Muito equiparados ao nível do desempenho no debate, Catarina Martins e Cotrim de Figueiredo protagonizaram o confronto esquerda-direita desta noite, naquele que foi o terceiro de debate das eleições europeias.
À mesa estavam ainda João Oliveira, cabeça de lista pela CDU, um eurocético que disse que o seu objetivo "não é sair do euro", mas antes "preparar o país" para se "libertar das políticas associadas ao euro que o têm prejudicado". Pouco eficaz no discurso, marcado mais por posicionamento ideológico do que por medidas concretas, João Oliveira teve talvez o desempenho menos feliz deste debate. Com Portugal no centro do seu discurso — "é preciso que se faça uma defesa do Parlamento Europeu daquilo que em Portugal faz falta" —, o candidato a eurodeputado sempre a falar para as bases da CDU.
Ao fim do terceiro debate, o jovem Francisco Paupério teve menos espaço para surpreender e, consequentemente, para brilhar. Consistente com o estilo de debate que tem tido até agora, e fiel às mensagens-chave que escolheu partilhar nesta período pré-eleitoral, viu a experiente Catarina Martins a assumir o comando daquilo que o comentador e jornalista Paulo Baldaia batizou de "bloco das esquerdas" neste debate.
Cotrim de Figueiredo, aguerrido e claramente a navegar num território que lhe é favorável — o debate foi todo centrado em questões ligadas à economia —, fez por marcar pela diferença. Não perdeu o repto em nenhum dos temas, fez por ser claro nas ideias e propostas que colocou em cima da mesa e, até com alguma arrogância, foi colocando em causa o conhecimento dos seus oponentes — "hoje estou a perceber porque é que cada um destes partidos não votou a favor da nossa proposta de literacia financeira" ou "não quero correr o risco de dar aulas a ninguém".
À esquerda separa-os sobretudo a forma como olham para a União Europeia e para o Euro: a CDU aparentemente vivia bem sem ele; o Bloco assume que muito se tem evoluído dentro da UE, já o Livre é "convictamente europeísta", mas assume que muito há a melhorar. Já a IL pede uma Europa mais orientada para o crescimento e menos burocrática e um Portugal mais preparado para o momento em que se fechar a torneira dos fundos europeus.
O início do debate foi marcado pela autonomia do Banco Central Europeu (BCE) e se este deve ou não responder perante o Parlamento Europeu sobre as suas decisões.
João Oliveira considerou que Portugal "ficou de braços cruzados com a ruína das nossas famílias e empresas quando o BCE aumentou as taxas de juro". Acredita que "o euro não é uma fatalidade" e que o país deve "preparar-se para se libertar das políticas associadas ao euro que o têm prejudicado".
Catarina Martins e Francisco Paupério alinham num discurso de maior "escrutínio democrático" do BCE, que segundo a cabeça de lista às europeias do Bloco de Esquerda serve o setor bancário e não as pessoas. Este escrutínio ficaria a cargo do Parlamento Europeu.
Para Cotrim de Figueiredo, "escrutínio democrático" não é ter governos a condicionar decisões técnicas do BCE. E é perentório: "no dia em que os bancos centrais nacionais ou transacionais perderem independência ficarão nas mãos dos governos. Isso é o fim das condições de prosperidade da UE".
A discussão centrou-se depois nos salários e, por inerência, no crescimento económico da União Europeia. Foi Francisco Paupério a dar o pontapé de saída a um dos temas mais discutidos hoje e que dividiu a esquerda.
O candidato do Livre defendeu "um salário mínimo europeu calculado com base nas especificidades de cada país", esclarecendo que em Portugal deveríamos estar a olhar para "80% do salário mínimo espanhol" como referência.
Catarina Martins assume "dúvidas" num critério que considerou "frágil". "Talvez não seja muito bom pensarmos que a comparação com Espanha nos vai sempre permitir aumentar salários". A ex-líder bloquista defendeu que o crescimento económico da Europa se deve fazer através do "investimento em setores estratégicos, algo que as regras de governação económica têm impedido os países de fazer".
Já João Oliveira mostrou-se manifestamente contra a forma como está pensada a atual diretiva de salário mínimo adequado, cujas regras aplicadas a Portugal fariam baixar o salário mínimo.
Para Cotrim de Figueiredo, que não se manifestou sobre um salário mínimo europeu, "a única forma sustentada de aumentar salários é ter uma economia que cresça e que seja capaz de criar trabalho altamente qualificado. A Europa transformou-se na campeã da burocracia, quando há uns anos era a campeã da inovação. E o nosso grande desafio também na Europa será de crescimento económico, porque o deixámos de fazer há 10 ou 15 anos".
A fechar o frente a frente esteve o tema dos fundos europeus — estão ou não a ser bem utilizados por Portugal, pode ou não o país ficar à míngua com o alargamento a Leste?
"Os fundos europeus não são um euromilhões, é um mecanismo de compensação dos impactos assimétricos", defendeu João Oliveira, para quem "Portugal não pode perder fundos". Assim, defende, "o orçamento da UE deve ser reforçado", até porque "o que recebemos não chega para compensar as perdas que temos", acrescentou.
Também para Catarina Martins "não há mais Europa sem mais orçamento", o que será crítico num cenário de alargamento da União Europeia aos países de Leste. Além do combate à corrupção nos fundos europeus, a cabeça de lista pelo Bloco de Esquerda defendeu uma revisão da Política Agrícola Comum (PAC), em linha com Francisco Paupério, do Livre. Ambos consideram que a atual política comum para a agricultura privilegia os grandes proprietários ao invés dos pequenos e médios agricultores.
Já Cotrim de Figueiredo, defende que "mais tarde ou mais cedo vamos ter de viver sem fundos, e é bom que nos preparemos". E, disse, isso implica aproveitar corretamente os fundos atuais.
À terceira volta, os cabeças de lista às europeias continuam a firmar que a sua intenção é mesmo discutir Europa, fugindo à tentação de fazer destas eleições uma segunda volta das legislativas.
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