A conversa tem início ligeiramente depois da hora marcada. Chegado à sua sede de campanha em Belém, João Noronha Lopes explica o atraso com o vaivém constante que tem protagonizado entre as casas do Benfica espalhadas pelo país, um ponto de honra que defende na sua candidatura, descrita por si como "em crescendo, com uma dinâmica cada vez maior".
Tido como um outsider nestas eleições aos órgãos sociais do Sport Lisboa e Benfica — apesar de já ter tido cargos de dirigente no clube há quase duas décadas — o candidato da Lista B não se deixa intimidar pela concorrência e defende ser concorrente em melhores condições para assumir as lides do clube. Apesar de respeitar o trabalho efetuado sob a liderança de Luís Filipe Vieira desde 2003, Noronha Lopes considera a sua gestão esgotada e desnorteada e teme que o Benfica perca o comboio europeu com a atual direção.
"Por isso é que digo que o Benfica não pode esperar mais, tem de mudar agora, porque Luís Filipe Vieira demonstrou nos últimos quatro anos que não tem capacidade para fazer crescer o clube internacionalmente", defenderá às tantas durante esta entrevista ao SAPO24, tida antes do anúncio do Governo de proibir a circulação entre concelhos de 30 de outubro a 3 de novembro, pelo que não foi abordada a decisão da Mesa da Assembleia Geral do Benfica de antecipar as eleições de dia 30 para dia 28.
A sua primeira experiência no Benfica deu-se enquanto vice-presidente de Manuel Vilarinho nas eleições de 2000, numa candidatura encarada como que "para salvar o clube" da direção de João Vale e Azevedo. O que é o move desta vez?
A necessidade de mudança. Tivemos 17 anos de Vieira. Eu reconheço aquilo que de positivo foi feito nesse tempo, mas o que está em discussão nestas eleições é o que foi feito no último mandato. O que foi revelado nesse período é que há um tipo de liderança e de gestão que não só não nos traz resultados desportivos, como inclusivamente está focado noutros assuntos que nada têm a ver com futebol. Portanto, há uma necessidade de abrir uma nova página no futebol do Benfica, que não fale apenas do passado, mas que reconheça o passado e projete o futuro.
Quanto a esse futuro, uma das críticas que tem feito repetidamente à atual direção do Benfica e à candidatura que a corporiza é justamente a ausência de novas ideias para o futuro do clube. E as suas, quais são?
Tenho um programa com quase 90 medidas e que gira à volta de cinco eixos fundamentais. O primeiro é a estrutura profissional para o futebol, nomeadamente em termos de organização, de competência, de hierarquia e de definição clara de cada uma das funções da área. O segundo tem a ver com a promoção do ecletismo, com uma nova organização para as modalidades e uma estrutura que vai desde a formação às equipas de cada uma das modalidades e à sua comunicação, completamente diferente da atual. Em terceiro lugar, voltar a colocar os sócios no centro da vida do clube. Em quarto lugar, a importância de introduzir mais transparência. E em quinto lugar, a internacionalização da marca e a oportunidade de expansão digital que o clube tem.
Pode dar exemplos práticos do que pretende fazer?
No futebol, a minha visão é diferente da atual. Eu quero criar uma estrutura que esteja ancorada num diretor desportivo, ou seja, que garanta a identidade do futebol e que congregue todas as suas diferentes áreas: formação, scouting e planeamento internacional, que inclui aqui um aspeto muito importante das parcerias com outros clubes para rodagem e para introduzir competitividade a jogadores que possam evoluir para os sub-23. Portanto, é uma estrutura diferente da atual e passa também por uma ideia de projetar o Benfica além de Portugal e também no futuro. Esta organização é muito à imagem da que existe nos clubes europeus de topo. Já relativamente ao ecletismo, vou ter um vice-presidente para as modalidades, e não dois como agora ocorre, e vou introduzir a figura de um diretor-geral, que esteja muito mais próximo das modalidades e dos team-managers e que tenha também competências de gestão para que possa avaliar muito melhor o orçamento de cada uma delas e a sua evolução em função dos resultados, assim como da sua capacidade de formação, de crescimento e da qualidade de cada um dos projetos. Na minha proposta de alteração dos estatutos, proponho inclusivamente que o orçamento para cada uma das modalidades seja discriminado para que os sócios saibam quanto é que se gasta em cada uma.
E o que quer dizer com "voltar a colocar os sócios no centro da vida do clube"?
Proponho algumas medidas que se destinam a aumentar o número de sócios, mas é importante não apenas angariar, mas fidelizar os sócios. Isso passa pela figura do sócio angariador que quero criar, para que quem angaria sócios para o clube tenha determinado tipo de benefícios que durem um certo tempo enquanto o novo sócio se manter fiel. Outra proposta, e dando acolhimento até a uma das sugestões do movimento Servir o Benfica, quero que 25% do valor da quota de cada sócio que seja angariado por uma casa do Benfica fique nesse espaço. E proponho, por outro lado, que melhoremos bastante a experiência do dia de jogo dos sócios e dos simpatizantes.
"Vou propor a limitação do mandato do presidente para três mandatos"
De que forma?
Acho que a experiência atual é muito pobre e temos de transformar uma experiência que dura duas horas para que se prolongue o mais possível durante o dia. Por isso é que pretendo a criação de uma fanzone 2.0, é uma área na qual tenho experiência porque a empresa onde trabalhei fez várias zonas do adepto deste tipo em grandes competições, como os campeonatos da Europa e do Mundo. O que se quer aqui é uma zona de entretenimento para os sócios e para o adepto que seja moderna, que tenha a presença de antigas glórias do clube, com uma componente digital de realidade virtual e que tenha uma zona de merendas e informações sobre as modalidades para que os sócios possam assistir às mesmas antes ou depois do jogo. Nestas zonas queremos contar com a participação das casas do Benfica também. Neste momento há uma série de despesas dos sócios que são gastas nos centros comerciais ou nos restaurantes fora do perímetro do estádio e, ao agregar tudo no mesmo sítio, não só estamos a criar um momento de maior benfiquismo, como a melhorar a experiência de quem vem de fora e a gerar mais receitas para o clube.
Tocando nessa questão dos adeptos, existe atualmente uma tensão entre a ideia de um clube virado para os sócios e de proximidade local e um clube enquanto “marca”, projetando-se internacionalmente e almejando sucesso comercial. Considera estas duas tendências compatíveis num clube como o Benfica?
Perfeitamente, têm de o ser. O Benfica não pode deixar de ser olhado como um clube dos sócios, que são os seus verdadeiros donos, mas pode associar a isso uma lógica empresarial. O problema é quando se perde a noção do equilíbrio. Quando se olha para o clube apenas como uma empresa, tem de se perceber que estamos perante uma Sociedade Anónima Desportiva que, tendo estas características, tem de ter contas certas — e eu sei daquilo que falo, porque sou gestor —, mas essas têm de ser instrumentais para o sucesso desportivo. Portanto, as duas realidades são perfeitamente compatíveis, tem é de se ter noção desse equilíbrio. Se tal acontecer, conseguimos manter um clube genuíno como o Benfica, que fica nas mãos dos sócios — aliás, quando for presidente, a maioria do capital da SAD ficará sempre nas mãos do clube — mas introduzir também aqui aspetos de modernidade, com uma estrutura clara e com uma visão de futuro que faça com que o clube possa ganhar mais fora e, com isso, equilibrar a sustentabilidade financeira com as vitórias internacionais.
Esse equilíbrio de que fala, entre sucesso desportivo e financeiro, tem também sido uma das críticas que tem lançado a esta direção por dizer que se foca mais no segundo e menos no primeiro. Olhando para o Benfica em 2020, como é que se equilibram os dois? E o que faria de diferente em termos de gestão?
Desde logo teria a tal estrutura desportiva diferente, ancorada num diretor desportivo que supervisionaria todas as áreas do futebol, em ligação com o presidente e com o seu treinador. E teria também uma visão para o futuro do Benfica, que não pode acabar em Portugal, tem de ser europeu. Agora, para isso não basta proclamá-lo e fazer o seu contrário, que é o que tem acontecido nos últimos quatro anos. Aliás, vendemos os nossos grandes jogadores e não fomos buscar outros para os substituir. Quando for presidente, obviamente que continuarei a apostar na formação, que é fundamental, mas essa aposta tem de ser complementada com a aquisição cirúrgica de jogadores e que complemente a formação. Temos de continuar a formar, e a formação do Benfica é inegavelmente algo de muito positivo que temos, mas é preciso saber quando é necessário complementar isso com jogadores que venham de fora, com a experiência requerida para poder chegar mais longe na Europa. Temos tido pouco critério na compra de jogadores — gastámos 16 milhões de euros nos últimos três anos e meio em atletas que nunca vestiram a camisola do Benfica — e é aí que a área de ciência de dados de que falo no meu programa pode ser muito importante para ajudar na escolha. Porque não basta trazer jogadores que tenham apenas talento, é preciso que se enquadrem dentro da identidade do Benfica, do perfil que o treinador pretende, do modo como a equipa normalmente joga e também dentro da realidade do nosso país e da nossa sociedade. Tudo isso permite criar um perfil de jogador a partir do qual o treinador pode escolher depois de ser feito esse filtro pela área do scouting, que também é uma área que, na minha opinião, deve ser reforçada, principalmente na sua vertente internacional.
Voltando ao que estava a dizer quanto a esta gestão entre os resultados e a aposta no Seixal, vimos neste último ano uma espécie de viragem de 180 graus, passando de um treinador mais focado na formação — Bruno Lage — para Jorge Jesus, um técnico com créditos firmados mas que normalmente aposta num perfil de jogador já feito. Como geriria este dossier?
De uma maneira completamente diferente. Porque aquilo que Luís Filipe Vieira nos veio dizer há pouco tempo é que desde março que fala com Jorge Jesus, ou seja, quando ainda Bruno Lage era treinador. Pergunto que condições tem um técnico como Lage, quando sabe obviamente que o atual presidente está a falar com outro treinador. Numa altura crucial da época, em que tínhamos tudo para ganhar o campeonato, o presidente não só já está a falar com outro treinador, como a mensagem que passa para o balneário nessa altura é de que pode vender jogadores, porque um vale 60 milhões e dois que podem valer 100 milhões de euros. A mensagem que devia ter sido passada de cima para baixo, de ambição, de que tínhamos de ganhar o campeonato, foi substituída por uma de que não é preciso ganhar, de que é preciso é vender. Os resultados estão à vista.
O que está a dizer, portanto, é de que se assumiu de que a época estava perdida de certa forma e de que se procurou capitalizá-la financeiramente para projetar a seguinte?
Eu acho que a abordagem a esta época revela exatamente a mesma desorientação e a mesma falta de rumo que tem existido na gestão profissional do Benfica. Passámos do 8 para o 80 sem qualquer explicação do presidente. Tínhamos um treinador que nunca voltaria e voltou. Tínhamos Bruno Lage a quem renovámos contrato e com quem contaríamos por muitos anos. Tínhamos uma aposta na formação que seria para durar, teríamos 15 jogadores do Seixal que poderiam ser titulares na equipa principal do Benfica e hoje em dia não temos um. O que aconteceu nessa altura foi mais um sintoma de desorientação do Benfica.
Mudando ligeiramente o tema, desde que fez parte da direção do Benfica, acumulou vários lugares de chefia empresariais. Acha que isso o deixa mais bem preparado?
Eu julgo que sim. Repare, eu tenho passado no Benfica enquanto dirigente desportivo numa altura muito difícil na vida do clube, em que era importante resgatá-lo para os sócios porque estava prestes a deixar de lhes pertencer, e eu tenho um percurso de gestor de 20 anos. Geri em Portugal, na Europa, nos EUA, mas nunca fui um gestor de gabinetes, foi sempre no terreno e à volta do mundo. Isso deu-me uma grande experiência para enfrentar situações difíceis e inesperadas e para gerir pessoas muito complicadas. Neste momento, considero-me completamente preparado para gerir o Sport Lisboa e Benfica.
"Enquanto Pinto da Costa for presidente do Porto, será impossível reatar relações institucionais, pois ele representa uma cultura de confronto, de ódio, que foi instalada no futebol português"
Essa questão de lidar com pessoas com proximidade. Acha que isso ajuda a desmistificar aquela ideia que lhe atribuem de que tem menos experiência no futebol e que esta é uma área aparte que precisa de intervenientes habituados às suas lides, para o bem e para o mal?
O meu modelo de presidente não é Pinto da Costa. Esse é o modelo de presidente de Luís Filipe Vieira. Para mim, Pinto da Costa representa o passado do futebol português, que precisa de uma nova geração que traga competitividade, modernidade e, principalmente, muita gente de volta aos estádios. Eu estou muito bem preparado para gerir no futebol português, porque nenhuma das situações que aí vá encontrar será mais difícil das que tive de resolver na minha vida profissional pelo mundo. Sei quem é que está comigo, sei quem está do outro lado e sei bem aquilo que terei de fazer para defender intransigentemente os interesses do clube.
Falando em Pinto da Costa. Sendo presidente, que relação planeia ter com os seus rivais?
Eu tenho o maior respeito pela instituição Futebol Clube do Porto e pelos seus adeptos. O Benfica, como qualquer outro clube, no seio de uma liga, terá de participar e resolver problemas que são comuns ao futebol português com todos os clubes. Agora, enquanto Pinto da Costa for presidente do Porto, será impossível reatar relações institucionais, pois ele representa uma cultura de confronto, de ódio, que foi instalada no futebol português. Representa os interesses instalados, a falta de transparência, tudo questões contra as quais me bato nesta candidatura.
Essa questão da transparência tem sido abordada pela sua campanha. O que pretende fazer para mudar o atual estado de coisas?
Tenho várias ideias, que, aliás, incluo no meu programa. Tenho um projeto muito completo da elaboração dos estatutos em que, por exemplo, vou propor a limitação do mandato do presidente para três mandatos. Pretendo também propor a criação de uma comissão de ética e transparência à qual entregarei a minha declaração de rendimentos e interesses patrimoniais durante todo o mandato. Quero criar regras claras relativamente à contratação de bens e serviços pelo próprio clube e instituir um código de conduta para evitar conflitos de interesse entre membros dos órgãos sociais, funcionários e investidores. Planeio também ter um plano de ação para o futuro que dê concretização ao programa e que esteja disponível no site do clube. Este terá as medidas que vão dar cumprimento ao programa para que os sócios vão avaliando aquilo que é feito e para que, daqui a quatro anos, não se esqueçam do que foi prometido. Ou seja, total transparência relativamente a isto.
Ainda a propósito da sua disposição para liderar o Benfica, veio a público que se encontrou com Luís Filipe Vieira antes de apresentar a sua candidatura e que o atual presidente do Benfica convidou-o para a sua lista, o que recusou. Acredita que Vieira procurou anulá-lo como ameaça?
Cada pessoa fará a interpretação que quiser. Eu devo dizer que só falei desse assunto a partir do momento que veio a público e em que Luís Filipe Vieira disse algo que não corresponde à verdade. Portanto, eu vi-me na obrigação de repô-la. Eu não aceitei ser membro da lista de Luís Filipe Vieira exatamente pelas mesmas razões que me levam a candidatar e disse-lho, olhos nos olhos. Todos os eixos da minha candidatura não os vejo na de Vieira. Aliás, deixe-me que adicione que Vieira não acrescentou nenhuma ideia nova àquilo que é o futuro do Benfica. Fala do passado, diz que está tudo bem e que é preciso pouco mudar.
Mudando da lista do presidente do Benfica para a sua, qual foi o critério para a sua composição?
Foi de pessoas que têm uma visão de longo prazo para o clube, que têm ambição e disponibilidade e que estão unidas pelo mesmo sentido de benfiquismo. Na minha lista não há pessoas com agendas próprias, não fui buscá-las porque podiam ser meus opositores ou porque tinham outras ideias para o Benfica. Todos estamos unidos pela mesma ideia e pelo mesmo objetivo, e todos achamos que é altura de virar uma página. Há aqui uma mudança de geração, se quiser, e que é traduzida numa lista diversificada. Temos pessoas das mais variadas áreas, competentes e com grande energia, que vão dedicar-se ao clube de alma e coração e que querem trazer algo de novo ao Sport Lisboa e Benfica.
Apesar de dizer que não procurou absorver opositores, houve uma ação de convergência durante a campanha, nomeadamente quando a lista do movimento Servir o Benfica se juntou à sua. Como se deu essa ligação?
Nós já conversávamos com o movimento Servir o Benfica há alguns meses e desde sempre houve uma identidade daquilo que se pensava sobre o futuro do Benfica. Portanto, esta junção acabou por acontecer naturalmente com pessoas que partilhavam aquilo que deve ser o rumo do clube.
Tem criticado a recusa de Luís Filipe Vieira prestar-se a debates com os outros candidatos, mas também não tem participado em conversas conjuntas com os mesmos. A que se deve este posicionamento?
Fazer debates sem Luís Filipe Vieira é estar a fazer-lhe um favor. Eu não estou nestas eleições para ser o primeiro dos segundos. O meu grande objetivo nestas eleições é derrotar Luís Filipe Vieira e, para isso, temos de ter debates com o candidato presidente. Se me permite, volto a insistir, a recusa de debater por parte de Vieira é uma falta de consideração pelos sócios, não é pelos outros candidatos. Porque se existe obra, se existe projeto ou se há uma mudança drástica do mesmo, o presidente devia vir debatê-lo com os outros candidatos para que os sócios possam fazer a sua escolha.
O que vejo neste momento é que sou atacado tanto pelo presidente como por parte da oposição, isso quer dizer alguma coisa. Quer dizer que, neste momento, sou a única alternativa credível a Luís Filipe Vieira
Durante a campanha, tem sido alvo de diversas críticas, veiculadas tanto na comunicação social como em fóruns benfiquistas e nas redes sociais, como o facto de aparecer de repente na realidade do clube depois de se manter mais ausente ou a acusação de copiar ideias de outras listas. Como reage a estas acusações?
Eu não apareci do nada, já tenho um passado no dirigismo desportivo, vivi fora durante muitos anos e, quando voltei para Portugal, considerando ter disponibilidade e tempo, julgando ter experiência que possa acrescentar ao meu clube e ser-lhe útil, e achando que aquilo que se está a passar tem de mudar, foram essas as razões que me levaram a avançar. Tudo o resto que se diz são teorias da conspiração de quem não me pode atacar por outras razões. Construí a minha carreira a pulso, nunca precisei dos favores de ninguém nem nunca fiz fretes, não tenho dívidas nem faço parte de sociedades secretas, e, portanto, tudo aquilo que sou, fi-lo de uma maneira transparente e clara e orgulho-me disso. Ando de cabeça erguida.
De resto, estas críticas fazem parte de um tom crispado que tem sido uma constante durante a campanha. Teme que isto possa levar a um extremar de posições que crie um clima de guerrilha interna como já aconteceu noutros clubes?
Não será, com certeza, a partir do meu lado. O que vejo neste momento é que sou atacado tanto pelo presidente como por parte da oposição, isso quer dizer alguma coisa. Quer dizer que, neste momento, sou a única alternativa credível a Luís Filipe Vieira, com uma equipa muito competente, com um programa que foi por ela trabalhado. Estivemos a trabalhar em todos os cenários económico-financeiros para o clube e estamos preparados para pegar no Benfica no dia seguinte ao das eleições, garantindo estabilidade total.
"Perdemos o penta e o campeonato no ano passado exactamente porque perdemos esse equilíbrio, porque estivemos focados só em números e não em vitórias, e isso não pode acontecer num clube como o Benfica"
Tem algum plano para contrapor os piores efeitos que a pandemia possa criar nas contas do Benfica?
Sim, esse é um dos cenários que estudámos. Vai ter de haver uma gestão muito criteriosa dos nossos recursos, até porque acabámos de gastar quase 100 milhões de euros em jogadores. Mas isto vai depender da maneira como se forem desenrolando vários cenários. Se o público for progressivamente voltando ao estádio, isso já cria uma situação melhor. Se os jogos não pararem, obviamente que a situação será outra, assim como se os patrocinadores continuarem connosco porque os jogos continuam a decorrer. Isto tem de ir sendo avaliado de acordo com estas variáveis, e nós estamos preparados para lidar com cada uma delas.
Mesmo num cenário de agravamento em que o campeonato volte a ter de parar?
Estamos preparados para todos os cenários. É nessas situações de dificuldade que tem de haver boas equipas e boa capacidade de gestão por quem já passou por situações semelhantes.
Um dos grandes temas do futebol contemporâneo é o fosso que se está a criar entre os tubarões europeus e os restantes clubes. Qual pensa ser a solução para esta questão?
A solução passa por criar condições para termos mais sucesso desportivo. Obviamente que a sustentabilidade financeira é importante e houve um trabalho positivo feito nesse sentido e que já elogiei, mas perdeu-se a noção de que essa sustentabilidade tem de servir para termos melhores resultados. Perdemos o penta e o campeonato no ano passado exatamente porque perdemos esse equilíbrio, porque estivemos focados só em números e não em vitórias, e isso não pode acontecer num clube como o Benfica. Se tivéssemos gasto um terço do que gastámos neste ano, tínhamos sido campeões em ambas as ocasiões. Este ano despendeu-se quase 100 milhões de euros em jogadores apenas porque havia eleições, o que quer dizer que não há um projeto desportivo para o Benfica, há um projeto eleitoral a dois anos, que é a duração do contrato do atual treinador.
E como solucionar a falta de liquidez?
Vamos olhar para as contas. O Benfica tem cerca de 140 milhões de euros — isto de acordo com o último Relatório e Contas — de receitas operacionais. Estas não são suficientes porque gastamos mais do que recebemos. Há vários modos de tentar resolver esta situação: ou vendemos muitos jogadores, ou tentamos criar condições para não vender assim tantos ao ter mais sucesso internacional, nomeadamente indo mais longe na Champions e angariando mais receitas, valorizando assim um plantel profissional e criando mais receitas de merchandising. Este é que tem sido o grande erro estratégico do Benfica. É que temos uma estrutura pronta para operacionalizar as receitas de merchandising lá fora, mas se não tivemos sucesso desportivo, esta estrutura não estará a carburar como devia, porque ninguém vai comprar camisolas de um clube que não tem vitórias internacionais. Eu fui emigrante, vivi em vários países, sei que ninguém, a não ser que seja sócio de um clube, vai comprar camisolas de equipas que não estão presentes para além da fase de grupos [da Liga dos Campeões] ou que nem sequer são apurados e que não são visíveis internacionalmente. E existe aqui também algo que faria de diferente em relação a Luís Filipe Vieira.
O quê?
Há que perceber a importância estratégica daquilo que se está a jogar no futebol internacional. Nós aí vamos ter, ou uma Liga dos Campeões de acesso cada vez mais restrito, ou eventualmente até uma super liga europeia. O Benfica é o único clube que estaria em condições de estar nessa competição, pela sua dimensão, situação financeira e prestígio. Agora, perdemos três anos em que fomos completamente invisíveis do ponto de vista desportivo internacional e corremos o risco de perder esse comboio, que já saiu da estação. Por isso é que digo que o Benfica não pode esperar mais, tem de mudar agora, porque Luís Filipe Vieira demonstrou nos últimos quatro anos que não tem capacidade para fazer crescer o clube internacionalmente. Não só falhou dois campeonatos em três, como não atingiu o grande objetivo desta época que era estar na Champions. Isso é que nos afasta da Europa; pode proclamar o que quiser, mas não nos consegue levar mais longe.
A realidade europeia do Benfica é bem conhecida, mas esta é também uma questão sistémica. Campeonatos como o português, o holandês ou mesmo o francês são mais vistos como exportadores do que retentores de talento e vemos o fosso a aumentar para ligas como a inglesa ou a espanhola e para o crescimento dos super clubes. A solução não passa também por um esforço concertado junto das instâncias do futebol português?
Também passa obviamente por tentar aumentar a competitividade dentro do futebol português e há várias medidas a fazer nesse sentido. Agora, vejamos uma coisa. O Benfica, em termos de receitas, nunca se pode comparar a tubarões como o Manchester United, Real Madrid ou Bayern. Mas se o fizermos com clubes com níveis de receitas totais parecidas com as nossas, vemos que é possível fazer mais e melhor em termos de sucesso desportivo. Alguns desses clubes, inclusivamente, estiveram recentemente em Lisboa na fase final da Liga dos Campeões. Mas para isso é preciso haver uma estrutura desportiva profissional, com as pessoas certas nos lugares certos.
Fala de casos como os da Atalanta ou do Lyon?
Sim, ou do Sevilha, por exemplo. Há vários exemplos e são até clubes que não têm nem a grandeza, nem o número de sócios, nem o passado histórico, nem o potencial internacional em termos de dinamização da marca, mas que, com uma melhor gestão desportiva, têm chegado muito mais longe do que o Benfica.
Foi escrito um perfil sobre si que o descreve como um “evangelizador de benfiquismo”. Crê que conseguirá evangelizar os sócios a votar em si no dia 30?
Eu espero principalmente que os sócios vão votar, isso é que é o mais importante. Eu gostava que estas eleições fossem as eleições mais concorridas de sempre da história do Sport Lisboa e Benfica. Aquilo que noto hoje em dia, depois de ter andado norte a sul pelas casas [do Benfica] do país, de me ter reunido e falado com muitos benfiquistas, é de que a minha candidatura está em crescendo, com uma dinâmica cada vez maior.
Em que sentido?
Nós temos aqui alguns dados interessantes. Temos mais de 900 voluntários de campanha, mais de 100 mil vistas ao site da candidatura, 2.2 milhões de interações nas redes sociais. Portanto, temos chegado a muita gente digitalmente através dos nossos voluntários e procuramos chegar a muita gente através do contacto diário, nomeadamente nas casas [do Benfica].
Mas quanto a essa presença digital — e isto até é uma questão extra-futebol, já atingiu a própria política —, não teme que haja uma disparidade entre esse engajamento online e o aproveitamento nas urnas? Especialmente tendo em conta que, à semelhança de outros clubes, no Benfica há uma diferença no número de votos disponíveis aos sócios mais velhos.
Nós estamos a chegar a muitos sócios do Benfica, das mais variadas maneiras. Obviamente que vamos continuar a apostar nas plataformas online, até porque estamos numa situação, como sabe, de cautela em termos de saúde pública, mas vamos continuar a nossa campanha porta-a-porta nas casas [do Benfica], através dos voluntários. Mas quanto às redes sociais, nós temos um programa inteiro que tem bastantes medidas relativamente àquilo que tem de ser potenciar a marca internacionalmente e aquilo que podemos fazer mais a nível digital. Por exemplo, propomos criar a figura do adepto digital e acho que temos muito trabalho a fazer ao nível das redes sociais do clube. O Ajax tem cerca de três vezes mais seguidores no Instagram e no YouTube do que o Benfica, que tem potencial para fazer muito melhor do que isto, considerando a sua realidade em Portugal e também fora do país, como nos PALOPs e na nossa diáspora. Acho que temos um potencial não aproveitado de gerar conteúdos e de negociá-los com plataformas de streaming, como a Amazon e a Netflix, por exemplo. Isso não foi explorado. Obviamente que, para que estes conteúdos tenham um determinado valor, é importante que o Benfica tenha sucesso desportivo. Quanto mais tiver, mais valor terá a sua marca. Tudo no fundo vem radicar ao que tenho dito, ou seja, o sucesso desportivo é que tem de ser a locomotiva para tudo aquilo que se segue. Enquanto não for assim, só nos resta uma alternativa, que é ir vendendo jogadores mais do que quereríamos.
"nós estamos preparados. Depois de Vieira não virá o caos"
Qual é o horizonte da sua candidatura? 30 de outubro de 2020? Ou vê a possibilidade de concorrer daqui a quatro anos?
O meu horizonte é ganhar. Nunca concorri a nada na vida para me posicionar, não gosto de perder nem a feijões. O meu objetivo é ganhar em 30 de outubro.
A forma como a atual campanha tem decorrido parece sugerir que há hoje menos adeptos do Benfica apoiar a atual direção do que antes. Se não vencer estas eleições, contenta-se em ser a face visível do descontentamento em relação aos últimos anos?
Não, eu quero ser a face visível da esperança e do futuro para um Benfica que quer voar muito mais alto do que tem sido a realidade até hoje. Neste momento, o que temos é um projeto do passado, que só fala do passado e que não apresenta ideias. E depois temos o meu projeto, que reconhece o que foi feito de positivo mas que tem um plano para o futuro do Benfica, que tem um programa, uma equipa e que sabe como há de lá chegar.
Caso não vença as eleições, apoiará qualquer que seja o concorrente vencedor?
As eleições acabam no dia 30, por isso, a partir daí, quem for eleito será o presidente dos benfiquistas. O que eu gostava de ressalvar aqui é que temos duas visões completamente diferentes quanto ao modo de gerir o Benfica. Quando eu ouço o presidente vir falar no Benfica popular, este não depende do grau de instrução da pessoa, é sim o modo como se exerce o poder. Isso é que torna o clube mais ou menos popular. Ou seja, temos de um lado alguém que se recusa debater, a responder às perguntas dos sócios, que veio criar uma comissão de notáveis para definir a estratégia futura do clube. Do outro lado, temos alguém que quer debater, que vai às casas e responde às perguntas dos sócios e que não quer nenhuma comissão de notáveis, mas sim discutir os assuntos nas Assembleias Gerais com os sócios. O verdadeiro Benfica popular está com a minha candidatura, não com a de Luís Filipe Vieira.
Acredita que o modelo atual se encontra esgotado?
Eu acho é que as declarações de Luís Filipe Vieira valem de muito pouco, porque ele já prometeu tudo e o seu contrário, e aquilo que tem feito é esconder-se atrás das pessoas. Relativamente a Rui Costa, já em 2007 prometeu que Rui Costa seria o seu sucessor e está a esconder-se atrás dele. Eu lamento que uma referência do Benfica como Rui Costa, alguém que todos nós admiramos bastante, esteja a ser usada como escudo protetor do presidente. Ele não merece isso. Em segundo lugar, a mesma estratégia tem sido a mesma utilizada quando se muda radicalmente de projeto desportivo. Vieira não explica a mudança em termos de projeto desportivo, esconde-se atrás do treinador Jorge Jesus — falou 60 segundos na apresentação e escondeu-se — e depois, durante as eleições, continuou a fazer a mesma coisa, esconde-se através de uma máquina de propaganda que tem três diretores de comunicação e, mais uma vez, esconde-se dos sócios.
Crê, portanto, que a forma como esta direção tem atuado tem prejudicado o carácter democrático àquilo que, no seu entender, é o Benfica?
Claro que sim. Veja todos estes aspetos: a recusa em debater, o facto de a BTV ser, neste momento, um veículo ao serviço de Luís Filipe Vieira, a forma como se têm passado algumas Assembleias Gerais. Eu pergunto-me se isto é a democracia que queremos no Benfica. Esta é uma das razões pelas quais me candidato. Quero, ainda, deixar algumas ressalvas. Quando se está a criticar o presidente do Benfica, não se está a criticar o Benfica. Nós estamos a fazer estas críticas construtivas, lançando alternativas no nosso programa, exatamente na altura em que isto tem de acontecer, que é no período das eleições. Quero também passar uma ideia muito clara, que é que existe uma lista, a Lista B, com uma equipa coesa, muito bem preparada para tomar conta do Benfica no dia seguinte às eleições para pegar nos destinos do clube, que garante estabilidade desportiva — porque não vai fazer mudanças radicais no futebol em plena época — e estabilidade financeira, porque sabe bem aquilo que é a realidade do clube e o que tem de fazer. Portanto, nós estamos preparados. Depois de Vieira não virá o caos.
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