A história de Jorge Fonseca é uma história de e para a luta. O bicampeão do mundo de judo na categoria -100kg é agora medalha de bronze, algo que fica, ainda assim, aquém das suas ambições. Fonseca quer juntar-se aos heróis do Olimpo nacional, e promete continuar a trabalhar para isso. Próximo objetivo: Paris2024.

À semelhança do que fez noutras vitórias, prometeu dançar um "pimbazinho" se subisse ao primeiro lugar pódio. Se para dançar o tango são precisos dois, para que o atleta dê o seu pézinho é preciso ficar sem par, ser ímpar. E mesmo sem a 'dourada', Jorge Fonseca já provou sê-lo.

Da Damaia, que o acolheu, ao Japão, o berço do judo e de um campeão

Nasceu em São Tomé e Príncipe, mas aos 11 anos veio para Portugal com a mãe. Foi ela que lhe deu o consentimento para experimentar a modalidade.

Ficava na escola depois das aulas para ver Pedro Soares, antigo judoca, a dar treino. Nos intervalos punha em prática o que via. “Os rapazes gostam de fazer aquelas brincadeiras das lutas nos intervalos, então eu copiava algumas coisas”, contou ao Expresso.

Até que um dia o treinador reparou no rapaz que espreitava pela janela de um anexo à escola. Pedro Soares convidou-o a entrar no ‘tatami’. Jorge correu até casa para pedir autorização à mãe, que concordou. Nunca mais parou, até hoje. Já lá vão quase duas décadas, sempre com o seu mestre ao lado. Da Damaia para o Sporting, do Sporting para onde os combates o levarem.

Não gostava da escola, sentia dificuldade com a língua portuguesa. Desistiu cedo, ao 9º ano, para se dedicar ao judo. Mas o sonho de ser polícia fez com que voltasse à sala de aula para terminar o 12º ano. O judo e a idade (o limite é de 27 anos) não o permitiram. "Era um sonho e não o consegui realizar, mas tenho 28 anos e outros sonhos para concretizar"(Diário de Notícias, 2021) . Como o de ser campeão olímpico...

Aos 17 foi pai pela primeira vez (tem 3 filhos). "Mudou a minha vida. Mudou mesmo. (...) Fui trabalhar para um bar a apanhar copos, para ganhar mais algum e dar de comer ao meu filho, e comecei a ganhar outra responsabilidade porque amadureci”, contou numa entrevista em 2017 ao Observador".

Aos 22, quando regressava dos Jogos Europeus em Baku (2015), soube que tinha um cancro nos ossos de uma perna (linfoma). Já desconfiava que algo não estava bem. No balneário, depois dos treinos, os colegas metiam-se com ele: "Oh Jorge tu tens três bolas". O inchaço que sentia na virilha desaparecia no dia a seguir, daí não ter dado importância. Só quando perdeu as forças na disputa por uma medalha de bronze é que percebeu que não o podia ignorar mais. Numa conversa com Rui Unas, no podcast "Maluco Beleza", o judoca conta que não gosta que esta história o resuma. Quer ser um exemplo, não o coitadinho.

Na mesma conversa, partilhou que para si existem três tipos de atletas: "o que não ganha nada, o atleta das medalhas e o que dá espetáculo". "Era atleta do espetáculo, agora sou o atleta que ganha medalhas", definiu-se.

O ciclo mudou em 2019, e é aí que entra o Japão, país que já visitou mais de uma dezena de vezes. Foi em Tóquio que se sagrou campeão mundial pela primeira vez. Mas também foi no país do sol nascente que teve problemas com a polícia, uma vez ao atravessar uma passadeira num sinal vermelho, outra por correr na rua sem t-shirt. "São coisas passadas. Quero construir novas memórias”, contava ao Diário de Notícias antes da partida para os Jogos Olímpicos. E assim foi.

Jorge Fonseca, 17.º classificado no Rio2016, chegou a Tóquio com o estatuto de bicampeão mundial, fruto das conquistas, precisamente, em Tóquio (já mencionámos) e Budapeste (2021), tendo também obtido um terceiro lugar nos Europeus de Praga, em 2020.

Do Rio2016 para Tóquio2020, Jorge Fonseca confessou à Lusa que “não mudou quase nada”, pois está “sempre pronto para competir e ir para a guerra”, embora sentisse um aumento da responsabilidade, que, no entanto, lhe dava “mais vontade de vencer”. “É um novo Jorge, com determinação e ambição. Tenho fome de ganhar e quero comer os títulos. Trabalho sempre para isso”, disse antes de embarcar.

A primeira medalha de campeão do mundo está em casa da sua mãe, “para ela acreditar que o filho dela é mesmo campeão do mundo” (Tribuna, 2019). Hoje conquistou a medalha de bronze, nos seus segundos Jogos Olímpicos, e foi a ela quem a dedicou. Onde a guardará? Ainda é preciso ver para crer?