A visita da turma moscovita ao Dragão aconteceu no jogo 200 do FC Porto na Liga dos Campeões. Número redondo, bonito e que muito deve orgulhar os adeptos portistas, sobretudo porque se trata de uma competição europeia — mais ainda quando neste clube restrito das duas centenas de partidas na 'Champions', a par da equipa da casa, só figuram os históricos espanhóis Barcelona e Real Madrid.
Ora, resta dizer então que foi também a 200 k/hm que o campeão nacional entrou no jogo — nem 2' tinham passado e já estavam em vantagem. Marega, que abriu o marcador nos primeiros dois jogos dos 'azuis e brancos' na liga milionária, fez a assistência para o capitão Herrera encostar e inaugurar o placard. Sociedade esta que, diga-se, não se iria ficar por aqui e voltaria a fazer saltar os seus adeptos nas bancadas.
Para a receção aos russos, Sérgio Conceição voltou a não poder contar com os pontas de lança Vincent Aboubakar e Soares — o primeiro devido a lesão e o segundo porque não está inscrito para a fase de grupos da competição. Portanto, foi um FC Porto em "modo Champions"; diferente daquele do último encontro do campeonato, mas com o mesmo onze que disputou a partida em Moscovo.
A equipa russa vinha de bom momento a nível doméstico. Ganharam os seis últimos encontros para o campeonato, marcando dez golos nos últimos três jogos. O pior é quando pinga confronto europeu: com o jogo desta noite somam duas derrotas frente ao conjunto português a juntar aos desaire frente ao Schalke 04 e ao Galatasaray. Mas a verdade é que houve muito Danilo, Óliver e Marega.
Porém, ainda que tenham existido vários intervenientes para a goleada registada no Dragão, há que ter atenção ao que Sérgio Conceição tinha referido em relação à postura Herrera na conferência de imprensa que antecedeu a partida: "Tem estado condicionado e feito um esforço enorme sempre que tem sido chamado", disse o timoneiro dos dragões.
Realmente, em alguns momentos do jogo, deu a sensação de que Herrera não se encontrava nas melhores condições. Quer no capítulo do passe, quer no timing em que decidia entregar a bola aos colegas. Mas Herrera é Herrera, e mesmo não estando a 100%, tem a capacidade de fazer coisas boas — e de correr muito. E foi isso que aconteceu quando fez o seu primeiro passe do jogo para Marega. É caso para dizer que lançar os avançados demasiadas vezes não importa assim tanto, mas interessa sim a qualidade com que se o faz. E o passe picado para a correria do maliano foi primoroso e disso é exemplo. Bastou um.
No entanto, sem nunca esquecer a diferença que Marega faz no ataque, Oliver Tórres fez um daqueles jogos que espelha bem a sua importância nas dinâmicas da equipa. Esteve exímio no capítulo do passe (acertou quase todos os que fez em profundidade) e não deverão existir muitas dúvidas sobre aquilo que o FC Porto ganha quando está em campo. O seu jogo não se limita às ações ofensivas, mas sem bola ocupou bem os espaços e ajudou a equipa quando o Lokomotiv entrou ao intervalo com vontade de mudar os acontecimentos. Em noite europeia inspirada, foi ele que se evidenciou e que dançou à chuva.
Aos 53', Corona podia ter feito um golo de belo efeito e sem contemplação, de cabeça, após cruzamento de Maxi Pereira. Passou perto do poste, ia sendo, mas não foi. E já se sabe que no futebol quem não marca, arrisca-se a sofrer. Brahimi, que esteve mais discreto que o habitual, pedia aos colegas mais recuados que subissem no terreno, defendessem mais adiantados e avançassem a linha defensiva. Parecia que estava a adivinhar o que aí vinha. Sérgio Conceição, no banco, também. Gritava e tentava corrigir as posições dos seus pupilos, só que estava complicado devido à pressão exercida pelo miolo russo.
Por estas alturas Farfán tinha entrado ao intervalo para o lugar de Manuel Fernandes — muito apagado — e estava agitar o Lokomotiv. Se na primeira parte os russos estavam algo trépidos e apáticos, na segunda entraram com vontade de alterar o rumo do jogo. O peruano ganhava metros e era o elemento moscovita mais irrequieto, especialmente no corredor direito. O que não se pode dizer que seja algo inesperado, porque os russos tinham que se fazer à vida. E metro a metro ganharam um canto. Estávamos no minuto 59', meros minutos após o lance perigoso de Corona.
Miranchuk bate largo para a confusão ao pé da marca de grande penalidade, Farfán sai do campo de visão de Maxi, foge à marcação e cabeceia para o golo. Felipe bem que trocou um olhar com o uruguaio, mas o avançado peruano do Lokomotiv era já um foragido que tinha feito estragos. 2-1, estava reduzida a vantagem no marcador e podia ser um momento chave para mudar a face do jogo. Só que não.
Aos 67', mau alívio do guarda-redes Guilherme e a bola cai nos pés Óliver que recupera sobre a direita e faz um passe açucarado (mais um) para o lado oposto do terreno que encontrou Corona. Este dominou, cortou para o meio no bico da área para atirar com todas as intenções de fazer o terceiro. Se anteriormente tinha ficado perto, agora não perdoou. E estava encerrado o capítulo europeu desta noite. Ou assim se pensava, mas Otávio quis fazer mais uma gracinha. Saltando novamente do banco, fez novo golão — só que desta vez à bomba.
Quanto aos portugueses que fizeram a longa viagem desde Moscovo para regressar ao país natal, a noite não foi das mais felizes dentro das quatro linhas. Mas não quer isso dizer que não houvesse momento nobre e logo um daqueles só pecam por aconteceram poucas vezes. Eder seria substituído aos 71' para dar lugar a Smolov, motivo que levou a que Sérgio Conceição pedisse ao Dragão para aplaudir o homem que nos deu a alegria europeia de 2016. Bonito.
Porém, volvidos os 90', o "capítulo Lokomotiv" ficou fechado e uns valentes milhares de euros entraram nos cofres. É certo que existiram falhas e lances que podiam ditar um resultado bem diferente, mas não é possível dizer que não seja uma vitória mais do que justa e que os três pontos foram para a melhor equipa.
Marega voltou a ser decisivo, aproveitando todo o espaço que tem quando atua sozinho na frente; esta noite, parecia inclusivamente que tinha uma pista aberta para correr sobre a chuva, tal foi a quantidade de piques que fez. Não é dos mais virtuosos, mas é eficaz e extremamente desequilibrador. Óliver, um pouco mais atrás, apesar do terreno duro e pesado que a chuva origina, mostrou que quem sabe, sabe; e o espanhol sabe muito, nomeadamente com a bola nos pés.
O FC Porto fica assim muito perto de assegurar a terceira presença consecutiva nos oitavos-de-final da competição milionária, bastando para isso que faça um pontinho nos dois jogos que se seguem.
Após quatro jornadas, os ‘azuis e brancos’ lideram o Grupo D, com dez pontos, mais dois do que o Schalke 04 e mais seis face ao Galatasaray, sendo que a formação de Moscovo, que partiu como cabeça de série, é lanterna-vermelha, sem qualquer ponto — e com apenas 2 golos marcados na prova.
Bitaites e postas de pescada
O que é que é isso, ó meu?
Falhanço do Eder. É difícil explicar o que aconteceu ao herói nacional à passagem do minuto 33. Ederzito António Macedo Lopes, sem acento porque não é fixe, ficará para todo o sempre no coração dos portugueses pela conquista Euro2016. Isto é um facto. Só que esta noite a bola vinha redondinha, mesmo ao jeito do dianteiro a empurrar lá para dentro. Podia ser de cabeça, com o pé que lhe viesse mais à mão... Estava livre de marcação e apenas com Casillas pela frente, mas facilitou e pareceu demasiado trapalhão.
Óliver, a vantagem de ter duas pernas
O melhor em campo na primeira parte. Recuperou bolas, trabalhou muito e deu intensidade ao meio campo dos Dragões. Porém, o seu jogo não se limita a essas ações. Em três ou quatro passes longos, verticais e a procurar os espaços nas costas da defesa moscovita, mostrou todo o requinte que tem nos pés. Tem sido assim nos últimos jogos, assim foi esta noite. Nunca ninguém duvidou de que a sua qualidade não estivesse lá, mas é bom ver que agora está a ser exibida no sítio certo: dentro do campo e não no banco. E esta noite, mesmo com tanta chuva, parecia que até estava a jogar de galochas tal foi a forma como isso não o atrapalhou. Nem um bocadinho.
Fica na retina o cheiro de bom futebol
Otávio. Volta a entrar, volta a marcar. E mais uma vez de belo efeito. No fim de semana, a contar para a I Liga, na Madeira, agitou as águas do Caldeirão do Marítimo. Hoje, em período de descontos e na última jogada do encontro, disparou uma bomba que selou com chave de ouro uma goleada europeia.
Nem com dois pulmões chegava à bola
Brian Idowu sentiu na pele o que é correr atrás de Marega. Na segunda parte, o avançado maliano pegou na bola ainda bem no seu meio-campo, galgou umas dezenas de metros em velocidade até quase à área contrária no corredor direito, mas o defesa nigeriano do Lokomotiv bem que parecia que nem com dois pulmões o apanhava. Não é fácil, todos sabemos, acompanhar o n.º 11 do FC Porto. Mas tratou-se de um momento em que ficou bem patente a pujança física de Marega — e também que não é para todos acompanhá-lo quando se fala em correrias.
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