A decisão procura evitar uma divisão do parlamento, tendo Theresa May admitido que o acordo seria rejeitado por uma "grande margem". A primeira-ministra não avançou ainda com uma nova data para a votação.
May explicou, durante o debate que decorreu na sequência do anúncio, que o voto está a ser adiado para que seja possível voltar a discutir algumas questões com a União Europeia.
Ainda esta segunda-feira de manhã, o porta-voz do Governo britânico tinha confirmado que a votação não iria ser cancelada.
"Escutei com muita atenção o que se disse nesta câmara e fora", afirmou May, perante risos dos deputados, acrescentando que, mesmo existindo apoio a grande parte do texto, a solução para a Irlanda do Norte causou muitas objeções.
A primeira-ministra britânica admitiu ainda que o risco de uma saída sem acordo "acidental" da União Europeia está a aumentar, rejeitando tanto um novo referendo como ficar numa união aduaneira.
"Enquanto não concordarmos num acordo, o risco de uma ausência de acordo acidental aumenta. Assim, o Governo vai intensificar o seu trabalho em preparação para esse resultado potencial", avisou Theresa May.
Mas a chefe do Governo também avisou que o parlamento enfrenta o dilema sobre a forma de concretizar o Brexit, e se o quer fazer de forma ordeira, através de um acordo.
"Se a resposta for sim, e penso que essa é a resposta da maioria desta Câmara, temos de nos questionar se estamos preparados para fazer um compromisso", defendeu, apontando os defeitos das alternativas.
Um segundo referendo, apontou, "arrisca-se a dividir o país de novo", ficar na união aduaneira "exigiria a livre circulação, o cumprimento de regras em toda a economia e as contribuições financeiras em curso" e sair sem um acordo "causaria um dano económico significativo a partes do nosso país".
Theresa May não soube precisar quando terá lugar o voto ao acordo, alegando que vai depender das conversas com a União Europeia e a República da Irlanda, que faz fronteira com a Irlanda do Norte e que terá de aprovar o mecanismo para evitar controlos sobre o movimento de bens e pessoas.
"Até essas discussões começarem, não é possível dizer quanto tempo vai ser necessário. Já foram feitas referências à data de 21 de janeiro. Eu quero trabalhar o mais rápido e urgentemente possível", sublinhou.
A declaração sobre o adiamento da votação foi feita naquele que deveria ser o quarto de cinco dias de debate e que deveriam culminar numa votação na terça-feira sobre o acordo de saída do Reino Unido da União Europeia e a declaração sobre as relações futuras entre as partes.
A hipótese de a votação ser adiada começou a ser especulada ainda na semana passada na imprensa britânica, que deu conta de membros do Governo preocupados não só com o conteúdo do texto, mas também com as possíveis consequências da votação.
Dezenas de deputados do partido Conservador, atualmente no poder, manifestaram-se publicamente contra o acordo, ameaçando com uma derrota esmagadora do Governo, que não tem maioria na Câmara dos Comuns, o que poderia forçar a demissão de Theresa May.
O anúncio chegou algumas horas depois de o Tribunal de Justiça da União Europeia ter deliberado que o Reino Unido pode recuar na decisão de abandonar a União Europeia unilateralmente, isto é, sem precisar de aprovação por parte dos restantes Estados-membros.
A decisão do tribunal veio alimentar a esperança dos pró-europeístas de que o Brexit seja repensado, indica a agência Reuters.
O acordo negociado com a União Europeia precisa de ser aprovado no parlamento britânico para que o Brexit, agendado para o dia 29 de março, se possa consumar.
A libra atingiu o valor mais baixo desde junho de 2017.
Reações ao adiamento da votação
Jeremy Corbyn foi o primeiro a responder às declarações da primeira-ministra. O líder dos Trabalhistas, principal partido da oposição no Reino Unido, perguntou se o Governo irá procurar renegociar alterações substanciais ao acordo.
Corbyn terminou apelando ao afastamento da primeira-ministra: "Se Theresa May não conseguir renegociar este acordo, então deve sair do caminho".
O líder dos Trabalhistas já tinha afirmado esta segunda-feira, num comunicado, que o Governo "não está a funcionar" e que o plano do Partido Trabalhista para o acordo do Brexit deve ser visto como central para futuras negociações com Bruxelas.
No entanto, a porta-voz da Comissão Europeia ainda hoje reiterou, reagindo à decisão do Tribunal de Justiça europeu, que o acordo aprovado a 25 de novembro pelo Conselho Europeu “não será renegociado” e que, no que diz respeito à Comissão Europeia, “o Reino Unido sairá da União Europeia a 29 de março de 2019”.
Pelo menos dois deputados, durante o debate que decorreu na sequência do anúncio do adiamento da votação, já afirmaram que apoiarão uma moção de censura, caso o Partido Trabalhista apresente uma.
Objeções à solução para a Irlanda do Norte
Conhecido por ‘backstop’, o procedimento que define que a fronteira da Irlanda do Norte com a República da Irlanda continue aberta mantém o Reino Unido num sistema aduaneiro com a UE que só será revogado se for substituído por uma outra solução, o que um parecer jurídico do Governo admitiu poder deixar o Reino Unido bloqueado em “rondas de negociações prolongadas e repetidas”.
Porém, a solução de salvaguarda para a Irlanda do Norte foi desaprovada tanto por adeptos como por opositores ao Brexit devido ao risco de deixar o país “indefinidamente” numa união aduaneira sem o poder de sair unilateralmente.
May disse ter falado com vários líderes europeus durante o fim de semana e que vai usar o Conselho Europeu de quinta e sexta-feira para negociar com os homólogos de outros estados membros e dirigentes europeus.
“Vou discutir com eles as preocupações claras que esta Câmara expressou. Estamos também a olhar atentamente para novas formas de capacitar a Câmara dos Comuns para garantir que qualquer provisão para um ‘backstop’ tenha legitimidade democrática” e também para permitir que a solução não possa ficar em vigor indefinidamente, adiantou.
O acordo de saída da UE, bem como a declaração política não vinculativa que o acompanha sobre as relações futuras, foram o resultado de 17 meses de negociações intensas com Bruxelas e aprovadas finalmente há duas semanas pelos líderes dos restantes 27 estados membros.
O documento define os termos da saída do Reino Unido da UE, incluindo uma compensação financeira de 39 mil milhões de libras (44 mil milhões de euros), os direitos dos cidadãos e o mecanismo para manter a fronteira da Irlanda do Norte com a República da Irlanda aberta se as negociações para um novo acordo não forem concluídas até ao final de dezembro de 2020, quando acaba o período de transição.
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