A conversa, já de barriga cheia, tinha como objetivo conhecer o casal que saiu das Azenhas do Mar para servir o grupo de peregrinos que o SAPO24 está a acompanhar até Fátima. O que começou em festim acabou em fé, e é por lá que começamos. Essa fé que fez Zélia assinar um termo de responsabilidade para impedir que lhe induzissem o parto a 9 de outubro de 2015. João nasceu no dia 13 do mesmo mês, às 7h00. Podemos falar de caminhada abençoada? António e Zélia afiançam que sim.
Há dois anos, Zélia colocou-se a caminho com o seu grupo de peregrinação até Fátima, numa empreitada levada a cabo já no termo da gravidez e contra indicação médica. “Foi um desafio de fé, havia uma confiança, eu acreditava que ia correr tudo bem. Eles não queriam, diziam que era uma loucura porque eu tinha 43 anos e problemas de hipertensão, diabetes e tiroide”, conta.
E você não a impediu, perguntamos a António, que responde sem papas na língua: Eu, demovê-la? Ainda fiz pior. Disse à médica: o que está marcado para dia 13, está marcado. Até lá, a gente resolve”.
“Fomos à procissão das velas, estivemos até ao terceiro mistério e depois seguimos para o hospital de Cascais”, conta o homem, enquanto vai procurando no telefone as imagens que ilustram aquele que foi um dos dias mais memoráveis da sua vida. João é o terceiro filho do casal, que tem mais duas meninas, de 13 e de 18 anos. “O que me fez ir foi a fé”, diz Zélia.
“Os médicos queriam internar-me mas eu não deixei e disse: se até dia 13 à noite não tiver nascido, eu própria me apresento cá e vocês provocam o parto”. Não foi necessário. Zélia chegou ao Hospital de Cascais pronta para ter João.
“Ao longo deste nosso percurso de vida tivemos tantas graças, tantos sinais. No dia em que fomos falar com a médica e assinar o termo de responsabilidade - em como o João não ia nascer de parto induzido no dia 9 - havia uma grande dúvida. Estávamos sentados e apareceu o capelão, que não nos conhecia, e que se meteu comigo porque eu tinha uma medalha ao peito do Espírito Santo. Acabei por lhe falar sobre o meu dilema e ele só disse estas palavras: tudo tem o seu tempo. Para mim isso foi um sinal de Deus. Tudo tem o seu tempo e nós vamos aguentar [a gravidez] até lá”.
E como foi, questionamos. “Fui de carro, e ia saltando pelo caminho para andar e cantar”.
António mostra-nos finalmente uma imagem sua com João ao colo, ainda na maternidade. “O meu marido dentro da sala de partos, e ninguém lhe mandou vestir a bata, continuava com a camisola da peregrinação”, recorda Zélia com um sorriso. A Fátima chegaria uma mensagem por telefone a dar conta ao grupo do nascimento do pequeno. “Eu não tenho essa coragem toda, ela não vem de mim, vem de lá”, diz Zélia, com as mãos a apontar para o céu.
"Fátima é o toque entre Deus e os homens, e Nossa Senhora é a intermediária. É quem faz o caminho de intercessão até Jesus, sendo também, de certa forma, este local de encontro”, resume.
A peregrinação emociona-a? Sim, acena Zélia com o olhar marejado. “Nós ficamos sempre tocados, encontramos vários grupos pelo caminho. E assim que acredito que será o nosso encontro no céu”, acrescenta.
E mesmo não estando na estrada, Zélia e António sentem que esta peregrinação de maio é também sua. “Gostávamos imenso de vir com eles, mas como não podemos, acompanhamos só um bocadinho, trazemos a refeição”, diz Zélia, lamentando que parte da tradição seja impossível de concretizar este ano. “No dia da chegada [a Fátima] costumamos encontrá-los. Levamos a comida para dia 12 e 13, mas este ano não vai ser possível. Além do miúdo pequeno, há muitos constrangimentos para circular em Fátima, não dá”.
“Isto [apoiar oferecendo a refeição] faz-se com tanto gosto que o estamos a viver também. Questionamo-nos onde é que eles estarão? Se calhar já vamos atrasados…”, exemplifica.
Daqui a cinco meses é a sua vez de se meterem ao caminho. “Saímos das Azenhas do Mar, também com o padre Carlos Macedo [que lidera o grupo que agora ruma para Fátima]". António explica: "Nós fazemos a volta do Oeste, são três dias e meio, em que se caminha cerca de 47 quilómetros por dia. A volta tem mais subidas e descidas, mas também é mais fresca. Há pessoas aqui que nos vão levar comer ao caminho e nos vão esperar a Fátima.”
Já la vão oito anos. Como foi o primeiro? “Foi a via dolorosa”, resume António. Zélia detalha: “Correu bem, mas fizemos 56 quilómetros num dia. Quando íamos à casa de banho nem nos conseguíamos levantar depois”, conta numa sonora gargalhada. “Foi só no primeiro ano, depois as coisas melhoraram”, acrescenta.
E, afinal, como é chegar ao Santuário? “É uma grande emoção interior, por vezes a pessoa nem consegue falar”.
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