Um encontro fortuito com Nuno Pinto Magalhães, pai de Francisco Pinto Magalhães, jogador de regresso aos lobos após oito anos de ausência, deu azo à pergunta que se impunha: até que idade irá jogar o descendente de 38 anos e se, de alguma forma, a inesperada chamada à seleção portuguesa adiaria a reforma.

A resposta paterna surgiu suportada num encolher de ombros. “Pelo menos há três ou quatro anos diz que é este ano, mas diz também que se sente bem, adora treinar todos os dias e que necessita disto”, deixou escapar num comentário acompanhado de um característico sorriso fácil.

“Tenho dito que é 'este ano', mas acabo sempre por fazer mais um”, soltou Francisco Pinto Magalhães, praticante da modalidade desde os cinco anos e fiel seguidor de um legado familiar ligado à bola oval, ou não tivesse o avô paterno, Vasco Pinto Magalhães, sido uma das mais proeminentes figuras da modalidade e do desporto nacional.

O ano de 2025 ficará, sem sombra de dúvida, na memória de Pinto Magalhães, antigo capitão da seleção nacional de râguebi, entre 2016 e 2017.

As exibições do veterano médio formação ao serviço do clube, CDUL, no apuramento para a fase final da Divisão de Honra, não passaram despercebidas a Simon Mannix, selecionador de Portugal.

“Não estava à espera desta chamada”, confessou. “O Tomás (Appleton, capitão dos lobos e colega de clube) já tinha falado comigo, falei com o Simon, gostei de o ouvir e aceitei”, resume a fórmula, sem recurso a magia, de como regressou à seleção portuguesa, oito anos após ter passado o testemunho da braçadeira de capitão a Tomás Appleton e de se ter despedido dos lobos sem ter disputado um campeonato do mundo.

O regresso não foi alheio ao receio dos responsáveis máximos da seleção de um eventual castigo a Samuel Marques, em França, após conduta imprópria durante a entrega dos prémios anuais da Liga francesa e das dúvidas em relação à lesão sofrida pelo lusodescendente, bem como à necessidade de os 23 terem um peso da experiência na equipa nesta posição fulcral em campo.

A treinar no CAR Jamor, Oeiras, desde meados de janeiro integrado no alargado lote de 56 jogadores colocados à disposição de Simon Mannix, no passado dia 1, “Kiko” Pinto Magalhães entrou aos 72 minutos (substitui Samuel Marques), diante a Bélgica, no estádio do Restelo, Lisboa, partida inaugural do Rugby Europe Championship 2025, torneio europeu anual de apuramento para Mundial da Austrália 2027.

“Sinto-me bem. Obviamente que sentir-me bem e estar em forma foi um plus para aceitar, porque se não tivesse a capacidade não aceitaria”, sublinhou o jogador colocado na lista dos 23 convocados para o encontro com a Alemanha, este domingo (17h15), no Restelo, partida que pode já selar o apuramento para a Austrália.

BI Francisco Pinto Magalhães

Idade: 38 anos, 5 de novembro de 1986

Internacionalizações: 43

Estreia: fevereiro de 2008, Geórgia-Portugal (31-3), Tbilisi, Seis Nações “B”

Último jogo: Brasil-Portugal (25-21), 10 de junho 2017, Pacaembu, São Paulo

Clube: CDUL

Altura: 1,74 cm

Peso: 76 kg

Pinto Magalhães está ciente que empresta uma dose de experiência numa altura em que está em jogo a qualificação direta de Portugal para o campeonato do mundo, o que, a acontecer, será a terceira vez no historial e uma inédita segunda qualificação consecutiva.

Recorde-se que o caminho para a Austrália2027 fica fechado este ano no REC 2025, torneio regional anual de oito equipas e de cujos três jogos da fase de grupos resultam já o apuramento direto de quatro seleções europeias e cujas finais da prova abrem ainda a possibilidade a uma quinta disputar a repescagem, em novembro.

Capitão em tempos de estagnação

O tempo passado da primeira longa passagem pela seleção nacional de râguebi, quase uma década, vive ainda presentemente na cabeça de Pinto Magalhães, jogador que nunca disputou uma fase final de um mundial, nem esteve nem de perto, nem de longe, nas cogitações do anterior selecionador, Patrice Lagisquet, responsável por ter levado os lobos ao França2023.

Apanhou o comboio da seleção portuguesa nos despojos do Mundial 2007 e permaneceu entre os selecionados e convocados até 2017. Recordou esse tempo.

“Houve alguma estagnação, não houve muito progresso, mas também não havia um projeto a longo prazo, nem objetivos explícitos”, disse, ao reviver o conturbado período do râguebi português, com mudanças de selecionadores (Tomás Morais, Errol Brain e Frederico Sousa) a culminar na descida ao Trophy, 3.ª divisão europeia.

Em paralelo, o infortúnio placou-o. “Tive uma lesão no joelho, fui operado e depois foi muito difícil voltar àquele ritmo onde andei durante nove anos”, assumiu. “Estive quatro meses parado em recuperação, comecei a ter uma vida mais normal, a treinar só no clube, a ter mais tempo para mim, poder viajar e estar com os meus amigos” relembrou. “E depois foi muito difícil voltar àquele registo”.

“O Martim (Aguiar, selecionador entre 2017-2019 que recolocou Portugal no Seis Nações “B”) ainda me ligou para saber se estava disponível. Mas na minha cabeça, mentalmente, psicologicamente, não estava preparado para assumir aquele compromisso”, recordou.

De repetente, oito anos depois, mudou de opinião e de estado de alma. “Agora sinto que estou em forma, mais experiente, tenho outras coisas para dar também e voltei com o objetivo de pôr a pressão na malta mais nova”, sintetizou.

O regresso na era do profissionalismo

Estreia feita ao lado de uma geração de ouro do râguebi nacional que levou o país ao França2007, lote a enfrentar a veterania nessa altura, o médio formação depara-se, agora, com os baby boomers, jogadores nascidos à boleia dos feitos da tal geração.

Entra, ao de leve, num jogo das comparações pessoais. “A única comparação que posso fazer é ver a paixão e a alegria de estar a representar Portugal”, reconheceu. Em relação ao que se jogava e se joga, “não tem nada a ver”, anotou.

Abre o campo das análises a quem jogou e joga a seu lado. Começa pelo lado micro, pelos jogadores. “Os miúdos mais novos, neste momento, são todos profissionais, jogam em França, o Simão Bento, o Marta ou o José Madeira. Há também alguns a jogar em Portugal, o José Lima (Benfica) é profissional”, identificou.

Prossegue na análise macro. “Acho que há uma grande diferença. Antes, eram amadores e juntavam-se para treinar e jogar contra a Geórgia, Roménia, Rússia, etc, e, neste momento, o râguebi é muito mais profissional a nível da seleção do que era antes”.

Uma das grandes diferenças prende-se com a entourage à volta dos lobos. “Há toda uma equipa, toda uma preparação, todo um trabalho feito atrás das câmaras e por detrás do jogo. E é a forma como se preparam os jogos e os treinos para chegarmos ao fim de semana com a lição sempre bem estudada, há sempre uma preocupação e há várias pessoas a trabalhar por causa da equipa”, analisou.

“E até um melhor... não diria compromisso, porque todos tiveram compromisso. O compromisso é sempre o mesmo. Mas um olhar diferente, o foco, o drive que têm é completamente diferente”, ressalvou. “Os miúdos de 20 anos, os miúdos de hoje, já são homens praticamente, ainda têm alguma coisa a aprender, sim, mas em termos de mentalidade e preparação física e mental, já não se pode comparar”, referiu.

“A evolução do jogo também obrigou os jogadores a prepararem-se melhor. O jogo evoluiu de tal maneira, está mais rápido, mais físico, mais bem preparado, a pressão também é maior, as defesas estão mais sólidas, por isso a preparação e a mentalidade têm de lá estar, senão há o risco de se magoarem”, identificou.

Vencer para a história e pelo râguebi português

Para remate final de conversa deixa um recado interno e externo nas vésperas do encontro com a Alemanha, embate que, em caso de vitória, carimba imediatamente o passaporte para o campeonato do mundo a realizar no Hemisfério Sul, em 2027.

“Sabemos qual é o objetivo, está bem claro: é apurarmo-nos para o Mundial e fazer história”, sublinhou Francisco Pinto Magalhães.

“Sorte a nossa que esta fase de apuramento (decidido numa fase de grupos de apenas três jornadas para determinar as quatro seleções apuradas diretamente) é relativamente mais fácil, apenas temos de ganhar dois destes primeiros três jogos”, analisou.

Riscada a Bélgica, segue-se Alemanha (domingo) e Roménia (dia 15). “A equipa está confiante, sabemos qual é o objetivo, que é garantir o apuramento e estar presente em dois mundiais seguidos, o que nunca aconteceu. Estivemos em 2007 e em 2023. É importantíssimo para o râguebi português”, afirmou.