No dia 21 de maio de 2003, Gonçalo Paciência também estava em Sevilha. Com apenas nove anos, sentava-se nas bancadas do estádio Olímpico de La Cartuja para assistir aquela que seria, aos seus olhos, a primeira vitória europeia do Futebol Clube do Porto. O seu portismo foi herdado do pai, o ponta-de-lança internacional português Domingos Paciência, que vestiu de azul e branco praticamente toda a carreira, e que pendurara as botas dois anos antes, em 2001, precisamente com essa camisola.
Naquele dia, do qual o calor é viva memória, como contou o avançado português à SIC, viu os Dragões derrotarem o Celtic por 3-2, após prolongamento. Os golos de Derlei, que bisou, e Dmitri Alenichev suplantaram o bis de Larsson para a equipa escocesa, sagrando-se o Porto vencedor da Taça UEFA naquele que foi o primeiro de dois anos de glória europeia sob a égide de José Mourinho.
Quis o destino que quase duas décadas depois, Gonçalo voltasse a estar em Sevilha, numa final europeia, diante de um oponente escocês. Desta vez o estádio foi o Ramón Sánchez Pizjuán e o lugar não foi na bancada, mas sim no banco de suplentes, lugar de onde começou e de onde não saiu, excepto para aquecer. Algo que não terá incomodado o português mais do que em qualquer outra situação em que um jogador está privado de saltar para o campo e ajudar a equipa, seja num campeonato, numa taça ou numa peladinha entre amigos. Afinal de contas, do banco e da zona de aquecimento, Paciência vibrou como se estivesse dentro das quatro linhas e na bancada ao mesmo tempo.
Ganhar este jogo não era só importante para Gonçalo inaugurar a prateleira de títulos europeus e somá-los aos campeonatos conquistados pelo Olympiakos em 2016/17 e pelo FC Porto em 2017/18, mas também para "vingar" e dar a felicidade de uma Liga Europa ao pai, que, há precisamente 11 anos, como treinador do Sporting de Braga, viu o troféu fugir para o FC Porto de André Villas-Boas.
Este jogo poderia mesmo ser um dos capítulos mais importantes de um livro sobre a carreira do jovem Paciência, que, ainda no final da época passada, assistia com a camisola do Schalke 04 e na primeira pessoa à descida de divisão de um histórico emblema alemão. Formado no Porto, promessa adiada com o peso da carreira do pai nos ombros, Gonçalo Paciência encontrou a felicidade na Alemanha e aqui coroou-a com um título europeu, o seu primeiro com os pitões das chuteiras no relvado.
O jogo começou com duas equipas iguais a elas próprias. O Frankfurt começou mais perigoso, mas as oportunidades de Kamada, Sow, Knauff ou Kostic não foram felizes, ora perante o azar, ora perante a organização defensiva do Rangers que se fazia notar no último terço através de contra-ataques que se foram tornando cada vez mais perigosos. Ao intervalo, os números diziam que o Frankfurt era mais perigoso e que os escoceses continuavam focados na defesa, mas atentos e à procura da oportunidade de fazer golo.
A segunda parte trouxe os golos que o jogo merecia. Joe Aribo (57') deu ao Rangers a vantagem ao aproveitar uma atrapalhação da defesa do clube alemão e a não falhar diante de Kevin Trapp. Dez minutos depois, o japonês Kamada falhou uma grande oportunidade só com o guarda-redes adversário pela frente, infelicidade que Santos Borré não experienciou dois minutos depois (69'). O avançado colombiano da formação alemã estabeleceu o empate numa resposta a um cruzamento de Kostic.
O jogo chegou aos 90 minutos empatado e com a possibilidade da vitória cair para qualquer lado. O prolongamento teve um Rangers mais atrevido, que conseguiu fazer com que as oportunidades se repartissem de parte a parte. Ficará certamente na memória dos escoceses como pesadelo e na dos alemães como um momento que se conta aos filhos e netos: minuto 119, Roofe cruza rasteiro para Kent, o avançado encontra-se a escassos metros da linha de golo, remata e, com o pé, Trapp adivinha a direção da bola e afasta-a da baliza.
Trapp garantia os penaltis. Moeda ao ar e calha a baliza norte, tingida de azul pelos adeptos do Rangers que se aglomeravam naquele topo. Os três primeiros penaltis são exímios para os dois lados. O quarto dos escoceses foi a exceção, Ramsey, ex-Arsenal, jogador reconhecido tanto pela técnica como pela maldição apregoada pelas redes sociais de que cada vez que marca um golo, uma personalidade conhecida morre, rematou fraco e Trapp adivinhou. Sem dificuldades, defendeu o remate.
Os restantes penaltis foram todos convertidos e a matemática sagrou o Frankfurt campeão da Liga Europa, um troféu que vale também um lugar na Liga dos Campeões da próxima temporada.
O Rangers é assim obrigado a adiar o jogo mais importante da história do clube, como o apelidaram vários adeptos em reportagens de pré-jogo. Não era algo dito de ânimo leve: recorde-se que ainda há 10 anos o clube declarou insolvência e caiu para a quarta divisão da Escócia, sem jogadores.
A última década foi marcada pela recuperação do clube. Depois de em 2016/17 regressar à principal divisão da Escócia, contratar Steven Gerrard e voltar a conquistar o campeonato escocês em 2020/21, este seria o culminar de uma história de superação onde adeptos e lendas do clube se juntaram para nunca deixar o Rangers, o clube com mais títulos de campeão nacional, morrer.
Aqui, havia uma oportunidade para fazer esquecer os anos mais negros da história do clube, vingar a final da Taça UEFA de 2008 perdida para o Zenit. Adicionar um título europeu à Taça das Taças de 1971/72 era o maior feito possível.
Mas aqui havia outra epopeia, a de Paciência, vista do óculo português, e a da prestação dos adeptos alemães que estiveram ao nível da equipa e que sem dúvida ajudaram na eliminação do Bétis de Sevilha, FC Barcelona e West Ham. As imagens de Camp Nou repleta de alemães só correm o risco de ser esquecidas por as desta noite do estádio do Eintracht Frankfurt cheio como nunca esteve, com os adeptos a juntarem-se para, à distância, apoiarem a equipa.
Em Portugal estas imagens vão ecoar ao lado das euforias de Paciência. Se, depois do golo, o seu grito se tornou viral nas redes sociais, no final, um vídeo do clube alemão, mostra toda a emoção do português no exato momento em que o clube se torna campeão.
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