Mickey Guyton cantou o hino nacional, cinco aviões da Força Aérea dos Estados Unidos da América (EUA) sobrevoaram o SoFi Stadium — em Inglewood, subúrbio de Los Angeles, na Califórnia —, Billie Jean King atirou a moeda ao ar e Dwayne “The Rock” Johnson deu o grito para o início da 56.ª edição do Super Bowl.

Na partida mais cobiçada pelas 32 equipas da liga de Futebol Americano (NFL) ao longo dos cinco meses de época, só um dos franchises poderia levantar o troféu Vince Lombardi. E esse um, foram os Los Angeles Rams.

A jogar em casa, os homens de Los Angeles derrotaram (23-20) os Cincinatti Bengals. Repetiram o feito alcançado na edição anterior pelos Tampa Bay Buccaneers, uma marca até então histórica no futebol americano, ao receberem a final e triunfarem no seu próprio estádio.

Stanley Kroenke, multimilionário de 74 anos — dono dos LA Rams (detém a totalidade de ações desde 2010) e do Arsenal Football Club, entre outros interesses desportivos —, não poupou elogios à equipa e recordou no final da noite mais aguardada pela América o primeiro Super Bowl ganho após o regresso a Los Angeles (mudaram-se em 2016), depois do emblema ter ganho quando estava sedeado em St. Louis, no estado do Missouri.

Sean McVay (Rams), 36 anos, na segunda final em cinco anos a liderar os Rams, entra para a história como o mais novo treinador a erguer o troféu de 56 centímetros e 3,2 kg, construído em homenagem a Vincent Lombardi — vencedor dos primeiros dois Super Bowls, ao leme dos Green Bay Packers, e com cinco finais conquistadas.

“Foi poético”, atirou McVay numa alusão à resiliência de um emblema que viria a vencer nos 1:25 segundos finais – touchdown do MVP, homem do jogo, Cooper Kupp, a passe do quarterback, Matthew Stafford, quando perdiam por 16-20.

Joe Biden, presidente do EUA, adepto dos Philadelphia Eagles, equipa ausente desta decisão final, bem tinha avisado que os Rams seriam duros de bater, apesar de inclinar a simpatia presidencial para o lado dos Cincinatti, onde pontifica um quarterback (Joe Burrows, 25 anos) que pode “deixar toda a gente contente”.

No excerto de três minutos de uma entrevista de 20 concedida à NBC e a Lester Holt, na passada 5.ª feira, Biden encontrou tempo e espaço para falar sobre a pandemia e as alegadas questões de racismo na NFL. O tema mais quente do momento ficou fora do alinhamento porque aconteceu posteriormente: a chamada telefónica para Vladimir Putin, presidente da Rússia, a propósito da questão ucraniana.

Uma cantora country no Hino, uma ex-tenista na moeda ao ar e o tempo para o Super Bowl

No estádio mais caro da história, onde foram gastos cerca de cinco mil milhões de euros, junto à Cidade dos Anjos, a voz angelical de Mickey Guyton, cantora negra de country, quatro vezes nomeada para os Grammys, entoou o "The Star-Spangled Banner", acompanhada por um coro representativo da diversidade e multiculturalidade da população norte-americana.

Guyton terminou de braço direito levantado a apontar ao céu azul e aos cinco aviões – A-10C Thunderbolt , F-16 Fighting Falcon, F-22 Raptor,  F-35A Lightning  e um P-51 Mustang, ao meio -   que sobrevoavam os cerca de 100 mil espectadores no estádio, numa homenagem ao 75.º aniversário da Força Aérea norte-americana.

Depois do hino, outro dos momentos mais aguardados no dia-noite de encerramento da época da NFL é o lançamento da moeda ao ar. A honra coube a Billie Jean King —, 78 anos,  ex-tenista, mãe e pai do circuito feminino, primeira atleta a receber a Medalha Presidencial da Liberdade —, sendo a sua escolha um gesto em memória dos 50 anos do Title IX, legislação que promove a igualdade de género no desporto e a não discriminação sexual no que toca aos programas de apoios financeiros federais a estudantes.

À explicação do árbitro, “cara” no logo da 56.ª edição do Super Bowl e “coroa” representada nos emblemas dos campeões das Conferência AFC (Bengals) e NFC (Rams), a jogar em casa, os LA Rams pediram “coroa”. Das mãos de Billie Jean saiu o outro lado da moeda e seriam os homens de Ohio a dar o pontapé inicial. A receção seria de quem conhece os cantos à casa.

“Bom dia, capitães. Vamos jogar futebol”, atirou com a camisola listada de preto e branco, uniforme número 62, Ron Torbert, árbitro com 12 anos de NFL, em estreia no na final do Super Bowl.

Tempo para uma nota estatística, ou não fosse o desporto norte-americano um campo de fértil exploração de números e coincidências. Nas últimas sete edições, quem ganhou na moeda ao ar, perdeu no jogo do touchdown. Estatística contrariada.

Dwayne “The Rock” Johnson, ator e antigo lutador profissional de Wrestling norte-americano, vestindo uma apertada t-shirt preta — o que lhe deixou músculos e tatuagens à mostra —, deu seguimento. Congratulou-se com o regresso do Super Bowl a Los Angeles (Rose Bowl em Pasadena, recebeu cinco jogos mágicos, o último em 1993), anunciou as equipas e exclamou: “É tempo do Super Bowl”.

Lesões e lutas estatísticas dos QB

Embora jogasse num sítio demasiado familiar, os LA Rams vestiram a pele de visitantes. Equiparam-se num balneário que conhecem de trás para a frente e entraram em campo com camisolas brancas, calções amarelos, leggings e capacete azuis. Os Bengals, visitados, vestiram-se a rigor com tons pretos na camisola e branco nos calções por cima de uma malha encarnada nas pernas e na proteção da cara e cabeça.

Primeiro down (tentativa de avanço na hora de atacar) aos 13 minutos. Fica a nota para memória futura deste artigo. O relógio de cada um dos quatro períodos de 15 minutos é feito de forma descendente, pelo que, por vezes, as referências à informação que transportamos no pulso ou telemóvel, tem em consideração essa contagem de cima para baixo.

O touchdown inaugural aconteceu aos 6:22 minutos (8,78 minutos para o final do primeiro período, explicamos). O n.º 3, Odell Beckham Jr., 29 anos, marca os primeiros 6 pontos após pisar, com a bola na mão, a endzone pintada de azul com a inscrição “Rams”. O passe teleguiado do quarterback, Matthew Stafford, 34 anos, estreante no encontro dos Anéis, encontrou quem está prestes a ser pai.

De cabelo desenhado com uma crista roxa (percetível após retirar o capacete), não podia pedir melhor presente. Uma noite de emoções revestidas de drama para um jogador hollywoodesco. Viria a sair lesionado no joelho esquerdo no segundo período (resultado em 13-10, aos 3m50s). Demasiadas emoções para alguém, contratado em novembro passado, que já passou esse filme na carreira.

A reposta dos Bengals, 33 anos depois na disputa de um Super Bowl, apareceu na forma de um Field Goal (3 pontos) – pontapé aos postes –, faltavam 30 segundos para a primeira paragem de período. Tempo de celebração para Joe Burrow, n.º9, quarterback vencedor do Prémio Comeback Player (jogador regressado), jogador na sua segunda época, tendo sofrido na temporada de rookie uma grave lesão.

Segundo período.

No futebol americano, cada placagem é celebrada com uma coreografia própria. O mesmo se passa a cada receção de bola ou down conseguido.

O relógio apontava 13 minutos (recorde-se, a contagem é decrescente) e Cooper Kupp, n.º10, fez o seu primeiro touchdown. Aumentou a vantagem para 13-3 e começou a desenhar um recorde da NFL: 32 receções.

A luta de QB estava a ser ganha pelos LA Rams com dois touchdowns, mas os Bengals responderam através de uma outra arma de arremesso. Joe Mixon (n.º28) foi o lançador (em vez de Burrow) e Tee Higgins (n.º85), o wide receiver , levantou o estádio ao aterrar de pés na endzone com a bola na mão.

Mixon entrou para a história do Super Bowl. Foi o primeiro running back a fazer um passe para os seis pontos desde 1979 e o terceiro na cronologia. Robert Newhouse (Denvers Cowboys), 1977, inaugurou este dado raro e dois anos mais tarde, Lawrence McCutcheon faria o mesmo pelos Pittsburgh Steelers, franquia que ganharia quatro Super Bowls em seis anos e que é, a par dos New England Patriots, a maior detentora de troféus. Seis ao todo, para ambas.

Nas celebrações, marcada falta aos Bengals por conduta antidesportiva: entrada de um elemento não vestido com equipamento na zona de touchdown.  Pontapé convertido. Resultado em 13-10.

O espírito de Hollywood está sempre patente no Super Bowl, ainda para mais realizando-se a final em Los Angeles. A realização televisiva mostrava diversas estrelas nas bancadas. No passeio da fama desfilaram os atores Ben Affleck e Charlize Theron, LeBron James (NBA) e o Príncipe Harry. Este último, a personificar a internacionalização da liga de futebol americano. Em 2022, a modalidade visitará os estádios londrinos de Wembley e do Tottenham Hotspur, dará uma perninha no México, no Estádio Azteca, e estreia-se em Munique, na Alemanha.

Joelho de Joe Burrow no chão e tempo de intervalo, 1h30m depois do pontapé de saída. Altura para comparar estatísticas. Stafford e Burrow somam 12 e 18 passes respetivamente. 165 jardas e dois touchdows para Stafford e 144 jardas para Burrow.

Os 12 segundos para a história que de nada valeram

12 segundos de bola a circular com homens a tentarem perfurar no buraco contrário e Tee Higgins, na primeira jogada da segunda metade da final, corre a alta velocidade (embalado por uma face mask, mão na cara, falta não observada pela equipa de arbitragem) para a zona que todos ambicionam pisar. Estava consumada a primeira reviravolta no marcador. Entra nos anais igualando o touchdown mais rápido no segundo tempo em todos os Super Bowls (Percy Harvin, Seattle, no ano de 2014).

Chidobe Awuzie, n.º 22 dos Bengals, consegue uma interceção de passe (de Stafford), arranca um field goal (Evan McPherson, n.º2, faturou) e coloca o marcador em 13-20. 60 segundos demolidores para os Rams.

Awuzie, lesionado, do lado dos Bengals, Mattew, Rams, ligado no tornozelo e regressado quando faltavam 36 segundos para finalizar o terceiro período, transportavam drama para o relvado.

À entrada para os últimos 15 minutos de fama, o placard registava vantagem para quem tinha viajado de Ohio, Cincinnati. 16-20. Burrow, tocado, agarrado ao joelho, não chegou a entrar na tenda azul, sossegando os adeptos.

Num dia-noite de vários recordes, Andrew Whitworth (n.º77 dos LA Rams), 11 anos em Cincinatti, contando agora pelos dedos de uma mão a ligação à Cidade dos Anjos, foi, com 40 anos, o mais velho jogador em campo e o primeiro a ultrapassar em idade ambos os treinadores, Sean McVay (Rams), de 36 anos, e Zac Taylor (Bengals), 38.

Os Rams acrescentariam mais um recorde. De sacks. Sete a Joe Burrow. Um deles, de Aaron Donald, viria a ser decisivo, como veremos de seguida.

O relógio apontava cinco minutos (para o final). Mcvay, treinador dos LA Rams, saca da cartola a estratégia. Na tática de bola para a frente eram as mãos de Cooper Kupp que Matthew Stafford procurava encontrar. Conseguiu levá-la até à endzone, a 1m38s do fim, mas não valeu, por falta. E voltou a fazê-lo, agora de forma limpa, com 1m25 para se jogar. Segunda reviravolta (22-20) consumada com um ponto extra (23-20).

Pressionado, Joe Burrow, o tal que muitos antecipam um percurso semelhante a Tom Brady, não conseguiu libertar a pequena bola oval e foi agarrado por Aaron Donald.

O amor entra nas celebrações  

Aos 30 anos, o n.º99 dos Rams, a 39 segundos do fim do jogo, apontou de imediato para o dedo anelar e reclamou o Anel do Super Bowl. O balde de Gatorade, de cor azul, é despejado no mais novo treinador a vencer o Troféu Vince Lombardi.

Os segundos que faltaram foram uma mera formalidade. Às 3h01m da madrugada portuguesa (hora em Portugal continental), os LA Rams, na sexta final enquanto equipa sedeada em Los Angeles, venceram o seu segundo Super Bowl.

A alegria toldava o espírito dos vencedores que se deixaram vencer pela emoção e pelo amor. A 56.ª edição do Super Bowl fica marcada por momentos de amor em três atos: um pedido de casamento com Taylor Rapp a ajoelhar-se perante a namorada Danielle, o beijo de Odell Beckham Jr. na barriga da modelo Lauren Wood e uma saída a 100 km/h do wide receiver, Van Jefferson, a caminho do hospital para onde a sua mulher se encaminhou, a partir do estádio, para entrar em trabalho de parto.