Jantares sem ter de pensar em "bolhas sociais", assistir a concertos no meio de uma multidão, viajar sem preocupações, abandonar as máscaras. Nada disto vai ser para já, mas à medida que aumenta a cobertura da vacinação podemos estar mais próximos de um "aligeirar" gradual de medidas e restrições e de começar a recuperar alguma normalidade.

Atualmente, um quarto dos adultos da União Europeia (UE) já recebeu a primeira dose da vacina contra a covid-19, tendo já sido administradas mais de 150 milhões de doses no espaço comunitário.

De acordo com a ferramenta ‘online’ do ECDC para rastrear a vacinação da UE e que tem por base as notificações dos Estados-membros, uma média de 11,4% da população europeia está totalmente inoculada (com as duas doses da vacina contra a covid-19), enquanto 30,6% recebeu a primeira dose.

Foi perante este avanço na vacinação contra a covid-19, que o ECDC decidiu atualizar as orientações sobre o uso de máscaras e distanciamento físico. Segundo o relatório de recomendações emitido, "as vacinas contra a covid-19 autorizadas na UE demonstraram, durante os ensaios clínicos, ser altamente eficazes na proteção a doença sintomática e grave" e as provas da utilização real destas vacinas confirmaram estes resultados e demonstraram também "uma elevada eficácia contra a infeção por SARS-CoV-2 confirmada por testes PCR".

O relatório acrescenta que indivíduos totalmente vacinados, se infetados, podem ter menos probabilidades de transmitir o vírus aos seus contactos não vacinados. Mantém-se, porém, a incerteza quanto à duração da proteção nestes casos, bem como sobre a proteção contra as variantes emergentes do SARS-CoV-2.

Por isso, o relatório traça vários cenários possíveis de interação e um deles visa a possibilidade de relaxamento do uso de máscara e até do distanciamento físico entre pessoas já vacinadas – relembra-se que por “vacinada” entende-se a pessoa que recebeu duas doses da vacina há mais de 14 dias.

Outro cenário possível que permite o “relaxamento” das medidas de prevenção visa o encontro entre alguém não vacinado que se encontre com outra pessoa completamente vacinada, desde que nenhum dos indivíduos tenha um fator de risco (como comorbilidades ou doenças associadas).

As recomendações referem que o risco de desenvolver doença grave, na sequência de infeção, em jovens adultos e pessoas de meia-idade com as duas doses da vacina e sem riscos de saúde associados, é muito baixo.  No caso de adultos mais velhos ou pessoas com fatores de risco associados, o risco é baixo.

Já para um indivíduo não vacinado que tenha estado em contacto com uma pessoa totalmente vacinada exposta à infeção por SARS-CoV-2, o risco de desenvolver doença grave é muito baixo a baixo em adultos mais jovens e adultos de meia-idade sem fatores de risco, e moderado em adultos mais velhos ou em pessoas com fatores de risco associados.

Assim, o risco de desenvolver de doença grave varia em função da cobertura vacinal da população em geral, da idade, das condições de saúde associadas, das variantes de preocupação, e da situação epidemiológica.

E, por isso, de acordo com o documento, perante o atual cenário da UE, que ainda regista uma elevada circulação do novo coronavírus, as medidas de proteção individual devem ser mantidas em espaços públicos, grandes ajuntamentos e viagens, independentemente de a pessoa estar ou não vacinada.

O ECDC considerou, também, que os testes e a quarentena para viajantes, bem como a testagem regular nos locais de trabalho, “podem ser dispensados ou modificados para indivíduos totalmente vacinados, desde que não haja circulação ou caso se verifique um nível muito baixo de variantes no país de origem”.

No entanto, os países que considerem medidas de relaxamento para pessoas totalmente vacinadas devem ter em conta o potencial de acesso desigual à vacina em toda a população.

O relatório refere ainda que os contactos vacinados que tenham sido expostos a um caso confirmado de infeção devem continuar a ser geridos de acordo com as orientações existentes, mas as autoridades sanitárias podem considerar a realização de uma avaliação de risco caso a caso e classificar alguns contactos totalmente vacinados como contactos de baixo risco. Para tal, devem ser considerados fatores como a situação epidemiológica local em termos de variantes, o tipo de vacina recebida e a idade do contacto, devendo também ser considerado o risco de transmissão a pessoas mais vulneráveis.

“Exemplos de países onde a cobertura da vacina é maior e o número de casos graves de doença têm diminuído subsequentemente, como no Reino Unido ou Israel”, são, segundo o relatório, um indicativo da como a transmissão pode ser reduzida apesar de uma redução cuidadosa das medidas de prevenção de saúde pública.

Em declarações ao SAPO24, Luís Graça, imunologista, investigador do Instituto de Medicina Molecular (iMM) e membro da Comissão Técnica de Vacinação, explica que “à medida que vamos caminhando para uma maior percentagem da população protegida, progressivamente as pessoas mais vulneráveis vão estando mais protegidas e a disseminação do vírus vai sendo cada vez menos frequente e o vírus passa a estar mais controlado, de certa forma, o que permite fazer uma normalização da nossa vida”.

Uma opinião que vai ao encontro do referido por Andrea Ammon, directora do ECDC, que considera  "encorajador ter recomendações baseadas em provas de que a vacinação pode lentamente permitir o relaxamento de intervenções não-farmacológicas, como o uso de máscaras e o distanciamento físico”, ainda que deva "ser feito gradualmente e com base em avaliações cuidadosas dos riscos envolvidos". “Estamos confiantes de que uma maior cobertura vacinal terá um impacto positivo e direto no regresso à vida normal”, reitera.

Para já, o cenário em Portugal é positivo, com uma transmissão moderada do vírus e com a entrada na segunda fase do plano de vacinação e uma maior disponibilidade de vacinas por parte das empresas farmacêuticas fornecedoras, o ritmo de vacinação regista um aumento significativo. A 'task force' previa a administração de 100 mil doses diárias na próxima semana, contudo, o objetivo foi antecipado e foi já alcançado na última quinta-feira. Desta forma, o país ficará mais perto de atingir o objetivo de ter todas as pessoas com mais de 60 anos vacinadas até ao final de maio, dando por concluída a vacinação do intervalo etário que representou 96% das mortes por covid-19.

Enquanto se pondera como poderá ser o percurso para o regresso à normalidade em Portugal, vale a pena olhar para outras geografias, como Israel, Reino Unido e até Estados Unidos - três dos países com o processo de vacinação mais avançado.

Em Israel, com uma grande parte da população vacinada e com o inicio do desconfinamento, passou a ser possível assistir a competições desportivas e a concertos, além de ter deixado de ser obrigatório o uso da máscara na rua. No entanto, o número de casos diários continua em queda.

Já no Reino Unido, a cerimónia dos Brit Awards, que ocorrerá a 11 de maio, marca o regresso da música ao vivo. A O2 Arena receberá, nesta data, quatro mil pessoas que vão assistir ao evento sem distanciamento social ou máscara. A experiência vai ser monitorizada pelas autoridades de saúde e todos vão ter submetidos a um rastreio e testagens antes e após o evento.

Há que salientar, no entanto, que estes países têm uma cobertura vacinal muito superior à registada em Portugal.

A situação nos EUA

De acordo com dados dos Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC), até ao momento, 44,7% da população norte-americana já foi vacinada com, pelo menos, uma dose de uma vacina contra a covid-19 e mais de 32% está totalmente vacinada.

Inicialmente, os investigadores nos Estados Unidos, entre os quais Anthony Fauci, estimavam que era necessário que entre 70 a 85% da população dos Estados Unidos estivesse imune ao SARS-CoV-2 por forma a controlar a propagação da doença. No entanto, mesmo sem imunidade de grupo, o CDC realizou novas recomendações que sugerem que os norte-americanos vacinados contra a covid-19 não precisam de usar máscaras ao ar livre, exceto quando estão integrados numa multidão.

"Se estiver completamente vacinado, pode começar a fazer muitas coisas que deixou de fazer por causa da pandemia", refere o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) .

"As visitas e atividades ao ar livre são mais seguras do que as atividades no interior, e as pessoas totalmente vacinadas podem participar em alguns eventos no interior com segurança, sem muito risco", lê-se no site da agência de saúde pública.

Segundo o CDC, totalmente vacinadas ou não, as pessoas não precisam de usar máscaras ao ar livre quando caminham, andam de bicicleta ou correm sozinhas ou com membros da família. A agência considera ainda seguro "participar [sem máscara] numa pequena reunião ao ar livre com familiares e amigos totalmente vacinados".

No entanto, para o que vai além disto, as orientações diferem para pessoas que estão totalmente vacinadas e para as que não estão.

Pessoas não vacinadas — aquelas que ainda não receberam as duas doses da vacina Pfizer/BioNTech ou Moderna ou a dose única da Johnson & Johnson — devem usar máscaras em reuniões ao ar livre que incluam outras pessoas não vacinadas e também em restaurantes ao ar livre com pessoas de vários agregados.

Na mesma situação, pessoas totalmente vacinadas não precisam usar máscara. No entanto, a agência mantém a recomendação do uso de máscara durante determinadas atividades e em locais movimentados, como eventos desportivos, concertos e outros eventos ao ar livre lotados, que apesar de serem considerados seguros para os imunizados, são cenários menos seguros para os restantes.

O CDC continua também a recomendar máscaras em locais públicos fechados, como cabeleireiros, restaurantes, centros comerciais, museus e cinemas, e transportes públicos ou situações de participação em aulas de exercício de alta intensidade no interior. No caso atividades no interior, sejam elas quais forem, se juntarem agregados familiares diferentes, mantém-se a recomendação do uso de máscara para todas as pessoas, independentemente de terem sido vacinadas ou não

Tal como refere o investigador e imunologista Luís Graça, “não precisamos da imunidade de grupo para ter um abrandamento destas medidas não farmacológicas”. No entanto, para já, é importante manter as medidas de prevenção, por forma a evitar um novo descontrolo da pandemia que se traduza num aumento de novos casos de infeção e de mortes. A vacinação desempenha neste cenário de potencial regresso à normalidade um papel fundamental.

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