Desde 2015 que a maior parte das seleções femininas da América do Sul tem vindo a desaparecer do ranking da FIFA. As federações têm estado de tal maneira focadas nas equipas masculinas que algumas delas pararam de agendar jogos ou contratar “staff” para acompanhar as equipas femininas.
A negligência ou desprezo por parte das federações podia conduzir à morte do futebol feminino na América do Sul. Porém, aconteceu precisamente o contrário. As jogadoras organizaram-se coletivamente, protestaram e insistiram em regressar para os relvados, de onde nunca deveriam ter saído.
No Chile, em 2016, as jogadoras formaram um sindicato, que acabou por ser integrado no sindicato masculino. De qualquer forma, este foi o impulso que até então faltava e que fez com que a equipa chilena se conseguisse reorganizar. Foi o sindicato, por exemplo, que convenceu a federação chilena a sediar a Copa América Feminina, em 2018.
A célebre jogadora chilena Fernanda Pinilla diz, ao jornal 'The Guardian', que os atuais movimentos feministas têm sido uma inspiração.
“Nós somos iguais e merecemos o mesmo: igualdade de direitos e de oportunidades, seja na vida ou no futebol”, partilha a jogadora na conta do Twitter.
O Campeonato Sul-Americano de Futebol Feminino de 2018, oficialmente denominado Copa América Feminina de 2018, vai ser a oitava edição do campeonato e vai decorrer entre 4 e 22 de Abril no Chile. As equipas competem para se classificarem para a Copa do Mundo de Futebol Feminino de 2019, para os Jogos Pan-Americanos de 2019, bem como para os Jogos Olímpicos de Verão de 2020.
As ações coletivas e de resistência das jogadoras devem ser encaradas no contexto das campanhas globais de futebol feminino, como a luta das mulheres dinamarquesas pela igualdade salarial e as “guerras territoriais” da Copa do Mundo em 2015, como revela o 'The Guardian'.
Além do Chile, as equipas femininas da Argentina e do Brasil têm também contestado com enorme veemência a situação que as envolve.
No Brasil, as atenções recaem sobre a seleção masculina, relegando as jogadoras para outros campos. A seleção brasileira é a que mais vezes ganhou a Copa América, saindo vitoriosa em 1991, 1995, 1998, 2003, 2010 e 2014. Contudo, durante o Taça do Mundo em 2015, o coordenador de Futebol Feminino da CBF, Marco Aurélio Cunha, elogiou a equipa brasileira pela sua aparência e não pela sua forma de jogar.
"Agora as mulheres estão a ficar mais bonitas. Elas entram no campo de uma forma mais elegante. O futebol feminino costumava copiar o futebol masculino. Até nos modelos das camisolas. Nós vestíamos as raparigas como rapazes. Então faltava o espírito da feminilidade. Agora os calções são mais curtos, os cabelos são mais bonitas. Não são mulheres vestidas como homens", disse ao jornal The Globe and Mail.
Na Argentina, a cada 30 horas morre uma mulher por violência de género. Foi neste país que nasceu a campanha #NiUnaMenos que levou milhares de mulheres à rua em defesa do fim da violência de género. A consciencialização e a luta não tardaram em chegar aos campos de futebol.
A equipa feminina argentina fez greve, no mês de setembro, depois de não receber salários. Como seria de esperar, este não é o único problema que a equipa enfrenta.
Como aponta o 'The Guardian', há equipas femininas argentinas que têm apenas cerca de três semanas para se prepararem para a Copa. Além disso, muitas jogadoras não têm dinheiro para pagar as viagens até aos treinos ou os equipamentos — há jogadoras que ganham cerca de 150 dólares [121 euros].
A última vez que a Argentina ganhou a Copa América feminina foi em 2006.
Estes são alguns exemplos do cenário tenebroso que as jogadoras enfrentam. Uma coisa é certa. O árbitro ainda não deu início à partida, mas estas equipas já ganharam. Sem a ajuda das federações, sem equipamentos, recebidas com “elogios” patriarcais, as jogadoras conseguiram voltar aos campos. Independentemente do que se passará dentro deles, esta é uma vitória. A primeira de muitas, espera-se.
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