O Natal é uma altura do ano em que as famílias mais se unem, sobretudo no dia de fazer a árvore e os respetivos presépios. Nas zonas mais rurais, mas não só, é típico que o português vá aos aos campos raspar dos solos o famoso musgo, que fica tão bem aos pés da árvore... verdinha. Mas sabia que isto deve ser evitado?

"Há uma prática que há algum tempo começou a ser evitada, a de ir ao seu ambiente cortar pinheiros, para fazer a árvore. Hoje em dia, a grande maioria compra artificiais ou aqueles pinheiros naturais certificados de uma origem sustentável e esse tem de ser o caminho para o musgo, não se pode arrancar só porque sim. Infelizmente esta sensibilização surge apenas nestas alturas", afirma ao SAPO24 o biólogo Tomás Martinho, salientando que a apanha não se fica apenas por novembro ou dezembro.

"Muitos pensam que esta prática existe apenas no Natal, mas não. Durante todo o ano há imensas pessoas a arrancarem muitas espécies de musgo, para várias práticas, a maioria delas estéticas. Basta olhar para montras durante todo o ano. Temos de evitar a sua destruição, muitos não sabem mas esta prática está a levar à destruição desta planta. Até o Menino Jesus agradece" diz o biólogo, referindo que nem as autoridades fazem face a este "flagelo", de uma planta "com mais de 700 espécies, muitas delas ameaçadas".

"Muitos pensam que crescem de um dia para o outro, pensam nele como erva, que se arranca e passados uns dias crescem, mas não, é totalmente diferente"Tomás Martinho, biólogo

"Muitas espécies são protegidas por lei, a nível europeu foi proibida a sua apanha, sobretudo devido a uma prática que não é sustentável para a viabilidade do seu crescimento, que pode levar 20 anos a desenvolver-se. Mas infelizmente não existe um acompanhamento das autoridades para travarem este flagelo", diz.

Saiba algumas das funções que o musgo desempenha:

  • formação e proteção do solo, retenção de nutrientes, e estabilização da temperatura (p. ex. evitam a congelação do solo);
  • facilitam a fixação e germinação de sementes;
  • refúgio, material para o ninho e alimento para várias espécies animais (ex. insetos, aves, mamíferos…). Evitam ainda a dessecação de pequenos animais que neles vivem, como insetos e aranhas;
  • acumulação de carbono (ex. turfeiras);
  • retenção de água e minimização de secas;
  • despoluição da água, ao reterem substâncias poluentes;
  • as cianobactérias de alguns líquenes fixam azoto, sendo importantes como fonte de proteínas em ambientes adversos;
  • indicadores ecológicos da estabilidade dos habitats (parece haver uma relação entre a diversidade de briófitos e a diversidade de outros grupos de seres vivos nos ecossistemas)., na caracterização de climas, das alterações climáticas ou da poluição (da água e do ar – principalmente os epífitos , i.e. que vivem sobre árvores e outras plantas, pois são muito sensíveis);
  • tornam a paisagem mais bela, pois dão cor a rochas, a florestas…

Tomás Martinho acredita mesmo que as pessoas "não tenham a consciência" do que fazem ao arrancarem o musgo do seu habitat. "Muitos pensam que crescem de um dia para o outro, pensam nele como erva, que se arranca e passados uns dias cresce, mas não, é totalmente diferente", diz, referindo depois o papel do musgo no seu ambiente natural.

"Tem um papel hidrológico muito importante, sobretudo na conservação do solo. O musgo é uma esponja natural, que retém muita água e previne a erosão do solo e faz uma regularização do fluxo de ribeiras e nascentes. Além disso retém metais e substâncias tóxicas e tem um efeito bactericida. Outro aspeto que muitos não conhecem, e num país como o nosso que padece todos os verões deste tipo de problemas, é que o musgo tem um papel super importante na gestão de solos queimados. O solo é mais saudável nos locais onde existe musgo, contendo mais carbono e mais azoto", salienta.

A pele do solo que trava enxurradas

Presépio da Casa dos Manaias
Presépio da Casa dos Manaias créditos: © 2019 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.
"Há muitas formas de substituir o musgo. Por exemplo, bagos de trigo ou aveia, que podem ser borrifados semanas antes do Natal para que depois surja um relvado bonito, verde como o musgo. Ou então mesmo relva"

O musgo tem de ser "pensado como a pele do solo", que é também muito afetada devido aos tais incêndios, muito típicos em Portugal e que todos os anos destroem milhares de hectares. "Se a sua pele é destruída durante o verão, não podemos voltar a arrancá-la quando a pele está novamente a crescer. A pele, tal como em todos os animais, protege o solo e neste caso previne outro fenómeno natural no inverno, que são as cheias e as enxurradas de água. Esta pele, como já disse, consegue amortecer as cheias. Infelizmente, volto a dizer, não há uma comunicação capaz, seja do governo ou de associações, que explique este tipo de situações aos cidadãos. Se o povo for sensibilizado, da melhor maneira, tenho a certeza que esta prática irá diminuir, mas é preciso mesmo que o sejam", diz Tomás Martinho.

Um Natal sem musgo, mas que mesmo assim não tem de deixar de ser verde, diz o biólogo.

"Há muitas formas de substituir o musgo. Por exemplo, bagos de trigo ou aveia, que podem ser borrifados semanas antes do Natal para que depois surja um relvado bonito, verde como o musgo. Ou então mesmo relva, que pode ser colhida e colocada sob a base da árvore de natal. Ela sobrevive verde o tempo suficiente, nesta quadra natalícia. Há muitos formas, volto a dizer, mesmo artificiais para fazer uma boa base do presépio, tudo para proteger uma planta tão fundamental", diz o especialista.

Nos Açores, por exemplo, a apanha do musgo é proibida e Tomás Martinho defende que se faça o mesmo a nível nacional.

"Houve uma sensibilização há alguns anos, mas não o suficiente para que a apanha fosse travada. Assim, o Governo Regional dos Açores proibiu a sua apanha, com coimas para quem o faça. A melhor solução? Penso que, como já disse, tem de existir primeiro um apelo ao senso comum das pessoas, se não resultar, então sim. Mas não basta criar regras e medidas, têm de haver quem faça vigilância. É um pouco como os incêndios, é proibida as queimadas, mas depois não há quem faça a sua prevenção. Não basta escrever um editorial sobre a proibição, porque é muito fácil correr até aos campos e apanhar uma quantidade de musgo capaz de destruir um habitat natural", acrescenta.