Num decreto presidencial, divulgado à comunicação social, é referido que "é exonerado o primeiro-ministro, Sr. Aristides Gomes".
O decreto, assinado por Umaro Sissoco Embaló, refere que a demissão de Aristides Gomes se justifica, tendo em conta a sua "atuação grave e inapropriada" por convocar o corpo diplomático presente no país, induzindo-o a não comparecer na tomada de posse e a "apelar à guerra e sublevação em caso da investidura do chefe de Estado, que considera um golpe de Estado".
O decreto refere também que a demissão do primeiro-ministro teve em conta a "crise artificial pós-eleitoral criada pelo partido PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) e o seu candidato às eleições presidenciais, que põe em causa o normal funcionamento das instituições da República, consubstanciada nas declarações públicas de desacato e não reconhecimento da legitimidade e autoridade" do chefe de Estado "eleito democraticamente, por sufrágio livre, universal, secreto, considerado pelo conjunto de observadores internacionais livre, justo e transparente e confirmado quatro vezes pela Comissão Nacional de Eleições".
Aristides Gomes tinha, por seu lado, publicado, nas redes sociais, que as instituições do Estado estão a ser invadidas por militares, num claro "ato de consumação do golpe de Estado".
"Há cerca de meia hora, as instituições de Estado estão a ser invadidas por militares, num claro ato de consumação do golpe de Estado iniciado ontem (quinta-feira) com a investidura, de um candidato às eleições presidenciais", refere Aristides Gomes na sua página oficial no Facebook.
Umaro Sissoco Embaló tomou simbolicamente posse ontem numa cerimónia marcada pela ausência do Governo, partidos da maioria parlamentar e principais parceiros internacionais do país. A cerimónia terminou com a assinatura do termo de passagem de poderes entre o Presidente cessante, José Mário Vaz, e Umaro Sissoco Embaló.
O Governo da Guiné-Bissau considerou o ato como um "golpe de Estado" e "uma atitude de guerra" e acusou o Presidente cessante de se auto-destituir e as Forças Armadas de "cumplicidade".
UE e ONU apelam ao respeito pela Constituição
A União Europeia já reagiu à situação, exortando todos os atores políticos na Guiné-Bissau a respeitar a Constituição e os procedimentos legais pós-eleitorais, sublinhando que a atual situação ameaça agravar uma crise que já há muito afeta o país.
Numa declaração à Agência Lusa, a porta-voz Virginie Battu-Henriksson, reagindo à tomada de posse simbólica por Umaro Sissoco Embalo como Presidente guineense, sublinhou que “a tomada de posse de um novo Presidente deve ter lugar em respeito absoluto pela Constituição e após a conclusão dos procedimentos legais”.
“Dada a situação atual, a UE apela a todos os atores que contribuam de forma construtiva para a célere conclusão do processo institucional”, disse.
A mesma porta-voz, responsável pelos Negócios Estrangeiros e Política de Segurança, sublinhou que a situação atual “ameaça agravar a crise de longa data que afeta a população da Guiné-Bissau”.
Também o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) aconselhou hoje os atores políticos da Guiné-Bissau a conterem-se de "ações e declarações que possam quebrar o processo político" ou fazer "escalar tensões".
Num documento adotado hoje de forma unânime pelos 15 Estados-membros, o Conselho de Segurança da ONU pede ainda ao Governo da Guiné-Bissau que dê prioridade à reforma da Constituição do país e faça reformas na Lei Eleitoral, no setor da defesa e segurança e no setor jurídico.
Sem comentários ao atual impasse com a tomada de posse simbólica de Umaro Sissoco Embaló como Presidente do país, na quinta-feira, o documento pede especial atenção ao aumento de tensões ou incitações à discriminação, ódio ou violência.
O Conselho de Segurança da ONU incentiva Bissau a tomar medidas de “controlo civil efetivo” e de supervisão das forças de defesa e segurança nacionais, garantindo o normal funcionamento das instituições do Estado e aconselha a organização de uma “conferência nacional sobre a paz, estabilidade e reconciliação”.
A resolução adotada hoje ordena o prolongamento do mandato da Missão Integrada de Consolidação da Paz na Guiné-Bissau (Uniogbis) até 31 de dezembro e defende que as autoridades nacionais têm a “responsabilidade primária” de garantir segurança e devem ser capazes de chegar a acordo sobre uma estratégia de desenvolvimento nacional, nos aspetos económicos e sociais.
Expressando “preocupação” pela situação política, o órgão da ONU defende que o executivo da Guiné-Bissau deve garantir a separação de poderes e o acesso de todos à justiça, “com particular atenção às mulheres e jovens”.
Uma “alarmante situação política”
Numa intervenção na reunião do Conselho de Segurança, o representante permanente do Níger junto da ONU, Abdallah Wafy, disse que se trata de uma “alarmante situação política” e que a reconciliação nacional é imprescindível, sendo “solução para a longa crise que tem tido um impacto devastador na sociedade e economia”.
O representante permanente adjunto da Rússia junto da ONU, Dmitry Polyanskiy, sublinhou que a organização deverá rever o regime de sanções à Guiné-Bissau, e acrescentou que “as medidas restritivas impostas em 2012 não tem nada a ver com a corrente situação, já que as forças armadas nacionais se retiraram do espetro político e a ordem constitucional foi restaurada em 2015″.
Dmitry Polyanskiy declarou que as “sanções atingiram os objetivos há muito tempo” e disse que a manutenção deste regime de sanções pode causar dúvidas e pôr em causa a autoridade do Conselho de Segurança da ONU.
No documento hoje publicado, a ONU elogia a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) por “responsabilizar aqueles que obstruem a condução suave dos processos políticos e eleitorais e ameaçam a paz e estabilidade na Guiné-Bissau”.
O Conselho de Segurança volta a reiterar o apoio à posição tomada este mês pela CEDEAO, em 09 e 21 de fevereiro, pedindo a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça na clarificação dos resultados eleitorais e a cooperação “construtiva” com a Comissão Nacional Eleitoral, “a fim de preservar a integridade do processo eleitoral e garantir a paz e a estabilidade do país”.
Destacando o importante papel da missão da CEDEAO na Guiné-Bissau, Ecomib, a organização internacional pediu assistência financeira dos parceiros bilaterais, regionais e internacionais para esta missão.
"Importa saber que Presidente da Guiné-Bissau devemos saudar e reconhecer”, diz Augusto Santos Silva
Na quinta-feira, o ministro português dos Negócios Estrangeiros disse que importa que “as instituições guineenses se concertem” para que se saiba que Presidente da Guiné-Bissau se deve “saudar e reconhecer”, acrescentando que a comunidade portuguesa neste país está “tranquila”.
“Importa que as duas candidaturas aceitem os resultados eleitorais (…), importa também que as instituições da Guiné-Bissau se concertem, de forma a que nós possamos todos, quer na Guiné, quer fora da Guiné-Bissau, saber que Presidente da Guiné-Bissau devemos saudar e reconhecer”, salientou Augusto Santos Silva.
Tomada de posse sem consenso
Umaro Sissoco Embaló, dado como vencedor da segunda volta das presidenciais da Guiné-Bissau pela Comissão Nacional de Eleições, tomou posse simbolicamente como Presidente guineense na quinta-feira, numa altura em que o Supremo Tribunal de Justiça ainda analisa um recurso de contencioso eleitoral interposto pela candidatura de Domingos Simões Pereira, que alega a existência de graves irregularidades no processo.
O primeiro-ministro guineense, Aristides Gomes, defendeu que a autoproclamação de Umaro Sissoco Embaló como Presidente do país “é uma atitude de guerra” e que o Governo não obedecerá a uma autoridade ilegítima.
“Há uma afronta, mais do que uma afronta, um golpe de Estado”, defendeu Aristides Gomes, quando instado a comentar a cerimónia de investidura simbólica de Sissoco Embaló.
A posse simbólica de Umaro Sissoco Embaló decorreu sem a presença da comunidade internacional, à exceção dos embaixadores da Gâmbia e do Senegal.
A seguir à cerimónia, Embaló, já com a faixa presidencial, seguiu, acompanhado pelo Presidente cessante, José Mário Vaz, para o Palácio Presidencial, no centro de Bissau.
Já na presidência, foi feita uma nova cerimónia de transferência de poderes, após a qual o Presidente cessante abandonou o Palácio Presidencial, onde milhares de apoiantes de Embaló festejaram.
O presidente do parlamento guineense, Cipriano Cassamá, que conforme a Constituição do país é quem concede a posse ao Presidente eleito, demarcou-se da cerimónia, estando a aguardar pela decisão do Supremo Tribunal de Justiça ao recurso interposto pelo candidato Domingos Simões Pereira, alegando irregularidades e fraude eleitoral.
Comentários