Boris Johnson estava a terminar a conferência diária de balanço da pandemia de covid-19 quando um tweet — mensagem de até 280 caracteres publicada na rede social Twitter — surgiu na conta oficial do Serviço Civil, órgão que apoia o governo e os ministros.
“Arrogante e ofensivo”, podia ler-se na conta a que estão ligadas pouco mais de 250 mil pessoas. “Conseguem imaginar como é ter de trabalhar com estes manipuladores da verdade?”
Após cerca de dez minutos — e milhares de partilhas —, a mensagem foi apagada. Pouco depois, foi anunciada a abertura de uma investigação a tudo o que se passara.
O momento em que a mensagem foi divulgada leva os britânicos a interpretá-la como uma crítica às palavras de Boris Johnson, que naquela altura defendia uma dos seus principais assessores, Dominic Cummings.
Cummings, o cérebro por trás da campanha a favor da saída do Reino Unido da União Europeia no referendo ao Brexit, viajou 400 quilómetros para deixar o filho com familiares, que tomariam conta dele em caso de doença dos pais, numa altura em que a mulher tinha sintomas de covid-19.
Um porta voz do número 10 de Downing Street, a residência oficial do primeiro-ministro, disse, no final de março, que “como a sua mulher estava infetada com o que se suspeitava ser coronavírus e havia uma alta probabilidade de ele próprio ficar doente, era essencial que Dominic Cummings garantisse que o filho continuava a ser bem cuidado”.
Mas a polémica ressurgiu: os jornais britânicos 'The Guardian' e 'Daily Mirror' noticiaram, na sexta-feira, que o assessor-chefe de Boris Johnson e a mulher viajaram de Londres para a residência dos pais, em Durham, a mais de 400 quilómetros da capital, quando a esposa ainda mostrava sintomas de infeção pelo novo coronavírus.
Após as críticas, no sábado, o governo britânico veio defender que Dominic Cummings "se comportou razoavelmente e dentro da lei" ao mudar-se para a casa dos pais durante o confinamento .
"A irmã e sobrinhas ofereceram-se para ajudar, então foram para uma casa próxima, mas separados da família, para obter ajuda, se necessário", precisou fonte do governo.
Segundo o porta-voz, a irmã de Dominic Cummings "fez as compras para a família e deixou tudo fora (de casa)".
Uma fonte próxima do casal também negou terem infringido as regras, afirmando que precisavam de ajuda para cuidar do filho e que, durante a estada na propriedade, permaneceram em edifícios separados.
É este o contexto do tweet, que já levou a autora da saga Harry Potter a oferecer-se para pagar o salário de quem estiver por trás da mensagem não autorizada que apareceu na conta dos Serviços Civis britânicos.
“Quando descobrirem quem foi, digam-nos”, escreveu. “Quero dar-lhes um ano de salário”, podia ler-se, numa mensagem em resposta ao anúncio, na conta do gabinete do Executivo, de que “um tweet não autorizado foi publicado num canal do governo esta noite [sábado]. A publicação foi removida e estamos a investigar o assunto”.
400 quilómetros de discórdia
Quando a notícia da violação do isolamento por Cummings foi descoberta, o Partido Trabalhista, na oposição, exigiu que o Governo fornecesse uma "explicação imediata" para o comportamento de Cummings porque, de acordo com os regulamentos impostos pelo governo britânico, qualquer pessoa com sintomas de covid-19 deve auto-isolar-se na sua própria casa e não ausentar-se dela durante sete dias.
"A ser verdade, o principal conselheiro parece ter violado as regras de confinamento. As instruções do governo eram muito claras: ficar em casa e não fazer viagens que não são essenciais", disse um porta-voz do Partido Trabalhista, citado pela agência EFE.
Essa fonte da oposição também especificou que os britânicos "não esperam que exista uma regra para eles e outra regra para Dominic Cummings", e lembrou que, além disso, Boris Johnson indicou em março que a assistência dos avós para cuidar de crianças ou familiares mais velhos "não deveria ser usada", por pertencerem ao grupo de pessoas vulneráveis.
Em 30 de março, foi anunciado que o "arquiteto" da estratégia do Brexit havia começado a desenvolver sintomas relacionados com o novo coronavírus e que estava confinado, sozinho, na sua residência.
Um porta-voz da polícia de Durham confirmou, em comunicado, que, em 31 do mesmo mês, os agentes teriam sido informados de que "um indivíduo havia viajado de Londres para Durham e estava num endereço daquela cidade".
Na mesma nota, a polícia revelou que, quando na altura entraram em contacto com a propriedade, confirmaram que o sujeito em questão estava lá e se auto-isolou numa parte daquela casa.
Mas, no sábado, o porta-voz oficial de Downing Street também negou que a polícia tenha falado com o assessor de Boris ou com qualquer um de seus parentes sobre esse assunto, como os meios de comunicação tinham divulgado.
"As suas ações estão de acordo com as diretrizes para o coronavírus. Dominic Cummings acredita que se comportou razoavelmente e dentro da lei", adiantou o porta-voz.
O ministro de Estado, Michael Gove, também apoiou, no Twitter, o conselheiro, com uma mensagem: "Cuidar da esposa e filho não é um crime".
A notícia indignou a oposição e um porta-voz do Partido Trabalhista lembrou que os cidadãos "fizeram sacrifícios extraordinários” durante o período de confinamento.
Em março, o governo britânico ordenou a qualquer pessoa com sintomas relacionados com a covid-19 o isolamento em casa por sete dias, sem saídas sequer para comprar bens essenciais.
A nova polémica foi conhecida um dia depois de, na sexta-feira, ter sido anunciada a imposição de uma quarentena de 14 dias aos viajantes que cheguem ao país a partir de 08 de junho, para tentar evitar novos surtos.
A violação da quarentena é punida em Inglaterra com uma multa de mil libras, ou 1.120 euros.
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