“Desculpem por vos ter feito esperar, foi um 'negócio' complicado”
Quando Trump se apresentou aos norte-americanos e ao mundo depois de ter sido eleito Presidente, uma pergunta impunha-se, até pelas propostas muito polémicas avançadas pelo próprio durante a campanha eleitoral: “Consegue Trump cumprir a sua agenda?”. A resposta, porém, não se adivinha simples.
Numa primeira fase, Trump está a escolher a sua equipa, mas o processo não está a ser fácil. Os ‘homens do presidente’ vão ter a cargo o futuro de um país, mas as escolhas são polémicas. O senador Jeff Sessions é uma das vozes mais fortes contra a imigração. Apoiante de Trump desde a primeira hora, foi nomeado Procurador-geral num sinal de que Trump se está a preparar para seguir com a linha dura anti-imigração assumida durante o período de campanha. Para estar à frente dos destinos da CIA, Trump sugeriu o nome de Mike Pompeo. Pompeo é um assumido opositor do programa nuclear iraniano e crítico de Hillary Clinton.
Na rede social Twitter, o presidente eleito dizia há dias que só ele “sabe quem são os finalistas”, uma referência que fez lembrar os tempos em que Trump era apresentador de um reality show, onde escolhia pessoas para trabalhar com ele, depois de despedir todas as outras.
Se Trump se rodeia de amigos, como Michael Flynn - que de assessor passou a conselheiro para a segurança nacional -, também há reuniões com quem antes o havia criticado. Mitt Romney, o candidato republicano derrotado em 2012 na corrida à Casa Branca contra Obama, também se encontrou com o presidente eleito. É um nome em cima da mesa para o cargo de Secretário de Estado, mas há várias dúvidas associadas ao nome de Romney. Os apoiantes de Trump não esquecem que este considerou o milionário uma “fraude”.
Os rostos desta equipa são fundamentais, mas as preocupações da América e do mundo já se prendem como o que vai fazer Trump quando se sentar na sala oval. A agenda de Trump é polémica, desde logo por representar uma rotura face ao antecessor. O presidente eleito quer meter 'mãos à obra' e renovar pontes, estradas, hospitais e escolas, nem que para isso tenha de acabar com as contribuições dos Estados Unidos em programas da ONU de combate ao aquecimento global, que, para ele, é "uma invenção da China".
Grande parte da contestação que existe em relação a Trump deve-se ao facto do próximo presidente querer anular medidas tomadas por Obama. Aliás, em entrevista à MSNBC, o senador republicano Rand Paul disse que ‘Washington’ vai passar o primeiro mês a “aprovar reversões de leis Obama”.
O maior ponto de rotura é o ObamaCare, se bem que agora, já de pé atrás, Trump admite apenas reformar o programa e não apenas rejeitá-lo. Para o sucessor, este faz aumentar os encargos dos americanos que não estão englobados no programa que ofereceu uma espécie de plano de saúde às famílias com menos posses.
Apesar do tom conciliador adotado por Trump no seu primeiro discurso após a eleição, o facto é que, na entrevista ao programa 60 minutos da CBS, a sua primeira entrevista depois de ter sido eleito, o republicano não pareceu querer recuar das suas propostas mais polémicas.
O muro é para se fazer, sendo que “pode ser um gradeamento em certas zonas”, disse o candidato a Lesley Stahl do programa 60 Minutos. De fora dos Estados Unidos ficam dois a três milhões de imigrantes ilegais que têm problemas com a justiça. Trump diz que estes imigrantes “pertencem a gangues, traficam droga” e que, por isso, “devem ser deportados ou presos”.
Mas se Trump tem um Congresso e um Senado de maioria republicana que facilitam a aprovação de leis, não nos devemos esquecer que, durante o período de campanha, boa parte das elites do Partido Republicano abandonou o candidato. Da história dos Estados Unidos há ainda relatos de momentos como este, como o caso de Bill Clinton e a proposta de reforma de saúde que então foi rejeitada, em 1993.
Trump quer reformar a política e a forma de fazer política: acabar com a corrupção e com os lobistas em Washington são prioridades do mandato. O presidente eleito quer impor limites aos mandatos dos membros do congresso e impor uma “pausa sabática” de cinco anos depois do fim das funções oficiais antes de senadores, funcionários da Casa Branca e congressistas poderem entrar em ‘grupos lobistas’.
A nível externo surgem preocupações. Isto porque estão previstas alterações na relação dos Estados Unidos com o mundo. Trump manifestou-se contra a Parceria Trans-Pacífico, um acordo de comércio livre entre os Estados Unidos e mais onze países, e defendeu alterações no NAFTA, o acordo comercial com o Canadá e o México, não deixando de parte uma anulação deste tratado.
Estas preocupações refletem-se no discurso dos líderes europeus, mas também nas manifestações que têm sido uma constante um pouco por toda a América, com mais predominância nas grandes cidades e estados de maioria democrata.
Aos que contestam a sua eleição e protestam nas ruas, Trump disse, nesta entrevista conduzida por Lesley Stahl, "não tenham medo". A América está dividida, e se Trump não o reconhece, Hillary Clinton, a grande derrotada destas eleições, não o esconde. "As divisões que se evidenciaram durante esta eleição são profundas, mas por favor oiçam-me quando digo: a América vale a pena”, salientou a democrata durante um evento em Washington.
Disse e desdisse, mas não apaga, apenas rescreve
No Twitter, Trump dirigiu-se várias vezes aos manifestantes que, desde o dia em que o milionário foi eleito, saem à rua um pouco por toda a América. Para contestar a agenda do próximo presidente erguem cartazes e entoam cânticos com uma simples mensagem: "[Trump] não é o meu presidente".
O magnata não teve no período de campanha uma relação fácil com a imprensa. O milionário acusava-os de serem tendenciosos e de estar a querer prejudicar a sua campanha. Agora, sobre as manifestações, dizia que eram os media que estavam a incitar os protestos.
No dia seguinte, porém, já defendia a paixão que os manifestantes tinham pelo país. "Vamos todos unir-nos e orgulharmo-nos", pediu Donald Trump.
A mulher de Trump, Melania, falou no programa 60 minutos sobre o temperamento do marido, que o levava a escrever coisas polémicas: "Eu aviso-lhe sempre [que ele pisa a linha]", mas Trump "é um adulto, ele sabe as consequências. Eu dou a minha opinião, mas ele faz o que quiser", disse a próxima primeira-dama dos Estados Unidos.
Não precisa de apagar o que escreve, lida bem com o que antes disse e defendeu, e, mesmo que apagasse, há sempre quem guarde 'prints' das mensagens que publicou e que os republica quando Trump se contradiz.
Sobre o Colégio Eleitoral que, previsivelmente, o vai eleger, Trump mudou de ideias. Se antes era um "desastre para a democracia", como dizia em 2012, agora é "absolutamente genial". O que mudou? Quatro anos e uma eleição.
A forma como foi eleito está na base da mudança de opinião de Trump. É certo que o republicano teve menos votos que Hillary, mas Trump foi o vencedor em mais Estados e conseguiu reunir mais delegados no Colégio Eleitoral e por isso está indicado como o próximo presidente dos Estados Unidos. Falta a confirmação oficial pelo Colégio.
Uma falha dos media, das redes sociais ou do sistema?
Depois da eleição, os media questionaram-se onde é que tinham falhado para não terem previsto um vitória de Trump. E já há um combate prometido pelo líder do Facebook: as notícias falsas vão desaparecer da rede.
Trump acusa o The New York Times de ter feito uma cobertura desadequada do 'fenómeno Trump'
Podem as notícias falsas ter definido o desfecho desta eleição? É difícil determinar, mas a rede está pensada numa lógica de partilha e há maior buzz em torno de certos temas, que na realidade acabam por não ser verdadeiros. As notícias são de tal forma partilhadas que as pessoas acabam por admitir que estas são verdadeiras. "Acredito que Trump está na Casa Branca por minha causa", disse Paul Horner, de 38 anos, ao The Washington Post. Horner é o autor de muitas das notícias falsas que circularam na rede social.
O CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, admitiu que haviam notícias falsas na rede, mas que "eram apenas 1%" e disse que as ia combater. Mas alguns utilizadores acabaram por gozar com a situação, uma vez que ao lado da publicação de Mark existiam notícias falsas que estavam a ser pagas pelos sites falsos que as promoviam.
Num episódio do podcast "On the Media" da WNYC, após a eleição de Donald Trump, foram explorados alguns motivos para que os jornalistas tenham falhado tanto na cobertura da campanha do republicano. Na realidade, os media americanos acabaram por focar a cobertura da campanha de Trump na própria figura carismática do milionário e nos temas quentes, como a situação dos e-mails, e não ouviram o que pensavam os seus apoiantes nem a América. "Faltou identificar os problemas da sociedade americana", numa "lição para o jornalismo e para os jornalistas".
Para ajudar à sua má relação com os media, depois da eleição apontou armas a um dos mais populares jornais norte-americanos: o The New York Times. O jornal que, como grande parte dos media americanos, apoiou a candidata democrata, está agora a ser alvo de críticas do presidente eleito que o acusa de ter feito uma cobertura desadequada do 'fenómeno Trump'.
Trump dizia no seu Twitter que o jornal estava a perder milhares de subscritores depois da sua eleição, mas, na realidade, o jornal tem hoje mais 41 mil assinantes desde o dia em que os Estados Unidos foram a votos. Depois disso seguiram-se uma série de tweets sobre as más reportagens do The New York Times sobre ele.
Episódios de discriminação racial
A marcar este momento da história americana estão vários episódios de tensão entre nativos americanos e latinos, afroamericanos e outras minorias.
Desde a eleição de Trump os episódios de discriminação têm aumentado. No Michigan gritou-se "construam o muro" no refeitório de uma escola básica e há quem ligue a imagem de Trump a um aumento dos casos de bullying nos Estados Unidos.
Também a Presidente da Câmara de Clay, West Virginia, demitiu-se depois de ter insultado, através do Facebook, a primeira-dama Michelle Obama.
O mundo espera agora para ver o que vai fazer o Presidente Trump neste contexto de convulsão interna. Os Estados Unidos são hoje um país dividido. De novo.
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