O que é confiar num pai? “É saber que não importa o que aconteça no mundo, fora de casa, temos um porto seguro para que podemos conversar, perguntar — não importa o que nossos amigos digam a respeito de sexo, drogas, teorias da conspiração, temos alguém para perguntar, para nos informar, alguém em que a gente pode confiar”, diz Marcos Piangers.
Piangers arrancou da Alfândega do Porto uma ovação em pé. 1.300 emocionadas pessoas aplaudiram o brasileiro, que foi o último orador na décima edição do TEDxPorto, no passado sábado, 6 de abril. O autor do livro ‘O pai é top’ falou de como é com as filhas que está a aprender a ser filho também.
O segredo para ser bom pai, esse, só se descobre de outra forma (sendo avô). Porém, enquanto o não é, Piangers vai sendo o melhor pai possível; vai sendo o pai que não teve. A mãe criou-o sozinha, já que o homem que a engravidou, deixou-a com o filho nos braços.
Sem ressentimentos, Marcos Piangers aprende com as duas filhas a ser o herói que elas julgam que ele já é.
Mas… Como é que isso se faz? A primeira coisa a ter em conta é que as crianças são pessoas. “Por vezes não tratamos as crianças como se fossem pessoas: arrancamos-lhes coisas das mãos, dizemos-lhes para ficarem quietas, somos muitas vezes agressivos, violentos... Esse tipo de distanciamento não cria uma conexão que é importante para a construção completa daquele indivíduo."
Porque “quando um pai assume o papel de pai, uma mãe assume o seu papel de mãe, que é a formação completa do indivíduo, é necessário que existam esses laços de conexão e confiança”. Confiança que “se constrói quando o pai e a mãe não mentem para o filho”, conta o orador ao SAPO24.
“A coisa mais fácil é você educar o seu filho com mentiras; porque a sua vida fica mais fácil: quando você diz, cuidado que o homem do saco vai te pegar, ou existe bicho papão, arrume os seus brinquedos se não o monstro vai roubar os seus brinquedos... Está mentindo para o seu filho para facilitar a sua própria vida, mas não está criando laços de confiança e de conexão”, afirma Piangers.
Porém, quando os pais explicam “porque é que ele deve fazer aquelas atitudes, aqueles procedimentos dentro de casa, o seu filho vai ganhando confiança em você, porque assim ele sabe que o pai é um parceiro e não um antagonista".
Todavia, a importância da confiança vai muito além da facilidade de convencer as crianças a arrumar o quarto. “Quando você dá confiança para uma pessoa, para uma criança, ela cresce com 'self-confidence', com auto-confiança”, explica Piangers. “É interessante perceber que a confiança em inglês são palavras distintas: 'trust' e 'confidence'. Em português, confiança é a mesma palavra.”
E se uma criança “consegue perceber verdade nos seus familiares, nos seus pais, nos seus amigos; se uma pessoa consegue confiar na sociedade, confiar nos outros, ela confia em si mesma. E ao confiar em si mesma, ela não se vê limitada pelos seus medos”, conclui.
“Em geral, se fala muito de dar limites às crianças”, diz Piangers. Apesar de isso também ser importante, “na questão do respeito: você respeitar os outros e entender que vive numa sociedade”, os limites podem acabar por ser castradores: “quando a gente fala de limites, a gente também pode incentivar as crianças a romper esses limites, romper os limites que muitas vezes são impostos pelo medo”.
“A gente tem medo de buscar um trabalho com mais significado; a gente tem medo de morar numa outra cidade; ou medo de estudar numa universidade que nos inspira; ou trabalhar com um profissional que a gente acredita que possa ser muito inspirador e transformador na nossa vida profissional; a gente tem medo de achar propósito naquilo que faz... Todos esses medos vêm de algum lugar — e em geral, vêm da falta de confiança, ou de alguém que nos traiu, traiu a confiança”.
“Construir crianças com mais confiança nos outros é construir uma sociedade sem tantos limites, sem tantos traumas, sem tantos entraves”, acrescenta Piangers.
Porém, num mundo onde cada vez mais se descobrem casos de abusos contra as crianças, como podem os pais estar descansados? “Vivo num país onde isso é um grande problema: a violência contra crianças, além de ser muito comum, ela é escondida. E é daí que vem a falta de confiança”, afirma Marcos.
“Quando você não cria um sistema em que essa criança se possa se expressar; quando você não cria, inclusive uma confiança nos pais, tios, familiares, para que essa criança comunique as violências, comunique os assédios, comunique as investidas de predadores, acaba incentivando esse tipo de violência”, acredita Piangers.
“A gente só consegue sair, colocar para fora todas essas violências que acontecem escondidas, quando a gente cria sistemas de confiança entre nós: quando o sexo não é um tabu; quando drogas não são um tabu; quando a gente pode conversar com uma criança sobre género, sobre as escolhas que essa criança tem, mesmo durante a infância. Entender o corpo, os sentimentos; entender o que é ser uma criança, o que é ser um adulto; conversar com a criança sobre isso”, explica.
“Muitas vezes nós adultos, inclusive pais, achamos que as crianças são seres que não absorvem o que está ao redor. As crianças estão o tempo todo absorvendo: pelo que a gente faz, pelo que a gente fala — e mesmo quando a gente não fala para eles, mas fala entre a gente.” Todavia, as crianças não são seres inertes: “as crianças são seres em formação que precisam ser comunicados, precisam todos os dias ser explicado como o processo social acontece. E muitas vezes a gente deixa a criança de lado, não interage, não comunica, espera que eles simplesmente obedeçam e se comportem como um móvel na casa.”
“Só que essa criança, ela vai sempre estar absorvendo tudo o que acontece, ela não é um móvel, ela está crescendo, está se transformado e absorvendo o que está ao seu redor, e é papel dos país e da sociedade, das leis, do governo, criar sistemas para que essa criança cresça completa”, afirma Piangers.
Mas, e quando a criança deixa de o ser — ou começa a deixar de o ser. Como é que um pai pode acreditar no filho quando este começa a sair, quando vai para fora? Piangers traz um exemplo tecnológico: “Perceba como a falta de confiança é tão grande que o Snapchat faz muito sucesso.”
“Os pais tinham celulares [telemóveis], passaram a dar os seus celulares velhos para os filhos adolescentes; os filhos adolescentes começaram a mandar fotos, a conversar com os amigos; os pais eventualmente pegavam o celular para ver as conversas dos amigos, o Snapchat cria um aplicativo em que as conversas desaparecem, as fotos desaparecem, os 'nudes' [fotografias sem roupa] desaparecem. Ou seja, a geração anterior confiava no que nos anos 1990 se chamava 'pais helicóptero', o pai que sempre está olhando o que é que o filho está fazendo, o que é que ele está assistindo, com quem é que ele está falando, vamos pegar no celular dele e vamos assistir”, explica.
Assim, “a tecnologia supre essa demanda do jovem por privacidade, que é fazer desaparecer as minhas conversas, fazer desaparecer as fotos que eu recebo ou que eu mando”.
Só há uma maneira de vencer esta barreira: a confiança. “A única forma de vencer de um adolescente que decide ir estudar fora e que eventualmente chega com um cheiro esquisito em casa, é mantendo laços de confiança. Não é pela violência, não é pela imposição, não é pela palmada, pela agressividade. É ao contrário: pela afetividade, pelo amor, pela noção de que você tem sempre aqui um porto seguro, pode sempre conversar comigo, seja lá o que aconteça aí fora — inclusive, se você errar e entendeu que errou, vem falar comigo.”
“Esse é o momento de abraçar os problemas. A adolescência é o momento de o pai se esforçar para abraçar as demandas do filho, não o contrário. Em geral, os pais ficam muito indignados, muito bravos com os primeiros namorados, experiências sexuais, experiências com narcóticos, com bebidas, com festas... E esse é o momento em que o pai se desconecta do filho, quando deveria estar mais conectado do que nunca”.
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