Nesta fronteira, onde a emergência tenta uma saída de esperança para milhares de migrantes, um muro de ferro recorta a paisagem. Mas, ao contrário das antigas cidadelas, este não protege a própria cidade, mas o vizinho de uma invasão.

É também um pólo de medicina que atrai norte-americanos em busca de tratamentos mais económicos.

“O muro é um obstáculo dentro da cidade porque Tijuana e San Diego [do lado dos Estados Unidos] formam uma mesma área metropolitana. Não é apenas uma característica de uma fronteira internacional, mas parte integral da vida quotidiana”, define Rodulfo Figueroa, atual coordenador geral da caravana migrante em Tijuana e ex-delegado do Instituto Nacional de Migração no Estado da Baixa Califórnia.

Tijuana e San Diego formam uma mesma área urbana, considerada uma zona metropolitana transnacional, também denominada como “CaliBaixa” (Califórnia + Baixa Califórnia).

“Durante décadas, a Baixa Califórnia foi mais próxima dos Estados Unidos do que da Cidade do México”, conta Figueroa.

Ao chegar de avião, o muro está lá, a apenas 15 metros do aeroporto. Para quem for à praia, o muro está lá para impedir a passagem de banhistas. O muro de Tijuana expõe a fratura político-social das Américas.

Tijuana é a zona fronteiriça mais transitada do mundo. A parede de ferro tem três portas através das quais passam, diariamente, entre 150 e 200 mil pessoas, cerca de 10% da população da cidade. Metade dessas travessias diárias, entre 70 e 100 mil, são pessoas que cruzam para estudar ou para trabalhar. Trabalham nos Estados Unidos, mas vivem no México. Ganham em dólares, mas gastam em pesos: um grande negócio.

O aluguer de um apartamento por aqui custa entre 25% e 30% do que custa um proporcional do outro lado da fronteira.

Também a indústria maquilhadora tem em Tijuana o seu principal pólo. É responsável pela principal atividade económica da cidade. Grandes marcas norte-americanas produzem e armam aqui em pesos os produtos que depois venderão nos Estados Unidos em dólares.

Atravessar a fronteira é tarefa fácil e rápida para quem qualifica. Leva cerca de 15 minutos. Do outro lado, um elétrico leva trabalhadores e turistas para o Centro de San Diego num trajeto de meia hora.

Fazer compras nos gigantescos shoppings ao Sul de San Diego, já em território dos Estados Unidos, é mais perto para quem vive no Centro de Tijuana do que para quem vive no Centro da própria San Diego. É possível sair de Tijuana, jantar nos Estados Unidos e voltar, gastando o mesmo tempo que se gastaria ao ir a um restaurante dentro na própria Tijuana.

Já para quem não qualifica, transpor a muralha enferrujada é uma missão impossível. Até três anos atrás, parentes e amigos que viviam em lados opostos do muro, encontravam-se entre as barras de ferro para se verem e para se tocarem. A cena era típica de uma penitenciária. Esse contacto físico acabou quando os Estados Unidos resolveram construir uma segunda barreira.

“Nada disso existia até os anos 90″, recorda Rubén Ibarra (56 anos), um mexicano que, em 1980, aos 18 anos, cruzou a fronteira sozinho a pé. Viveu ilegal até conseguir a residência.

“Na minha adolescência, eu atravessava para buscar madeira e retornava para casa, em Tijuana. Um dia, decidi procurar trabalho. Era muito fácil atravessar. Bastava querer. Em apenas uma hora andando, já estávamos do outro lado. Nenhum muro. Nenhum controlo”, descreve.

Rubén relembra que os coiotes – os atravessadores que fintam as patrulhas de migração e conduzem os ilegais pelo deserto – já existiam, mas não eram muito procurados. Cobravam 150 dólares; hoje, entre 7 e 10 mil dólares, de acordo com a condição e com o desespero do cliente.

A construção do muro começou em 1994, durante o mandato de Bill Clinton. A promessa de campanha de Donald Trump, durante a campanha de 2016, pretende estender o muro a toda a fronteira. Em Tijuana, isso já é uma realidade.

O muro, no entanto, só serve de contenção para um lado da moeda. Os norte-americanos entram no México sem inconvenientes.

Os elevados preços da medicina nos Estados Unidos atraem uma quantidade imensa de norte-americanos em busca de tratamentos médicos mais económicos em Tijuana, principalmente por dentistas e por cirurgiões plásticos.

Enquanto os hotéis no mundo costumam oferecer serviços gratuitos de transporte para aeroportos aos seus hóspedes, em Tijuana, os hotéis oferecem ainda deslocações às clínicas.

A cidade fronteiriça é também dominada pelo Cartel de Tijuana, o famoso Cartel dos Arellano Félix, crime organizado dedicado ao tráfico de drogas e à lavagem de dinheiro, recentemente em guerra com o Cartel de Sinaloa e com o Cartel de Juárez.

Não é de hoje que Tijuana serve como entreposto para esquivar a lei. Há 95 anos, o imigrante italiano Caesar Cardini trabalhava oferecia aqui serviços de hotelaria, de gastronomia e bebidas alcoólicas aos clientes norte-americanos que cruzavam a fronteira para fintar as restrições da Lei Seca.

A 4 de julho de 1923, quando uma multidão de norte-americanos chegou a Tijuana para festejar o dia da independência dos Estados Unidos, faltaram ingredientes para a cozinha. Cardini improvisou com sucesso a partir de restos de ingredientes. Nascia a Caesar’s salad ou salada César.

O Caesar’s Hotel e o restaurante homónimo ainda persistem na avenida Revolución, em pleno Centro de Tijuana.

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