Na conferência de imprensa de antevisão do jogo, realizada no campo de treinos de London Colney, Unai Emery disse aos jornalistas que esperava manter "o bom desempenho na Liga Europa". No entanto, deixava a ressalva que as duas derrotas (1-0 na receção ao Eintracht Frankfurt e por 2-0 em Liège) dos minhotos na competição europeia não faziam justiça ao valor da equipa. Esperava, portanto, "um jogo difícil".
E difícil é apenas uma palavra para descrever o desfecho do encontro desta noite. Injusto, quiçá, poderá ser outra. Não sendo Nostradamus nem querendo ser, há coisas que devem acontecer pela certa. Manchetes vão reluzir com a imagem de Pépé e os títulos farão certamente jus ao seu talento. Não é para menos. Afinal, entrou e virou por completo o jogo. Vai também escrever-se sobre os três pontos somados pelos ingleses, mas não da possível vitória do Vitória, que não esteve assim tão longe de acontecer. Vai escrever-se obrigatoriamente que o Arsenal lidera o Grupo F com um pleno de vitórias e que o Vitória está em último, com zero pontos. É uma pena que assim seja, mas assim é o futebol. Nem sempre é justo ou espelha aquilo que se passou dentro do campo, porque aquilo que a realidade mostrou foi uma noite bem dura para os homens da casa. E não é exagero nenhum dizer que o Arsenal foi surpreendido pela qualidade de jogo apresentada pelo seu adversário desta noite.
Uma das surpresas no onze inicial lançado por Ivo Vieira foi a ausência de Rochinha. O extremo tem sido importante no arranque de temporada, mas neste encontro começou a partida no banco. Outra novidade em relação à última partida foi guarda-redes Miguel Silva (falhou o jogo frente ao Sintra Football devido a lesão). No total, foram oito alterações relativamente à equipa que alinhou de início no jogo que ditou o afastamento da Taça de Portugal — Denis Poha, Marcus Edwards e Edmond Tapsoba foram os sobreviventes.
No 'onze' escolhido por Unai Emery figuraram dois regressos esperados para as alas do quarteto defensivo (Héctor Bellerín e Kieran Tierney), uma nova oportunidade no miolo (Ainsley Maitland-Niles) e uma linha alternativa (mas expectável na Europa) com o jovem Gabriel Martinelli e o francês Lacazette a fazerem a despesas do ataque.
Relativamente à partida desta noite há que começar por informar que se tratou dum duelo-estreia, tendo em conta que arsenalistas e vitorianos nunca se defrontaram em jogos a contar para as competições da UEFA. Todavia, diga-se, os ventos ingleses nunca sopraram bonança em na direção dos interesses do Vitória. Embora se deslinde em amostra pequena, o saldo por terras de Shakespeare era francamente negativo: duas derrotas em outros tantos jogos. Ou seja, traduzindo em resultados, isto significa um 5-0 diante o Aston Villa (1983) e um 2-0 no reduto do Portsmouth (2008) — ambas na primeira eliminatória da Taça UEFA. Na verdade, e é importante anotar, a última vitória fora nesta competição, se não se contabilizar as eliminatórias, foi em 2005… na primeira jornada da Taça UEFA diante os polacos do Wisla Kraków (tento marcado por Marek Saganowski, homem golo - 16 tentos - daquela época dos vimaranenses.) Após a partida desta quinta-feira, o saldo fica-se nuns 3-0.
Por seu turno, reza a história estatística futeboleira que ante oposição portuguesa — em casa — o Arsenal somava uma derrota, um empate e acumula quatro vitórias nos últimos cinco jogos europeus (não sofrendo qualquer golo e marcando 17). Portanto, ao fazer dois, o Vitória já fez certamente rever um pouco a estatística europeia para os próximos encontros. Porque nem tudo vai bem na equipa inglesa.
Logo aos 4’ o Vitória chegou pela segunda vez com perigo à área do Arsenal. André Almeida, recebe perto do coração da área com requinte, executou bem a rotação e… rematou frouxo para as mãos de Damián Martínez. Só que três minutos mais tarde, Marcus Edwards, inaugura o marcador e deixa todo o estádio perplexo — e grande parte daqueles que estava a ver o jogo certamente. Foi um lance de contra-golpe executado na perfeição. Boa jogada do venezuelano Victor Garcia no corredor direito, este entrega para o inglês que, dentro da área, trabalha bem e faz o primeiro golo da equipa na fase de grupos da competição. O Emirates entrava em estado de choque.
À passagem da meia-hora de jogo acontece o golo dos gunners. Atravessava-se um período — curto — em que os arsenalistas cresciam, e o perigoso Martinelli marcava o seu terceiro tento na Liga Europa. Há uma má abordagem por parte do guarda-redes português, naquele lance típico do saio-não-saio numa bola área. De cabeça, o jovem brasileiro de apenas 18 anos respondeu da melhor forma ao cruzamento de Tierney. Minutos mais tarde, aos 33’, foi a vez de outro jovem, Emile Smith-Rower, dar um brinde — apesar do remate muito perigoso. A bola ainda bate num defesa, mas passa muito perto da baliza dos Vitória. Foi um daqueles lances em que se respirou fundo do lado português.
Todavia, qual é o ditado mais antigo do futebol? Quem não marca, sofre. E pois bem, foi o que aconteceu. O Vitória voltava a criar muitos problemas à debil defesa arsenalista. E logo por alguém que hoje se destacou — e muito! Davidson mandou uma daquelas suas galopadas enormes e atirou rasteiro ao poste, mas o brasileiro Bruno Duarte, na recarga, disparou um tiro sem cerimónias lá para dentro. O relógio marcava o minuto 36. Em menos de cinco minutos, a turma de Ivo Vieira respondia ao golo sofrido. No Emirates. Como gente grande. Como equipa que não se escondia atrás dos milhões da Premier League.
Ou seja, fosse qual fosse o resultado final, sentia-se que um pouco de história já havia sido escrita. Sem ter ainda marcado qualquer golo nos dois jogos anteriores — frente a dois adversários teoricamente mais acessíveis — o Vitória já tinha marcado dois golos no terreno do Arsenal em apenas 45 minutos. Ivo Vieira tinha prometido que não vinha para jogar à defesa e que viajava para Inglaterra com os olhos postos numa conquista. E só não foi com uma vantagem de 3-1 para os balneários porque Davidson (42’) fez tudo bem, mas não conseguiu finalizar da melhor forma. No final, é certo que não ganhou, mas a verdade é que ninguém pode dizer que não cumpriu com a sua palavra.
Da segunda parte só reza a parte final inglória para o conjunto português. Lances e substituições aconteceram, mas devido à boa prestação do Vitória, que deixava Emery inquietado no banco de suplentes dos gunners. O espanhol foi obrigado a recorrer a Ceballos (entrou para o lugar de Maitland-Niles) e Guendouzi (substituiu Joe Willock) logo ao intervalo. No entanto, apesar da pressão do Arsenal, os vimaranenses conseguiam criar lances de perigo. E não se encostavam e recuavam demasiado as suas linhas. Antes pelo contrário. Para uma equipa a jogar fora do Afonso Henriques, a linha do meio-campo esteve sempre bem subida, com três a quatro homens depois da linha do meio-campo a pressionar alto.
Para isso muito contribuiu a excelente exibição de André Almeida, de 19 anos. Até ter pernas, foi um dos que mais sobressaiu. E, pelo que demonstrou esta noite, não faltará muito até alguém vir buscar o miúdo que jogou e fez jogar. Seria substituído aos 64’ por Pêpê Rodrigues, que entrou para sacudir a pressão arsenalista que se fazia sentir naquela fase.
Contudo, estávamos perto do minuto 75’. É um minuto fatídico porque é aquele em que entra Nicolas Pépé. Depois, houve tempo para assistir a duas ou três arrancadas ao seu estilo habitual. E para vê-lo marcar dois livres. Dois livrões. Dois tiros de antologia. O primeiro, descaído sobre a esquerda. O segundo, um pouco mais central. O primeiro, Miguel Silva parece tentar adivinhar o lado e deu três a quatro passos que foram fatais antes da marcação do livre. O segundo, já em tempo de compensação, não tinha defesa.
No último jogo disputado pelo Arsenal, em Bramall Lane, casa do recém-promovido Sheffield United, os canhões não dispararam. Nem o canhão marfinense (Pépé), nem o francês (Lacazette), nem o gabonês (Pierre-Emerick Aubameyang). Simplesmente não houve pólvora que fizesse disparar a bola na direção das redes adversárias. Nem mesmo Nicolas Pépé teve destreza suficiente (nesse jogo) na ponta das botas para mandar uma guinada na malapata que teima em vincar o futebol do Arsenal noutra relva que não a do Emirates — falhou uma ocasião clara de golo perto do final, naquele que foi, muito provavelmente, o melhor momento da equipa de Unai Emery no encontro. Ou seja, fora de casa, o Arsenal vacila. (O espanhol não veio alterar esta tendência que já vem dos tempos de Wenger). Esta quinta-feira só não vacilou novamente e em casa porque, enfim, Pépé.
A punição que veio com o segundo tento costa-marfinense foi demasiado dura para aquilo que o Vitória fez no Emirates uma vez que a turma portuguesa produziu uma exibição com vários momentos impressionantes ao longo de todo jogo. E falharam tão somente porque não foram capazes de evitar a derrota no final. A culpa foi de alguma fadiga física e de dois incríveis pontapés livres de Pépé que acabariam por fazer toda a diferença. Os vitorianos que pisaram o só podem sair do Emirates de cabeça a erguida. A resultado não condiz com a exibição e a verdade é que mereciam outro resultado que não este.
Há um artigo na edição desta quinta-feira do desportivo "O Jogo" que espelha bem a diferença entre as equipas e os valores que as suportam. O jornal analisou o valor de todos os jogadores (de acordo com o site especializado Transfermarkt) e concluiu que o plantel do Vitória de Guimarães vale 55 milhões de euros, precisamente o valor exato que o site considera que o médio Lucas Torreira, do Arsenal, vale. Mas hoje, ainda que a estrela maior (Aubameyang) tenha ficado a descansar, não se viu a diferença de armas entre Gunners e conquistadores.
Bitaites e postas de pescada
O que é que é isso, ó meu?
Vítor Garcia, venezuelano e lateral-direito do conjunto vimaranense, portou-se mal aos 58'. A coisa culminou apenas num amarelo, mas podia ter corrido e comprometido a equipa num lance, no mínimo, desnecessário. Porque é normal estar com o sangue à flor da pele. É normal ter dificuldades em correr atrás de Lacazette — venha o primeiro defesa a descrever a situação como sendo "fácil". Porém, não pode perder a cabeça e encostar o peito ao francês só porque este esperneia ou braceja em protestos numa bola dividida. Uma expulsão podia manchar uma exibição segura até àquele momento — já para não falar que foi à entrada da área e podia resultar num lance muito perigoso para a equipa.
Marcus Edwards, a vantagem de ter duas pernas
É inglês, tem 20 anos e é produto das escolas do Tottenham. E de certeza que pôs os olheiros ingleses a tomar notas com alguns apontamentos nesta noite. Numa primeira parte bem mais conseguida do que a segunda, revelou que é um esquerdino talentoso que pode seguir um caminho semelhante a Eric Dier: vem para Portugal para ganhar estaleca e rodagem para depois regressar. Emprestado nas últimas épocas, respetivamente a Norwich e Excelsior, reforçou neste defeso, a título definitivo, o emblema do Castelo. Tem uma cláusula fixada em 15 milhões de euros e neste seu regresso a Londres fez da defesa arsenalista gato sapato, trabalhou bem dentro da área e marcou um golo de belo efeito — neste lance o pé direito poderá ter provado que não serve apenas para subir ao autocarro.
Nicolas Pépé — fica na retina o bom jogador de futebol
Pépé é craque. Daquele tipo de craque que faz eriçar os pelos dos braços cada vez a bola lhe chega ao pé esquerdo. E, infelizmente para a equipa portuguesa, mostrou a razão pela qual o Arsenal não hesitou em pagar 80 milhões de euros pelo seu passe. O internacional pela Costa do Marfim (embora nascido em França), de 24 anos, fez disparar os canhões arsenalistas ao bater dois livres diretos de forma irrepreensível. Ainda se está adaptar à realidade inglesa e à sua nova equipa, mas esta noite salvou o seu treinador e equipa de críticas bem mais ásperas do que as que vão acabar por surgir.
Nem com dois pulmões chegava a essa bola
A defesa do Arsenal bem que colocava dois homens em cima de Davidson, mas o brasileiro é um poço de força, veloz e está munido de técnica suficiente para trabalhar bem quando pressionado. As suas arrancadas pelo flanco esquerdo foram uma constante e, quando reparava que os caminhos começavam a ficar tapados na linha, fazia o movimento diagonal e criava sempre perigo. E se assim foi no primeiro tempo, o mesmo aconteceu no segundo. É a alavanca do ataque do Vitória e foi uma carga de trabalhos que o espanhol — e capitão — Bellerín durante os 90’ testemunhou em primeira mão. O lance do segundo golo dos vimaranenses é o exemplo mais claro do que aqui descrevo.
Menção honrosa
O futebol é o conhecido por ser o beautiful game. Mas só o é verdadeiramente se existir toda a atmosfera que dele advém e que pinta o nosso imaginário sempre que nele pensamos. Porém, para que isso aconteça, é preciso adeptos para galvanizar e apoiar os jogadores. Os cânticos, o ambiente e a paixão vão estimular a finta, o golo, as jogadas. E apoio foi o que não faltou ao Vitória de Guimarães esta noite em Londres, graças aos 2.500 vitorianos que viajaram até ao Emirates. Há jogos da I Liga que não contam semelhantes almas nas suas bancadas despidas. O Vitória levou 2.500 a Inglaterra. O tempo recente está marcado por polémicas, tricas e casos de violência condenáveis no campo desportivo. Mas depois da exibição desta noite seria de mau tom não dedicar um parágrafo aos que empurraram a equipa para frente e se fizeram ouvir durante todo o jogo.
PS: nem o apoio de Mia Khalifa faltou.
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