No início da longa rua que nos leva até à Fan Zone do Mundial, na cidade de Moscovo, os adeptos neutros escolhem a seleção que vão apoiar junto de uma rapariga que, com algumas tintas sobre o colo, nos pergunta: “Portugal ou Marrocos?”.
A partir dali e à medida que vamos subindo a rua e nos aproximando do eco das onomatopeias típicas de uma multidão que assiste a um jogo de futebol, já se vai de coração decidido. Os que pintam a bandeira de Portugal na cara, e que não são portugueses, são na sua maioria russos e asiáticos que se vestem de vermelho com o número 7 às costas. O de Ronaldo, claro.
Encontrar portugueses para a festa do Mundial não se adivinhava tarefa fácil. Primeiro, porque os marroquinos estavam em larga maioria e manifestavam nas ruas o seu apoio à seleção que jogava esta quarta-feira uma cartada decisiva no seu futuro na competição. Segundo, porque a grande maioria dos adeptos lusos que se deslocaram a Moscovo estavam nas bancadas do estádio. E depois porque o excesso de zelo das forças policiais russas, que fecharam as entradas das estações de metro mais próximas do estádio Luzhniki, impediram-me de chegar junto da praça a tempo do hino e golo de Cristiano Ronaldo, dois elementos que teriam ajudado à minha demanda.
A Fan Zone estava mais vazia do que o normal, e por isso as pessoas concentravam-se diante do ecrã principal, enquadrado com a torre monumental da universidade e alinhado com o sol que a partir da segunda parte se elevou perante o televisor gigante e obrigou todos a ver aqueles dez minutos finais tenebrosos com uma mão na testa e outra no coração.
Que jogo de nervos.
Que ambiente de nervos.
Durante meia-hora pensei, honestamente, que era o único português ali. Senti-o quando perto dos 40 minutos de jogo, Cristiano Ronaldo desmarca Gonçalo Guedes que tem uma chance de golo flagrante diante do guarda-redes de Marrocos e eu não ouço um “ai!” ou um “ui!”.
Não podia ser. Fintei as centenas de camisolas do Cristiano Ronaldo que emolduravam a plateia e tropecei num português. “Português?”, perguntou-me. “Ufa, que alívio", pensei eu, ao mesmo tempo que nas notas do telemóvel apagava o título de um artigo que esteve a uma metade de jogo de se chamar “Fui à Fan Zone de Moscovo ver o Portugal - Marrocos e era o único português ali”.
Márcio Pereira tinha vindo da África do Sul, país que o viu nascer e que recebeu os seus pais, madeirenses de nascença, com um grupos de dois amigos, o Diego e o Miguel, também eles emigrantes de segunda geração. Embalado pelo Mundial a que pôde assistir ao vivo em 2010, veio até à Rússia para se sentir mais perto do seu país, como lhe acrescenta o seu amigo Diego. “Vou a Portugal ano sim, ano não, e vir ao Mundial com os outros portugueses ajuda, ajuda a fazer-nos sentir em casa”.
Esteve em Sóchi a assistir ao Portugal-Espanha, mas não devia estar aqui, naquela praça a beber uma cerveja diante do ecrã.
“Tinha uma pessoa a quem nós íamos comprar os bilhetes para ver o jogo ao estádio, mas ele vendeu os bilhetes a outra pessoa. Mas estive em Sóchi e vi o jogo lá, foi espetacular. Os três golos… a minha pele fica arrepiada quando me lembro daquele jogo”, conta Márcio ao SAPO24, entre a felicidade da vantagem portuguesa, naquele minuto de jogo, e a tristeza de não ter podido festejar aquela cabeçada de Ronaldo dentro do estádio.
Mais à frente, durante o intervalo, ouço cânticos que me são familiares. Vozes roucas de felicidade que me levavam até à inesquecível noite de 10 de julho de 2016, quando Portugal se sagrou campeão europeu.
“Pouco, pouco importa,
Se jogamos bem ou mal
Queremos é levar a taça
Para o nosso Portugal”
E eis que diante das bandeiras de Marrocos surge um pequeno grupo de portugueses de viva voz. Era ali. Portugal era ali.
Felicidade a minha quando me aproximo e reconheço-os. São o grupo de amigos do norte que tínhamos encontrado - e entrevistado - em Sóchi. A eles juntava-se uma comitiva da TAP que aproveitou uma viagem até à capital russa para vir viver um pouco do Mundial. Tinham-se encontrado todos ali.
Estava feito o meu dia. Porque, cara leitora e caro leitor, seja em trabalho ou no nosso tempo livre, ninguém merece ver um jogo da seleção sozinho. Os jogos de Portugal são um momento de união específico. Trazem aos estádios quem durante toda a temporada não meteu lá os pés, unem adeptos independentemente do clube.
Mas, surpresa que não devia ser surpresa, eles também não deviam ter estado ali.
Miguel Morais, tripulante da TAP, não conseguiu bilhete à última hora. E Rafael, do grupo de jovens com quem o SAPO24 se tinha cruzado em Sóchi, e que tinha tudo acordado com um homem de nacionalidade russa para lhe comprar três bilhetes, soube que o indivíduo os vendeu a outra pessoa. Ainda tentaram ir para a porta do estádio, mas os 400 ou 500 euros pedidos eram números proibitivos.
A história repete-se, a história de quem queria de estar no Luzhniki, de quem ouvia o ruído dos adeptos através do ecrã e desejava estar lá. Estavam resignados pela falta de bilhete e pelo futebol pálido da seleção, mas, quer dizer, como me disse o Rafael, Di Maria para os amigos, “isto é o nosso país, somos poucos em quantidade, mas somos um país de qualidade”. E a festa fez-se silenciando as centenas de adeptos marroquinos presentes ali na Fan Zone e acabando rodeados por várias câmaras fotográficas e de estações de televisão.
E naquele momento ninguém sentiu que não queria estar ali.
Diário da Rússia é uma rubrica pela voz (e teclas) de Abílio Reis e Tomás Albino Gomes, equipa do SAPO24 enviada à Rússia para fazer cobertura do Mundial. Um diário que é mais do que futebol, porque a bola não se faz só de bola, mas também das pessoas que fazem a festa. Acompanhe a competição a par e passo no Especial "Histórias de futebol em viagem pela Rússia".
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