O Golden Girl Championship, maior torneio feminino de boxe na Europa, comemorou o 10ª aniversário. Um clube português, a Rounds Academy, de Lisboa, voltou a marcar presença com uma equipa feminina na competição realizada na cidade de Borås, na Suécia, entre 1 a 3 de fevereiro, e que envolveu 283 atletas de 22 países.
Foi o regresso de duas atletas a um ringue, um ano depois da estreia portuguesa no feminino fora de portas. Na comitiva viajaram três mulheres, Mariana Martinho (54kg), Daniela Carriço (54kg) e Núria Fonseca (64kg), acompanhadas pelos atletas de elite, Sérgio Rodrigues (56kg) e Tino Monteiro (64 kg). O SAPO24 conversou com João Bastos, o homem do leme da Rounds Academy, clube de boxe de Lisboa sedeado em Campo de Ourique que conta com quatro campeões nacionais no seu seio.
Uma conversa à volta do boxe. Sobre mulheres e homens no ringue
João Bastos, treinador há 16 anos, 11 dos quais ligados à competição, começa pelas senhoras. É direto a afirmar que "há muitas mulheres" a praticarem boxe. "Perda de peso", a "melhoria da condição física" em geral, ou única e simplesmente pelo "próprio desafio que é o boxe em si", são as razões enumeradas.
Salta rápido da componente lúdica e entra no ringue. Na competição. Em relação à saúde do boxe feminino em Portugal assume que "está a crescer a nível competitivo".
No rácio de praticantes, homens e mulheres, o boxe não é diferente de outros desportos de combate. Elas são menos que eles. "É uma característica transversal no mundo inteiro", relembra. Admitindo que em Portugal ainda "existe o estigma do boxe ser um desporto para homens", recorda que nos "últimos 5 a 10 anos", esse estigma tem vindo, aos poucos, "a ser destruído", reforça.
Na comparação da Guerra dos Sexos, "se nos homens estamos um pouco a anos-luz do que se vai fazendo pela Europa, apesar de estarmos, gradualmente, a diminuir essa distância", nas mulheres a distância "é cada vez menor entre as nossas mulheres, e as mulheres de outros países". Revela que uma das razões reside no facto do boxe olímpico feminino na Europa ser "recente", ao mesmo tempo que acrescenta um dado à conversa: O boxe feminino teve honra de modalidade olímpica somente em "2012".
Chegados a esta altura, uma pergunta impõe-se. O que impede de estar ao nível de outros países? A resposta surge na ponta da língua: "Tem a ver com a estrutura federativa. Não há apoios, não há organização, não há um calendário de provas bem organizado", frisa. "E, neste momento, em Portugal, quem está a fazer boxe são os clubes", remata.
Feito um breve raio-x da modalidade, é altura de entrar nas características naturais de cada um. Deles e delas.
Na Guerra dos Sexos há mais parecenças que diferenças. Menos na derrota e na vitória
João Bastos não gosta de estereótipos. Do homem versus mulher. Quem sobe a um ringue "já tem mindset de guerreiro, de atleta", pelo que assume que há, entre ambos os sexos, "mais características comuns do que diferenças".
Da análise macro, à visualização micro, diz, no entanto, de que gosta mais de trabalhar com mulheres. Apresenta uma justificação: "a mulher, quando é atleta, quando tem mindset de atleta, entrega-se na totalidade, faz o jogo pelo jogo, é inteligente na forma de jogar e é muito mais dura na forma como enfrenta as adversidades", descreve.
Já no caso dos homens, estes "deixam-se afetar mais pela derrota", uma característica que os diferencia do género feminino. A mulher "não se deixa afetar tanto" e "não se desvaloriza quando perde", revela. O homem "é mais sensível a esse tipo de sentimento menos positivo", descreve. "A mulher sabe gerir melhor do que o homem… se calhar, sente a derrota de forma mais intensa no momento, mas rapidamente se liberta desse sentimento. O homem, fica mais tempo a trabalhar naquela derrota", compara.
Da derrota para a vitória, "mulher ganha por ela, não ganha pelos outros. Comparado com a mulher, o homem tem um ego grande, e muitas vezes ganham por eles próprios, para alimentar o ego e para mostrar aos outros. Acho que tem a ver com a característica do macho, é uma forma de afirmação", frisa.
Reconhece que as mulheres, que por serem menos, quando tem o tal Q de mentalidade destacam-se entre todos os que frequentam clubes e ginásios. No entanto, para Bastos, como para outros treinadores, "é indiferente ser um homem ou uma mulher, queremos sim um atleta", não havendo, por isso, lugar a diferença de tratamento quando as luvas são calçadas e se escuta o som que dá inicio aos treinos.
"Boxe, tens dentro de ti, ou não tens"
Deixa de falar de homens e mulheres e passa a falar de atletas de competição. "Têm o dobro da responsabilidade", atira. E faz sempre uma pergunta quando passa pelas cordas. "Sabes qual é o tempo que numa competição esperam por ti no ringue, depois de te chamarem? 50 segundos. Se em 50 segundos não estiveres lá, dão-te a derrota ao fim de um minuto". É, por isso, que defende que um "atleta que é atleta terá de o ser 24 horas por dia. Na forma de pensar, dormir, estar ou comer. E depois, esses que têm esse mindset, ou o mais próximo possível, têm sucesso; os outros, nem tanto", resume.
O "boxe, tens dentro de ti, ou não tens", atira. E independentemente do "espírito guerreiro” ou do "tal mindset" que se pode potenciar "se não o tiveres não há treinador nenhum, nunca, que te vá conseguir implementar isso dentro de ti", reitera. Tudo se resume "à personalidade" de cada um, garante. "Se és guerreiro, estás habituado a lutar pelos teus objetivos e a superar de cabeça erguida as dificuldades na vida, vais encarar o boxe exatamente da mesma maneira", reitera.
"Para mim, o boxe é vida e forma de jogo, em que há uma parte do processo que tu controlas e outra parte que não controlas", justifica, olhando para o desporto não como individual, mas coletivo. "Disputas de forma individual no momento, mas tens um suporte, que é o teu canto, os teus treinadores, que fazem todo um trabalho para ti, para te levar àquele momento e uma equipa de parceiros de treino que te ajudam a desenvolver as skills diariamente", discorre.
No seguimento, João Basto prefere "ter um atleta com menos talento, mas com mais cabeça, mais disciplina, do que ter um atleta muito talentoso e sem disciplina". Um atleta "muito talentoso e sem disciplina é uma questão de tempo até cair", antecipa.
Nesta viagem pelo boxe, para o fim deixa uma mensagem. Refuta a palavra violência quando se calça as luvas. "Não é uma modalidade violenta, não pode ser vista como tal até porque é das poucas modalidades amadoras que se consegue ter uma carreira até aos 40 anos". E continua. "É uma modalidade de contacto, em que o objetivo é tocar o adversário o mais possível e evitar ao máximo que ele nos toque. Isso é um ponto efetivo", sustenta. "É um jogo de estratégia. Dois atletas dentro de um quadrilátero, cada um com a sua estratégia, que tentam surpreender um ao outro", finaliza.
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