No futebol, a capacidade de concretizar a oportunidade está longe de ser um atributo necessário apenas para aqueles que pisam as zonas do relvado mais próximas da baliza adversária. Prova disso é o jovem António Silva, que, vindo dos escalões de formação do Benfica, aproveitou uma onda de lesões no eixo central da defesa - que atirou Lucas Veríssimo, Morato e o recém contratado João Víctor para o estaleiro, como se diz em bom futebolês - para se afirmar como pilar da equipa orientada por Roger Schmidt e tornar-se num dos melhores portugueses na posição ao ponto de, cerca de dois meses após a estreia a titular com a camisola das águias, ter sido chamado pelo selecionador nacional Fernando Santos para representar a seleção no Campeonato do Mundo de 2022 que acontece no Qatar.
Nascido a 30 de outubro de 2003, António João, como era conhecido em criança, cresceu em Penalva do Castelo, a pouco mais de 30 quilómetros de Viseu, na terra da família materna. Em entrevista à BTV, o jovem central conta que a paixão pelo futebol começou cedo, por volta dos quatro anos, à boleia do irmão três anos mais velho que, fruto da idade, já jogava no clube da terra, o Penalva.
"Sempre fui atrás do meu irmão que jogava no clube da terra. Foi a partir daí que comecei a pegar o bicho da bola. (...) Ia sempre ver os jogos dele", conta.
Seguindo as pisadas do irmão Armando Silva, hoje atleta do Viseu e Benfica, ingressou no clube da terra assim que pôde. Jogou futebol 7 no Penalva do Castelo durante duas épocas. Lá jogava em qualquer posição, motivo que leva os primeiros treinadores, numa reportagem do Canal 11, a contar que se há 10 anos lhes perguntassem se o futuro do pequeno António seria ser defesa central, provavelmente não diriam um sim repleto de certezas.
"Apesar de ser mais novo e mais magrinho isso não o atrapalhava e não o deixava ficar para trás. Ele dedicava-se muito no aspeto técnico, na velocidade, agilidade, tudo isso fazia com que ele se adaptasse bem à nossa maneira de jogar", comentam.
Mais tarde, António Silva mudou-se para Os Repesenses, emblema que, curiosamente, tinha uma parceria com a Dragon Force, o projeto de prospeção e formação ligado ao FC Porto. Jogaria ali apenas duas temporadas, o suficiente para que Alexandre Brás, então treinador do atual jogador das águias, não fique surpreendido com os feitos dos dias de hoje.
"O que faz hoje é o mesmo que já mostrava há oito ou nove anos. Acaba por ser evidente a tranquilidade, capacidade de progressão, a habilidade para colocar o passe que salta linhas de pressão", recorda o antigo treinador de António Silva à TSF, que sublinha "capacidade emocional que tinha, sendo um jogador com uma postura muito tranquila nos treinos, alguém que tentava perceber aquilo que podia fazer em cada momento".
Seguiu-se a passagem para a equipa da Casa do Benfica de Viseu, em 2015/16, etapa fundamental para, na época seguinte, chegar ao Benfica Campus, casa da formação encarnada. Com 11 anos, António Silva, que se assume como "benfiquista ferrenho", herança do pai que partilha com o irmão, mudou-se para Lisboa. No entanto, aquilo que tinha tudo para ser um sonho transformou-se num pesadelo que durou dois meses, com o jovem atleta a não conseguir lidar bem com as saudades de casa.
"Na altura foi muito difícil para mim. (...) Eu e o Benfica era algo que não estava a correr bem, não estava a ser feliz, o rendimento no clube não estava a ser bom pelas saudades. Dormia muito pouco, tinha muitas saudades de casa, estava a ser muito difícil para mim", contou ao Canal 11.
A solução encontrada, em conjunto com os responsáveis encarnados, foi um regresso a casa, numa quase cedência ao Viseu United, onde jogou durante uma temporada. "Era um miúdo muito frágil, muito novo, tinha 11 anos e na altura com a ajuda dos responsáveis do Benfica acabei por voltar a casa, foi um passo em frente naquilo que é a minha curta carreira", disse à BTV.
Depois de um ano em Viseu, António Silva voltou ao Benfica Campus como sub-14, casa de onde nunca mais sairia. Seis épocas depois, em 2021/22, estreou-se como sénior, na equipa B dos encarnados, pela mão de António Oliveira, e já esta temporada integrou o plantel principal para a pré-época onde se mostrou pela primeira vez aos adeptos.
No entanto, a data que ficará no livro de memórias é o dia 27 de agosto de 2022, data em que, na sequência da indisponibilidade de Otamendi se estreou a titular de águia ao peito diante do Boavista num encontro que o Benfica, no Bessa, venceu por 0-3.
O regresso do argentino diante do Paços de Ferreira impediu a estreia no estádio da Luz na jornada seguinte, mas uma lesão de Morato fez com que o encontro com os adeptos ficasse marcado para a receção ao Vizela. Desde então, o jovem português nunca mais largou a titularidade, somando encontros diante de gigantes europeus como a Juventus e o Paris-Saint Germain, em jogos a contar para a Liga dos Campeões, em que não faltaram elogios à sobriedade, maturidade e tranquilidade com era capaz de encarar o jogo no relvado.
Depois do jogo no Bessa, quando o técnico alemão foi questionado sobre a aposta no português, a resposta foi simples e curta: "O Nico [Otamendi] estava fora deste jogo e precisávamos de um substituto. A nossa alternativa para a posição de central à direita é o António Silva. Claro que se ele não estivesse pronto podíamos jogar com dois centrais esquerdinos, mas o António fez uma pré-época muito boa, esteve bem nos jogos de preparação, e hoje mostrou que pode jogar na equipa principal do Benfica. Fiquei muito contente com ele, principalmente depois de ter visto o cartão amarelo tão cedo e de ter sido tão inteligente com a bola, mantendo a calma".
Cerca de dois meses depois, António Silva bisou na visita ao Estoril Praia, e o técnico foi convidado a comentar a forma como o central se tem exibido. "Há umas semanas tivemos lesões importantes na defesa e o António apareceu muito bem, depois de já ter dado boas indicações na pré-temporada. Tem jogado vários jogos a um nível elevado e defrontando equipas de topo, dando estabilidade à equipa, e é por isso que tem jogado sempre", explicou Roger Schmidt que, por esta altura, já recorreu ao jovem central em 17 ocasiões e o viu marcar três golos, um deles na Liga dos Campeões, diante da Juventus, um dos importantes tentos que serviram para que, no final da última jornada da fase de grupos, os encarnados suplantassem o PSG no diferencial de golos marcados fora.
O momento no Benfica levaram a que António Silva fosse chamado à seleção de sub-21, no final de setembro, onde se estreou num jogo diante da Geórgia. Agora, é Fernando Santos que chama pelo jovem de Penalva do Castelo para reforçar a defesa da seleção nacional no Qatar durante o Mundial.
Para uns terá sido uma surpresa, para outros as provas dadas nos últimos meses foram mais do que suficientes para justificar esta chamada. O antigo central internacional português, Jorge Andrade, faz parte deste segundo grupo, explicando que tem havido uma "dificuldade" em "encontrar defesas centrais para a seleção, nos últimos tempos".
"O Pepe está a recuperar de uma lesão, o Danilo, que é um médio, tem sido uma das soluções para esse lugar, depois há apenas o Rúben Dias, como habitual titular. Há, por isso, algumas incertezas neste setor. Nesse sentido, o António Silva, neste momento, é o jogador que deve ser chamado. Claro que não vai para ser titular, mas sim para crescer no grupo. Foi isso que aconteceu no Benfica no início da temporada. Fez parte do grupo, alguns dos seus colegas, habituais titulares, lesionaram-se e ele aproveitou", confessou.
Elogiado por muitos, com uma imagem que percorreu a Europa do central a 'fazer peito' ao italiano Leonardo Bonucci, no encontro diante da Juventus, uma UEFA Youth League no currículo, conquistada na última temporada com os escalões jovens do Benfica, resta saber o que pode fazer António Silva no Qatar e até ao final da época nos encarnados, depois de já ter mostrado que o tempo é ele que o faz.
O SAPO24 é a marca de informação do Portal SAPO, detido pela MEO, que neste Mundial se associou à Amnistia Internacional numa campanha pelos direitos humanos no Qatar.
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