contraparte ser uma empresa estrangeira sobre a qual a CP não tinha qualquer poder para exigir urgência”.
Porém, o TdC refere que os membros da administração da CP “tinham obrigação de saber que estes atos estavam sujeitos a este tipo de fiscalização”, apesar de salvaguardar que não é possível concluir que atuaram “com vontade de agir ilicitamente ou sequer admitindo como necessário ou possível o resultado ilícito da sua conduta”.
“A CP conhecia antecipadamente a situação que estava em causa”, pelo que “que deveria ter atempadamente acautelado todos os procedimentos necessários”, já que sabia que o anterior contrato terminava no final de 2022.
Para o TdC, a CP “deveria ter realizado o correspondente planeamento executando os necessários procedimentos legais de forma atempada”.
A Lusa questionou o TdC sobre o pagamento das multas e aguarda resposta.
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