Em 1992-93, temporada de estreia da Premier League como a conhecemos hoje, a percentagem de jogadores no principal escalão inglês com possibilidades de representar a seleção do país era de 69%. Vinte anos depois, na época de 2012-13, essa percentagem era de apenas 35%!

De forma a podermos ter uma referência, em Espanha, França e Alemanha os valores de jogadores formados no país que jogam no seu principal campeonato chegam, respetivamente, a 58%, 56% e 48%. Mais: a diferença no número absoluto de ‘jogadores formados no país’ entre Inglaterra (35%) e Espanha (58%) é de aproximadamente 50 profissionais. Ora, as implicações de ter mais 50 jogadores a competir ao mais alto nível no próprio país reflete-se diretamente na seleção nacional desse mesmo país. E foi esta a conclusão retirada pela federação inglesa, levando-a a operar uma autêntica revolução.

Mas antes de avançarmos para as medidas em si, talvez valha a pena fazer uma parêntesis para compreender como funciona a estrutura do futebol em Inglaterra.

A pirâmide do Futebol Inglês

Federação Inglesa

A Federação Inglesa (FA) é o órgão máximo do futebol inglês e tem, como é óbvio, poder de voto nas organizações internacionais. É responsável pela organização da Taça de Inglaterra (FA Cup) e da Super Taça (FA Community Shield), pelo futebol feminino, pela formação de treinadores, por apoiar clubes amadores - denominados de Grass Roots Clubs - e por último, o papel fundamental de estimular a inclusão do futebol e do exercício físico por todo o território do país de Sua Majestade.

Premier League

A Premier League (PL) é uma entidade regulada pelos clubes que a jogam. A sua gestão é autónoma da federação e das restantes ligas.

English Football League

Até este ano denominada Football League, a agora English Football League (EFL) é responsável pela organização da Championship, League One e League Two (segundo, terceiro e quarto escalões do futebol do país, respetivamente). Desde a fundação do principal escalão inglês, em 1888, e até 1992, a EFL era responsável pelo mesmo, até à sua substituição, em 1992 pela Premier League.

St. George’s Park e a revolução

Estávamos em 2012 quando a Federação Inglesa inaugurou a estrutura que viria a servir de base para a sua revolução. St George’s Park, o novo centro de estágios da seleção, é uma infraestrutura de cinco estrelas com todo o apoio necessário, não só à seleção principal, mas a todo o ‘universo federação’. Futebol feminino, seleções jovens, formação de treinadores, futsal, futebol paralímpico e muitos outros ramos do futebol inglês têm aqui a sua ‘casa’.

Após a inauguração de St. George’s Park a federação apresentou então a sua proposta, que tinha como objetivo atingir a ponta final do espetro: os clubes e as suas equipas profissionais.

A proposta foi denominada de ‘Whole Game Solution’ e passa por:

  • Aumentar o número de ‘jogadores formados no país’ de 8 para 12 nas equipas principais da PL (para um jogador ser considerado ‘jogador formado no país’, independentemente da sua nacionalidade, teria que chegar a Inglaterra com, no máximo, 15 anos de idade);
  • Diminuir o número de ‘jogadores não formados no país’ de 17 para 13 nas equipas principais da PL;
  • ‘Banir’ jogadores provenientes de fora da União Europeia para todos as ligas, à exceção da PL;
  • Criação de equipas B para 10 clubes da PL;
  • Criação de uma quinta liga, denominada de League Three, que acomodaria as referidas equipas B, mais 10 equipas oriundas do escalão semi-profissional;
  • Obrigar a presença de dois jogadores formados no próprio clube no plantel de todas as equipas.

O objetivo da FA é claro: elevar a percentagem de jogadores ingleses na PL de 32% para 45% até 2022, com o propósito de tornar a seleção inglesa que jogará (se se qualificar, claro) o Mundial do Qatar o mais competitiva possível.

Regra ’home grown player’

Os clubes que participam no principal escalão inglês têm um limite máximo de 25 jogadores por plantel, onde 8 dos quais têm que ser ‘formados no país’ (os tais ‘home grown players’). Contudo, tal não implica que tenham de ser ingleses. Por exemplo Cesc Fàbregas (Chelsea) e Gaël Clichy (Manchester City) contam como ‘jogadores formados no país’, já que fizeram grande parte da sua formação em academias inglesas (no caso, a do Arsenal). Uma regra adicional permite ainda um número ilimitado de jogadores sub-21 a juntar aos 25 jogadores do plantel, sendo que estes jogadores sub-21 não têm que ser nem ingleses, nem formados no país. Adicionalmente, uma equipa poderá optar por ter menos de 25 jogadores no seu plantel e, como consequência, terá apenas que reduzir o número de ‘jogadores formados no país’. Quanto a estrangeiros, um plantel poderá ter no máximo 17 jogadores não ingleses. A título exemplificativo, o Chelsea campeão de 2014-15 tinha no seu plantel 17 jogadores estrangeiros e três jogadores formados em Inglaterra (ou seja, uma equipa de 20 jogadores apenas), ao qual podia adicionar um número ilimitado de jogadores sub-21 (ingleses ou estrangeiros).

O que constitui então, em termos concretos, um jogador formado em Inglaterra? No fundo, é aquele que, independentemente da sua nacionalidade, foi registado numa liga/academia inglesa por um período mínimo, contínuo ou não, de três anos, sendo que esses três anos terão que ser completados antes do jogador ter 21 anos. Por exemplo, Cristiano Ronaldo assinou pelo Manchester United com apenas 18 anos e foi inscrito pelo clube no campeonato durante as três épocas seguintes (até aos 21 anos, portanto). Assim, burocraticamente, o capitão da seleção nacional é considerado um ‘jogador formado no país’ em Inglaterra.

Estas regras poderão explicar muita coisa, principalmente o porquê de jogadores ingleses que não terão, em teoria, melhores atributos que outros jogadores estrangeiros, sejam transferidos por pequenas fortunas. Adam Lallana, Raheem Sterling e John Stones, que custaram, respetivamente, 24 milhões de libras, 44 milhões de libras e 47 milhões de libras, são exemplos claros disso mesmo.

Pegando no exemplo de Sterling, podemos afirmar que a razão de o atual extremo do Manchester City ter custado mais ao clube que Sergio Aguero (um dos principais jogadores da equipa), deve-se ao facto de poder ser considerado como um ‘jogador formado no país’, algo muito ‘valioso’ no panorama atual do futebol inglês. O número de ‘jogadores formados no país’ com qualidade para jogar na Premier League, e principalmente na Liga dos Campeões, é tão limitado, que faz com que os grandes clubes ingleses tenham que atuar depressa e bem, fazendo com que o valor de mercado dos jogadores ingleses com qualidade, ou com potencial, seja incrivelmente irrealista.

A resolução da proposta

Percebendo as regras a que os clubes estão sujeitos e, principalmente, os valores pagos por alguns jogadores, é fácil perceber a razão de todas as propostas acima mencionadas estarem a ser rejeitadas pelos clubes e respetivas ligas. A Premier League é uma entidade com fins lucrativos, onde os patrocínios e os direitos de transmissão televisiva atingem os mil milhões de libras. E mais: neste momento, muitos dos principais clubes não atingem os objetivos propostos pela FA e, mesmo com uma janela até 2020 para o cumprimento dos mesmos, muitos preferem não reformular os seus plantéis e, no fundo, a forma como encaram o futebol.

“O jogador inglês é uma espécie em vias de extinção e que está a desaparecer num buraco negro devido à falta de oportunidades.” Phil Neville

Com tudo isto, a Federação vê-se de ‘mãos atadas’ no que toca à reformulação do futebol inglês e, consequentemente, ao desenvolvimento de jogadores ingleses que formem uma seleção nacional competitiva. Ainda assim, esta era e continuará a ser uma batalha que o organismo terá que continuar a combater.

Em breve, abordaremos o que a Federação fez em paralelo com a proposta ‘Whole Game Solution’. Chama-se ‘English DNA’ - ‘O ADN Inglês’ e tem por objetivo revolucionar a formação de jogadores em Inglaterra.

Se quiser acompanhar a seleção inglesa, não perca já hoje, dia 11, o escaldante embate entre Inglaterra e Escócia. Os países irmãos defrontam-se mais logo às 19:45, num embate a contar para a qualificação para o Campeonato do Mundo na Rússia em 2018.

Pedro Carreira é um jovem treinador de futebol que escolheu a terra de sua majestade, Sir. Bobby Robson, para desenvolver as suas qualidades como treinador. Tendo feito toda a sua formação em Inglaterra e tendo passado por clubes como o MK Dons e o Luton Town, o seu sonho é um dia poder vir a treinar na melhor liga do mundo, a Premier League. Até lá, pode sempre acompanhar as suas crónicas, todas as sextas, aqui, no SAPO24.