“Penso que nos dá alguma esperança de que este verão possa ser normal de alguma forma, tanto para as pessoas que trabalham no setor hoteleiro, como para muitos de nós, que gostariam de ir de férias”, declara Margrethe Vestager, em entrevista à agência Lusa e outros meios de comunicação social europeus em Bruxelas.

Depois de o executivo comunitário ter proposto na quarta-feira a criação de um livre-trânsito digital para comprovar a vacinação, testagem ou recuperação da covid-19, visando retomar a livre circulação, a responsável na instituição pela pasta de “Uma Europa Preparada para a Era Digital” acrescenta que documento bilingue e com código QR “é muito importante”.

“A altura [da sua apresentação] também é bastante útil porque, de momento, estamos a presenciar a designada terceira vaga com o vírus e as vacinas a concorrerem entre si”, contextualiza a vice-presidente executiva da Comissão Europeia.

Já questionada pela Lusa sobre o papel da presidência portuguesa do Conselho da UE nas negociações — dado que a proposta tem de ter aval do Parlamento e dos Estados-membros –, Margrethe Vestager indica que “é muito importante o que a presidência portuguesa pode fazer relativamente ao certificado”.

“Se esta for uma realidade em maio, altura em que mais pessoas estarão vacinadas e que mais doses chegarão, [este certificado] será muito útil para muitas pessoas e para isso são necessários alguns esforços no Conselho e no Parlamento. O Parlamento já concordou em tratar este assunto como um procedimento rápido e penso que é importante a forma como a presidência portuguesa gere esta questão”, salienta.

Margrethe Vestager afirma, ainda, ter “grandes expectativas porque toda a gente está focada neste objetivo”.

Em causa está uma proposta legislativa da Comissão Europeia para uma abordagem comum ao nível da UE relativa à emissão, verificação e aceitação de certificados para facilitar a livre circulação no espaço comunitário.

E, apesar de o objetivo do executivo comunitário ser que este certificado permita, a partir de junho e durante a pandemia, evitar restrições como a quarentena ou os testes de cada vez que se viaja, a instituição ainda o vai debater com o Parlamento Europeu e o Conselho (onde estão representados os Estados-membros).

A ideia de Bruxelas é que este livre-trânsito funcione de forma semelhante a um cartão de embarque para viagens, estando disponível em formato digital e/ou papel, com um código QR para ser facilmente lido por dispositivos eletrónicos e que seja disponibilizado gratuitamente e na língua nacional do cidadão e em inglês, de acordo com a proposta da Comissão Europeia.

Tanto na versão digital (que poderá ser armazenada num dispositivo móvel como telemóvel) como em papel, haverá este código QR com informação essencial, bem como um selo digital para garantir a autenticidade do certificado.

O executivo comunitário quer, ainda, que este livre-trânsito seja facultativo, válido em todos os países da UE e que respeite totalmente as regras de privacidade dos cidadãos.

Caberá às autoridades nacionais dos Estados-membros emitir e gerir estes livres-trânsitos, sugerindo Bruxelas que isso seja feito por exemplo por entidades de saúde, hospitais ou por laboratórios.

Até junho, o executivo comunitário quer que seja definido um enquadramento técnico ao nível da UE para garantir a segurança, a interoperabilidade.

Bruxelas com reservas sobre proposta portuguesa para privacidade ‘online’

A vice-presidente executiva da Comissão Europeia afirma ter “reservas” sobre a proposta da presidência portuguesa da União Europeia (UE) relativamente à privacidade ‘online’, mas saúda o arranque das negociações sobre esta legislação, paradas há quatro anos.

“Temos algumas reservas relativamente ao acordo do Conselho porque parece que, parte desse acordo [que tem por base uma proposta de Portugal], não está totalmente em linha com o Regulamento Geral de Proteção de Dados e para nós é muito importante que as duas leis estejam alinhadas”, diz Margrethe Vestager.

Sobre a revisão da legislação designada como ‘ePrivacy’, a vice-presidente executiva da Comissão Europeia assinala que em causa estão novas regras “relevantes para, entre outras coisas, as questões de privacidade em serviços eletrónicos de mensagem”.

“E por isso é um assunto importante”, acrescenta a responsável pela pasta de “Uma Europa Preparada para a Era Digital”.

Margrethe Vestager assinala que “se chegaria a uma situação muito confusa se houvesse um Regulamento Geral de Proteção de Dados e uma legislação do ePrivacy sem as duas leis estarem alinhadas”.

“Não é suposto desempenharem o mesmo papel, mas devem estar alinhadas e vamos trabalhar nessa questão”, frisa.

Ainda assim, a responsável adianta que “a mensagem importante a retirar” do acordo conseguido por Portugal no Conselho “é que as coisas estão, finalmente, a acontecer e a avançar e era isso que era necessário”, após quatro anos.

Esta tem sido, de acordo com a responsável, “uma discussão que tem durado uma eternidade”.

Em meados de fevereiro, o Conselho da UE aprovou o arranque da revisão das regras sobre a privacidade nas comunicações eletrónicas, que visa aumentar a proteção ‘online’ dos utilizadores, mandatando assim a presidência portuguesa para negociar com o Parlamento Europeu.

A proposta portuguesa aprovada pelo Conselho, e à qual a agência Lusa teve acesso, referia que o objetivo é dar seguimento à proposta de regulamento sobre privacidade e comunicações eletrónicas adotada pela Comissão Europeia em 2017 e que prevê uma revisão da lei de 2002.

“O objetivo da proposta da Comissão […] era assegurar a proteção dos direitos e liberdades fundamentais, em particular os direitos ao respeito pela vida privada e pelas comunicações e a proteção dos dados pessoais no setor das comunicações eletrónicas”, recordava a presidência portuguesa no documento.

E, para tal, as novas regras preveem “disposições que asseguram a confidencialidade das comunicações eletrónicas, incluindo disposições relativas à proteção do equipamento terminal dos utilizadores, bem como disposições relativas ao controlo dos utilizadores finais sobre as suas comunicações eletrónicas”, precisava.

“A proposta abrange igualmente as regras relativas às autoridades de execução e de controlo”, adiantava a presidência portuguesa no documento.

Esta atualização das regras de 2002 visa ter em conta os novos desenvolvimentos tecnológicos e de mercado, bem como legislações entretanto em vigor como o Regulamento Geral de Proteção de Dados.

Caberá agora ao Conselho e ao Parlamento Europeu negociar os termos do texto final, em articulação com a Comissão Europeia.

Vestager satisfeita com esforços de Portugal sobre novas leis digitais

A vice-presidente executiva da Comissão Europeia diz estar “bastante satisfeita” com os esforços da presidência portuguesa da União Europeia (UE) para acelerar as discussões sobre novas regras para espaço digital, que dão mais responsabilidades às plataformas.

“Sigo de forma próxima [as discussões relativas] à Lei dos Serviços Digitais e à Lei dos Mercados Digitais e, nesta questão, a velocidade tem sido bastante impressionante desde os primeiros dias, garantindo [a presidência portuguesa da UE] que as propostas são discutidas nos grupos de trabalho da ciência, concorrência e do mercado único e fazendo esforços para haver progressos”, afirma Margrethe Vestager.

A responsável vinca estar “bastante satisfeita por a presidência portuguesa estar tão empenhada e por o estar a adotar como prioridade”.

“Gosto bastante da forma como as coisas [discussões] estão a ser tratadas e penso que está a correr bem”, insiste a vice-presidente executiva da Comissão Europeia com a pasta de “Uma Europa Preparada para a Era Digital”.

Em discussão entre os colegisladores europeus estão as novas leis dos Serviços Digitais e dos Mercados Digitais, propostas pela Comissão Europeia em dezembro passado e que assentam em novas obrigações para as plataformas, como a remoção e monitorização de conteúdo ilegal ou danoso.

Estas novas leis, criadas para assegurar que o que é crime ‘offline’ também o é no ‘online’, como incitamento ao ódio, preveem multas pesadas para as tecnológicas que não o cumprirem, que chegam até aos 6% do volume de negócios.

Apesar de este ser um debate ainda de fase inicial, Margrethe Vestager observa que “há uma reação positiva a ambas as propostas”.

“E, por isso, estou esperançosa que consigamos chegar a uma boa solução relativamente rápido”, diz, quando questionada pela Lusa sobre as negociações.

“Estamos numa situação de urgência e falava com alguém no Parlamento que me dizia que o mais importante é que cheguemos a uma boa solução. E eu perguntei: Mas porque é que temos de escolher e não podemos ter as duas coisas? Talvez possamos trabalhar ativamente para avançar rapidamente e, claro, chegar a uma boa solução”, acrescenta.

De acordo com Margrethe Vestager, o objetivo destas novas leis é que, “por um lado, haja uma remoção do conteúdo ilegal, e do outro, que as pessoas possam defender os seus direitos”.

Mas ainda faltam acertar alguns detalhes, adianta a responsável: “Há uma discussão sobre o que é realmente ilegal […] e ainda vamos ter de promover alguns debates”.

A transição digital é uma das prioridades da presidência portuguesa da UE.

[Ana Matos Neves, da Agência Lusa]