Até há pouco tempo o treinador era criticado pela falta de modernização no seu trabalho, estilo de jogo e forma de ver o futebol em tempos atuais. Desde que deixou a Seleção Brasileira após o marcante 7x1 da Alemanha, em pleno Mundial no Brasil, as suas campanhas não tiveram tanto destaque como este Brasileirão.

E uma das equipas (se não a equipa) com mais identidade com o treinador, a Sociedade Esportiva Palmeiras, vem desde 2014 a aumentar os seus êxitos estruturais para justificar a boa forma. Isto porque justamente em ano de Copa do Mundo, enquanto o seu futuro treinador comandava o Brasil no vexame histórico, o Palmeiras teria a construção do novo estádio como o ponto inicial de muitos sucessos, comandados pelo então presidente Paulo Nobre.

Antes de chegarmos a Scolari e ao título de 2018, vale a pena contextualizar os acertos palmeirenses fora do relvado. Como referimos, o primeiro foi a construção de um novo estádio, com capacidade para perto de 43 mil adeptos, pelo grupo WTorre. Desde que começou a ser usado (em novembro de 2014) se tornou uma fonte importante de receita para a equipa, já que o valor médio dos bilhetes aumentou, mas as boas médias de público permaneceram.

Adepto Palmeiras
Adepto Palmeiras créditos: EPA/Sebastião Moreira

Após o estádio, vieram também o aumento no número de adeptos que se tornaram sócios — contribuindo mensalmente — que chegaram praticamente aos 130 mil em 2018 (figurando no top10 de sócios de equipas no mundo) e a importante parceria com um novo patrocinador principal, a Crefisa (empresa de créditos), que garantiu a sustentabilidade económica da equipa, ajudou na montagem do elenco — e atualmente até participa da gestão alvi-verde (a sua presidente, Leila Pereira, é conselheira do Palmeiras). Aqui vale a dúvida de até que ponto este tipo de influência é benéfica, mas para isto podemos aguardar mais algum tempo para discutir.

Scolari, do fracasso à redenção

Depois do 7x1, Felipão decidiu voltar às origens, ao ir treinar novamente a equipa do Grémio. A sua contratação tirou um pouco do foco nas críticas pesadas do resultado pela Seleção Brasileira, mas a sua passagem pelo Rio Grande do Sul não foi tão longa, e em maio de 2015 ele mesmo já havia decidido pedir demissão do cargo. Em junho do mesmo ano, embarcou num trabalho diferente, mais distante dos holofotes brasileiros, ao assumir o chinês Guangzhou Evergrande, conquistando logo nesse ano a Liga dos Campeões da AFC (Confederação Asiática de Futebol) e o título nacional. Eleito treinador do ano na China, conquistaria mais cinco títulos com a equipa até 2017.

Era o que precisava para sair um pouco dos olhares insatisfeitos dos brasileiros, e até mesmo para construir uma diferente fase da carreira, renovando (ou não) o seu método de trabalho para se solidificar como um treinador vitorioso. A chegada ao Palmeiras foi rápida e pegou muitos de surpresa. Felipão não havia trabalhado nesse ano, mas acertou com a equipa dias após Roger Machado ter sido demitido. Mesmo tendo feito a melhor campanha da fase de grupos da Libertadores, o seu desempenho no Brasileirão não agradava, e era consenso que a equipa, já com um elenco muito forte, poderia lutar pelos lugares cimeiros. Vale lembrar que o Palmeiras em 2015 conquistou a Copa do Brasil, em 2016 o próprio Brasileirão (com Cuca como treinador e Gabriel Jesus como destaque), mas em 2017 passou em branco.

créditos: NELSON ALMEIDA / AFP

As mudanças do treinador

Logo de início Scolari percebeu que estava voltando a uma região de calendários muito mal elaborados (no Brasil especificamente, mas vale também para a América do Sul). Este ano de 2018 é apenas o segundo ano em que as competições de mata mata (a eliminar) continentais (casos da Copa Sul Americana e Libertadores) assim como a Copa do Brasil estendem-se até fim do ano, e não são disputadas apenas no primeiro semestre. Para isto, Scolari entendeu que deveria evitar o desgaste da sua equipa e, com um dos melhores plantéis do Brasil (a par dos do Flamengo e até Grémio) implementou um revezamento (rotação) entre os jogadores para cada competição, algo até mais comum na Europa.

O número de mudanças chegava a 8 jogadores, principalmente na defesa, que claramente era a parte mais fraca do plantel. Mais uma vez o acerto do treinador mostrou-se na solidez defensiva após estas mudanças. A dupla de centrais Antônio Carlos e Edu Dracena alternava com Gustavo Gomez e Luan. O mesmo ocorria nas laterais, onde a improvável disputa pela posição cresceu o rendimento dos jogadores. Marcos Rocha dava lugar a Mayke na direita, e Diogo Barbosa trocava com Victor Luis. O guarda-redes Wéverton ganhou a titularidade no meio de nomes mais pesados como de Fernando Prass e Jaílson (importante na conquista do Brasileirão de 2016).

Para melhorar o rendimento e alcançar a liderança do Brasileirão apenas um mês após assumir a equipa, Felipão tornou o Palmeiras novamente um elenco bastante coeso, fechado entre eles, em busca de um objetivo maior. Se em 2017, por exemplo, não houve esta interação, desta vez a equipa parecia mais uniforme, sem problemas internos (como ocorreu com Felipe Melo, afastado da equipa no ano anterior, mas que se tornou um exemplo de garra na equipa de 2018). Felipão depositou nova confiança em jogadores em baixa como Moisés, Borja e Deyverson — especialmente a estes dois últimos, avançados que não estavam tão bem, mas que são muito importantes na formação tática do treinador.

Dudu
Dudu créditos: NELSON ALMEIDA / AFP

Destaques individuais do título

Dudu é o melhor jogador da equipa, e pode ser considerado o melhor jogador da competição. Vertical, sempre à procura do golo, foi o avançado que mais rematou à baliza, e o que mais assistências fez aos seus companheiros na competição (12 passes). O artilheiro da equipa, Willian, se não mostra tanta elegância no relvado, conseguiu anotar 10 golos, mais que Borja e Deyverson (passou pelo Benfica B em 2012/13 e pelo Belenenses nas duas épocas seguintes). Este último, porém, merece destaque pela eficácia. É o jogador que menos demora no relvado para marcar, precisa de apenas 144 minutos, menos que o próprio artilheiro Willian, que demora 213 minutos.

Já no caso de Moisés, Gustavo Scarpa e Guerra, todos médios ofensivos da equipa, cabe ressalvar que renderam menos do que o esperado. Para o meio campo, destaque para Lucas Lima, mais regular que os demais, porém também ainda longe de mostrar tudo o que sabe e o que fez quando estava no Santos. A manutenção do elenco pode render coisas ainda melhores ao Palmeiras.

A caminhada para o título

É facto que, ao longo das épocas, e com as saídas cada vez mais precoces de muitas jóias brasileiras para grandes centros do futebol, a qualidade em geral da competição vem em decréscimo. Tanto é que, mesmo sendo característica do Brasileirão a disputa pelo título sempre ser marcada por seis equipas ou até mais, o ano de 2018 mostra essa mesma indefinição como uma fraqueza de muitas das equipas. Flamengo, São Paulo e até Internacional "brigaram" pela liderança dos pontos corridos, chegaram a ser líderes por diversas jornadas, mas não tiveram capacidade de manter o primeiro lugar.

O Palmeiras, sexto colocado quando Felipão chegou, 8 pontos atrás do Flamengo e a 6 do São Paulo, mostrou a força do elenco e o mínimo de regularidade exigida para o principal torneio nacional. Conquistou 13 vitórias, 5 empates e 0 derrotas, perfazendo um aproveitamento de 81% e a marca de melhor segunda volta da história da competição. Foram 32 golos somados, apenas 10 sofridos, e um saldo de 22. Marcas expressivas para o melhor ataque do Brasileirão, com 61 golos feitos no total, e a melhor defesa, com 24 golos sofridos.

Não apenas numericamente, mas pelo plantel qualificado, crença no projeto e com o refinamento de Scolari, o Palmeiras fez por merecer o décimo título de campeão brasileiro.