Divulgado no Dia Europeu do Antibiótico, o inquérito “Consumo de antibióticos”, realizado pelo Centro de Estudos Aplicados da Universidade Católica para o Grupo de Infeção e Sepsis (GIS), visou apresentar “um retrato inédito sobre os hábitos e comportamentos das famílias portuguesas face aos antibióticos, avaliando também a sua perceção sobre os riscos da sua incorreta utilização”.

Em declarações à agência Lusa, o presidente do GIS adiantou que o estudo procurou encontrar grupos e mensagens úteis para melhorar a consciencialização da sociedade sobre a utilização dos antibióticos e “a resistência aos antimicrobianos que é uma área complicada neste momento para a medicina e um problema que se tem agravado muito”.

“Entendemos que não é um problema só limitado à prescrição médica e toda a sociedade em conjunto tem um papel importante a desempenhar”, disse Paulo Mergulhão, acrescentando que o objetivo do estudo foi também “identificar áreas estratégicas para intervir de forma mais dirigida”.

Segundo o estudo, 73% dos inquiridos declararam tomar antibióticos, dos quais 76% só o faz por prescrição médica, 13% disseram nunca ter tido necessidade de tomar e 14% recusam fazê-lo mesmo que seja receitado pelo médico.

Para Paulo Mergulhão, este último dado indica que “continua a haver problemas de comunicação entre as pessoas e os seus médicos assistentes” porque mostra que “não confiam naquilo que o médico lhe diz ou manda fazer”.

Considerou, contudo, “uma boa mensagem” o facto de uma “grande proporção da amostra”, que envolveu 1.778 pessoas com 15 ou mais anos de todo o país, dizer que “só toma antibióticos com prescrição médica”, uma vez que a “utilização desregulada” deve ser evitada “a todo o custo”.

O inquérito também deu a perceber “um bocadinho melhor” onde ocorre a prescrição dos antibióticos. Cerca de 60% são em consultas de ambulatório, 19% em consultas de emergência, 14% em consultórios de dentistas e 7% durante internamentos hospitalares.

Segundo Paulo Mergulhão, estes resultados apontam para as áreas que “podem ser alvo de intervenções específicas de modular e de melhorar a prática de prescrição de antimicrobianos”.

O inquérito revela também que 45% dos participantes tomou estes medicamentos no último ano e apenas 15% não o fez nos últimos cinco anos.

Cerca de 10% tomaram no último mês, uma percentagem que Paulo Mergulhão considera “enorme” e que indica que provavelmente há sobre prescrição de antibióticos em muitos contextos.

“Há uma proporção muito grande de pessoas que por falta de informação certamente reporta que os antibióticos servem para tratar todo o tipo de infeções, independentemente de serem bacterianas ou víricas”, sublinhou.

Exemplificou que “não adianta nada tomar um antibiótico para tratar uma gripe”, porque é uma infeção viral e não bacteriana: “isso é uma perceção que vamos ter que nos esforçar para mudar”.

Para 40% dos participantes, a duração do tratamento é o mais importante, enquanto que 27% considera que a informação mais importante são os efeitos secundários.

São os mais idosos e, em particular, os homens que dão mais importância à duração do tratamento. As mulheres dão também grande atenção a esta dimensão e aos efeitos secundários, mas tal como os mais jovens atribuem maior importância à interação dos antibióticos com outra medicação”, refere o estudo.

Dois terços dos inquiridos declara seguir a prescrição até ao final e apenas 9% diz que deixa de tomar o antibiótico logo que se sente melhor, sendo, no entanto, este valor muito maior nos homens do que nas mulheres e nos mais jovens do que nos mais idosos.

Custo de não combater resistência aos antibióticos será mais alto do que o da pandemia

“Andamos agora habituados a falar em triliões por causa dos custos do confinamento” na sequência da pandemia da covid-19, mas as estimativas para os custos de não combatermos eficazmente o problema da resistência aos antimicrobianos são de uma ordem de grandeza acima do que vai ser o custo da pandemia”, diz Lusa Paulo Mergulhão.

O médico intensivista lembrou um relatório encomendado pelo Governo britânico sobre o impacto mundial do problema da resistência aos antimicrobianos e as estimativas em termos globais apontarem para que, se não se conseguir mudar a trajetória de evolução deste problema, em 2050 haverá 10 milhões de mortes por ano em consequência direta desta situação.

“Subjacente à pandemia do SARS-CoV-2 e da covid-19 nós temos uma pandemia potencialmente muito mais complicada que precisamos de reconhecer e combater”, disse o também secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna.

Para Paulo Mergulhão, o problema da resistência aos antimicrobianos tem resposta, não pode ser encarado “como uma fatalidade”.

“Em Portugal há bons exemplos de boa resposta, já conseguimos reduzir pelo menos a nível hospitalar o consumo de alguns antimicrobianos”, salientou.

Deu como exemplo os antibióticos de muito largo espectro que são usados para tratar as infeções por microrganismos multirresistentes, “os mais resistentes de todos”, que os médicos tentam reservar “o mais possível”.

“O Programa Nacional de Combate às Resistências e de Controle de Infeção definiu como objetivo diminuir o consumo de alguns desses antimicrobianos problema e isso foi feito de forma sustentável ao longo dos últimos três ou quatro anos”, sustentou.

Algumas bactérias multirresistentes muito características do hospital que era um problema quase endémico em Portugal há 10 anos, tem vindo a diminuir de forma sustentada em relação à sua incidência.

“Temos um problema gravíssimo não há dúvida nenhuma, mas é um problema que nós começamos a perceber como combater. Agora demora o seu tempo e a inércia muita”, comentou.

Sobre o consumo de antibióticos, Paulo Mergulhão disse que já estava a diminuir antes da pandemia, mas que agora “há o outro o reverso da medalha” que é preciso pensar, nomeadamente “se a sobrecarga dos sistemas de saúde e o elevado número de internamentos por covid pode condicionar o aumento da utilização de antimicrobianos, principalmente nos casos mais graves”.

Na prática, o doente com covid-19 tem uma pneumonia e às vezes é difícil ao médico distinguir uma pneumonia vírica de uma pneumonia causada por bactérias e, por vezes, podem coexistir.

“Nós podemos ter as duas coisas ao mesmo tempo e uma grande questão é se realmente o problema da covid-19 vai aumentar de forma significativa os consumos de antibióticos nos hospitais e também há estratégias que permitem de certa forma combater essa possibilidade”, defendeu.

Por outro lado, é preciso passar a informação à população que a covid-19 não é uma doença tratável com antibióticos.

Mas há outras áreas da sociedade que concorrem para o uso de antimicrobianos além da Medicina, como a medicina veterinária, a agropecuária e até a construção civil, em que são utilizadas há tintas impregnadas com fármacos antimicrobianos ou antifúngicos.

“Há uma utilização muito alargada, e ou conseguimos em conjunto regular este tipo de utilização, ou não vamos chegar a bom porto”, alertou.

Em Portugal o consumo de antibióticos começa a revelar alguma quebra, quer nos hospitais, quer na comunidade, contudo o país continua acima da média europeia na utilização de antibióticos e apresenta uma das mais elevadas taxas de infeções hospitalares da Europa.

Quase diariamente, internamentos para tratar pequenos problemas transformam-se em grandes problemas de saúde ou em mortes devido a infeções por bactérias multirresistentes hospitalares. E este tipo de bactérias pode já não estar restrito aos ambientes hospitalares, refere o GIS em comunicado.