Um abraço longo e apertado à mãe de uma menina com cancro que acabara de chegar da Ucrânia, como símbolo de tudo o que não conseguíamos exprimir por palavras, dada a insuficiência do conhecimento de uma língua comum que nos unisse.

Num dos lados deste abraço estava a revolta pelo longo percurso de alguém com uma filha com nome de princesa e de ar compenetrado e sereno do alto dos seus 5 anos. Aos 5 anos tratava de um cancro e foi apanhada por uma guerra. 

Sem saberem para onde partiam, saíram com outros meninos e meninas e outras mães e irmãos, e fizeram um percurso pleno de incertezas, que durou mais de 13 dias. A somar a todos estes dias veio uma longa viagem, de mais de 10 horas, e a chegada a Portugal, um sítio diferente, onde não percebiam ninguém e onde tudo lhes pareceu desadequado. 

Do outro lado deste abraço estava a Acreditar. Toda a disponibilidade para ajudar, sabendo que nesta recepção nem tudo tinha sido perfeito, sabendo que nem tudo estava perfeito e sentindo a enorme impotência de apagar as imagens da guerra, a burocracia que, com toda a boa vontade, os tinha obrigado a um percurso de incerteza de tantos dias, a indignidade de não estarmos nunca preparados para acolher e entender quem vem tão traumatizado e revoltado.

Mas este abraço criou um princípio de entendimento. Um pedido de desculpas mútuo e muito para partilhar para além das lágrimas que corriam todas da mesma maneira.

Este foi o início da chegada de seis meninos e meninas com cancro acompanhadas de mães e irmãos às Casas da Acreditar. Ficarão pelo tempo que precisarem, enquanto fizer sentido.

O processo de vinda destas crianças e famílias foi muito complexo. Foi muito mais complexo do que poderia ter sido. 

Tratando-se de uma vinda de emergência, de um país em guerra, ter-se-ia imposto que, para além da boa vontade, tivéssemos tido uma organização exemplar e cooperativa, o que não existiu desde o primeiro dia. 

É importante que retiremos lições. 

A sociedade civil organizou-se e quis ajudar em toda a Europa. Portugal não foi uma excepção. Portugal não será uma excepção. Mas, a capacidade de diálogo de todas as partes não existiu, a capacidade de coordenação foi inexistente e isso, no limite, dificultou o percurso desta mãe, de olhar duro e revoltado. 

Não sei se existirão mais doentes a virem para Portugal mas, se assim for, é determinante que a organização e o diálogo se sobreponham à arrogância dos saberes de cada uma das partes, que exista uma genuína vontade de ajudar e que cada um – governo, entidades da sociedade civil portuguesas e internacionais, médicos e estruturas hospitalares - entendam o seu papel, que o respeito recíproco é importante e que quanto melhor for a organização melhor será o acolhimento e as vidas destas famílias.

O longo abraço de uma mãe que merece que estejamos todos à altura de o receber.

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Margarida Cruz é Directora-geral da Acreditar. A Acreditar existe desde 1994 com o objectivo de minimizar o impacto da doença oncológica na criança e na sua família. Presente em quatro núcleos regionais: Lisboa, Coimbra, Porto e Funchal, dá apoio em todos os ciclos da doença e desdobra-se nos planos emocional, logístico, social, entre outros. Em cada necessidade sentida, dá voz na defesa dos direitos das crianças e jovens com cancro e suas famílias. A promoção de mais investigação em oncologia pediátrica é uma das preocupações a que mais recentemente se dedica.