Se no início da época dissessem aos adeptos do Benfica que estariam a festejar no Marquês no final do ano um título conquistado aos ombros de nomes como Ferro, Samaris, João Félix, Rafa e Seferovic, e que Bruno Lage seria o homem que os levaria à reconquista, muitos teriam achado ridículo.
Bom... Ninguém acha essa ideia ridícula agora.
Não retirando a quota-parte de mérito a Rui Vitória – os seus 32 pontos também fazem parte do total de 87 com que o Benfica termina a época –, a verdade é que este título tem um obreiro, de seu nome Bruno Lage.
Quando pegou na equipa, depois de uma derrota frente ao Portimonense em jogo a contar para a 15.ª jornada, as águias estavam no 4.º lugar a 7 pontos do FC Porto, com 31 golos marcados e 15 sofridos. Nos 19 jogos seguintes, o Benfica conquistou 18 vitórias e um empate, num registo completamente arrasador que, não obstante os 15 golos sofridos nesse período, permitiu quase triplicar o número de tentos apontados, tendo ultrapassado os 100 golos no campeonato com a vitória de hoje frente ao Santa Clara.
Depois de uma carreira passada entre os juniores do Benfica e do Al-Ahli, a posição de adjunto de Carlos Carvalhal no Sheffield Wednesday e no Swansea, e a equipa B das águias (onde começou o ano, de resto), o treinador de 43 anos guiou uma equipa que, a meio da época, parecia partida, a uma das melhores temporadas da sua história (os 87 pontos deste ano só são superados, em anos recentes, pelo título conquistado no primeiro ano de Rui Vitória na Luz).
Lage foi, de facto, o líder de homens que o Benfica precisava, mostrando não ter medo de apostar em jogadores que, à partida, estariam proscritos ou não seriam primeiras opções. E os resultados estiveram à vista.
No capítulo da recuperação de jogadores, o caso mais paradigmático é o de Samaris, que jogou apenas 6 minutos na Liga com Rui Vitória e que depois da entrada de Bruno Lage pegou de estaca na equipa a partir da 18.ª jornada, tornando-se um dos jogadores fundamentais para Lage e para o título benfiquista. Num ano em que terminava contrato e em que se falava da sua saída, o grego respondeu com uma grande época e a renovação do vínculo com as águias chegou ainda antes do final da temporada.
Mas Rafa (7 golos nos últimos 5 jogos da época, 16 no total) e Seferovic (que começou a época a titular, perdeu o posto no 11 nos últimos jogos com Rui Vitória e acaba a época como melhor marcador do campeonato, apontando 19 dos seus 23 golos com Bruno Lage no banco) são também bons exemplos do “efeito Lage”, que quase pareceu ter toque de Midas quando também lançou Ferro e este correspondeu sendo talvez o defesa-central do Benfica que termina a época em melhor forma.
Mas a Reconquista não se fez só destas “recuperações”.
Depois da inesperada (e daí talvez não) retirada de Luisão, ainda em setembro, o Benfica parecia ter ficado órfão de um capitão que os levasse à desejada Reconquista. Mas a verdade é que a mística benfiquista passou do braço do Girafa para o de André Almeida (ainda que Jardel seja o primeiro capitão da equipa).
33 jogos, dois golos e 12 assistências (3.º jogador com mais assistências no campeonato, só atrás de Pizzi e de Bruno Fernandes) foram os números com que o homem que tem capitaneado o campeão terminou a época, fazendo de André Almeida, um nome que muitas vezes não colhe simpatia junto dos adeptos, um dos esteios deste Benfica da reconquista.
E por falar em esteios, que dizer de Pizzi? Ao todo, foram 19 assistências (!) e 13 golos marcados pelo jogador nascido em Bragança que, tal como o capitão André Almeida, fez uma das melhores épocas da sua carreira. A influência de Pizzi nos golos do campeão é notória, ainda que, tal como o defesa-direito, nem sempre tenha a simpatia dos adeptos de futebol, para quem a exuberância parece muitas vezes ser mais importante que a eficácia.
No que toca a simpatia, contudo, ninguém bate Jonas. O “Pistolas” é idolatrado pelo Estádio da Luz e as razões não são poucas: o brasileiro foi uma espécie de abono de família das águias nos últimos anos, peça fundamental no jogo da equipa – não só pelos golos que marca, mas também pelo que faz jogar. Aos 35 anos – e já sem a frescura de outros tempos –, Jonas não deixou de ser decisivo e a prova disso foram os 11 golos marcados no campeonato. Mais que isso: soube aceitar o seu novo papel (dos 21 jogos em que participou, em 11 deles saiu do banco) e servir como um “agitador ponderado”, que saltava do banco para espalhar classe, sabedoria e bom futebol pelos relvados nacionais. A Jonas-dependência poder ter terminado com Lage, mas apenas dentro do campo. Fora dele o avançado foi um líder e um mentor para os meninos lançados pelo Benfica nesta época.
André Almeida, Pizzi e Jonas foram os líderes dentro e foram de campo depois da partida de Luisão, os veteranos do Estádio da Luz, as extensões de Bruno Lage no relvado e no balneário, os homens que, no fundo, comandaram o sonho de uma equipa que, a meio da época, parecia dar o título como perdido.
Esse sonho de recuperar o título roubado pelo título no ano passado começou, antes de mais, por assentar num outro desejo: o de reconquistar o público. "É fundamental deixarmos o nós e eu de lado e reconquistarmos o público", dizia Bruno Lage em janeiro deste ano. E ninguém fez mais pela reconquista do público do que um menino de 19 anos.
João Félix é o nome que agita o coração das águias como há muitos anos não se via. Félix joga com a frieza de um veterano e com a inconsciência de um adolescente, sem medo. É o novo “menino de oiro”, quase 20 anos depois do outro, de seu nome João Vieira Pinto, ter abandonado a Luz. E fez os adeptos encarnados felizes (tal como algumas t-shirts o provam) como há muito não se via. Entusiasmou-os mais que Renato Sanches, Nélson Semedo, Gonçalo Guedes ou André Gomes. Em João Félix os benfiquistas vislumbram o génio que está apenas ao alcance de alguns. No novo menino de oiro os benfiquistas puderam, finalmente, vislumbrar aquilo que perderam por nunca terem visto Bernardo Silva vestir o seu “manto sagrado” regularmente, durante uma época. Félix foi quem fez o Benfica sonhar. E se o sonho comanda a vida, o deste menino comandou o título.
P.S. - este texto não podia terminar sem fazer referência a Grimaldo, autor de uma temporada estrondosa em que foi dono e senhor do corredor esquerdo encarnado e onde apontou quatro golos e fez 11 assistências. Jogou (e joga!) muito, o lateral espanhol.
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